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quarta-feira, 24 de abril de 2024

O MITO DA CAVERNA FILOSOFIA 8º ANO

 

O Mito da Caverna

          Sócrates diz para Glauco imaginar uma espécie de caverna subterrânea em que homens vivessem como prisioneiros desde sempre. Essa caverna possui uma parede em que os prisioneiros foram acorrentados pelos braços, de modo a verem somente o que se passa na parede paralela.

          Atrás dos prisioneiros, existe uma chama acesa por qual as pessoas passam, gesticulam e movimentam objetos, de modo a projetarem suas sombras na parede que os prisioneiros conseguem ver. Também falam e gritam, criando ecos que os prisioneiros podem ouvir. Sombras e ecos são projeções distorcidas das imagens e dos sons reais. Por viverem toda a sua vida ali, acorrentados, tudo que os prisioneiros sabem do mundo é o que eles vivenciaram.

          Continuando, Sócrates fala para Glauco imaginar que um dia um prisioneiro foi liberto. Ele saiu da caverna, teve um primeiro contato com a luz solar que ofuscou a sua visão e gerou um grande incômodo. Porém, após acostumar-se com a luz, ele pôde observar toda a natureza e todo o vasto mundo que havia fora da caverna, muito maior do que ele julgava existir quando era um prisioneiro.

          Em um primeiro impulso, o prisioneiro liberto poderia tentar retornar para a caverna e libertar os seus companheiros. Imaginando as possibilidades, ele poderia até ser morto por seus colegas, que o julgariam como louco.

 

COMPREENSÃO:

 

1- Como estão os habitantes da caverna?

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2- O que havia na entrada da caverna?

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3- O que os habitantes da caverna consideravam real?

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4- Se um prisioneiro saísse da caverna, o que aconteceria com ele?

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5- O que fez o personagem principal ao sair da caverna?

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6- De que forma os homens que permaneceram na caverna receberam a narrativa daquele que havia saído da caverna?

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7- O que Platão pretende explicar com a “alegoria da caverna”?

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INTERPRETAÇÃO:

 

8 - Quem são os prisioneiros?

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9- O que é a caverna?

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10- Que são as sombras projetadas no fundo?

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11- O que é a luz do sol?

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12 - Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna?

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13- Porque matam o prisioneiro que se libertou?

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O MÉDICO E O INDIO - FILOSOFIA 8º ANO

 

O médico e o índio

          Conta-se a seguinte experiência, vivida anos atrás por um grande médico paulista, filho de imigrantes italianos, enquanto trabalhava entre os índios xavantes, no mato grosso.

          Em uma tarde tórrida dessa região central do Brasil, o médico saiu para caminhar com um dos indígenas, Rupawe, e decidiram refrescar-se no rio das Garças. Depois de nadarem por quase uma hora, sentaram-se para descansar e apreciar a paisagem à sua volta. A agradável sensação da brisa pareceu despertar no médico pensamentos sutis, resultando neste curto diálogo:

          – Você é feliz, Rupawe?

          – sim – respondeu prontamente o índio.

          – e você sabe o que é felicidade?

          – não.

 

Dicionário: Análise – divisão do todo em partes, para examinar cada uma delas e, depois, poder entender e explicar o todo composto dessas partes (síntese).

 

1. Quem são os personagens dessa situação?

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2. Qual deles passava por uma experiência diferente em seu cotidiano?

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3. Levante hipóteses sobre a vida do médico antes de ir trabalhar entre os índios.

a) Como era o espaço geográfico?

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b) Que tipos de atividades físicas ele fazia?

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4. Levante hipóteses sobre a vida do médico entre os índios.

a) Como era o espaço geográfico?

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b) Que tipos de atividades físicas ele fazia?

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5. O que a experiência na mata despertou no médico?

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6. Você é feliz?

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7. O que torna uma vida feliz?

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8. Esse diálogo abordo o seguinte problema: o que é felicidade ou o que é ser feliz.

A narrativa apresenta alguma resposta para esse problema?

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ADAPTADO DE:

O médico e o índio

Conta-se a seguinte experiência, vivida anos atrás por um grande médico paulista, filho de imigrantes italianos, enquanto trabalhava entre os índios xavantes, no Mato Grosso.

Em uma tarde tórrida dessa região central do Brasil, o médico saiu para caminhar com um dos indígenas, Rupawe, e decidiram refrescar-se no rio das Garças. Depois de nadarem por quase uma hora, sentaram-se para descansar e apreciar a paisagem à sua volta. A agradável sensação da brisa pareceu despertar no médico pensamentos sutis, resultando neste curto diálogo:

-           Você é feliz, Rupawe?

-           Sim - respondeu prontamente o índio.

-           E você sabe o que é felicidade?

-           Não.

 

          Primeiramente, analisemos juntos essa anedota ou historieta, que constitui nossa primeira situação. Isso nos ajudará a percorrer os distintos passos de uma experiência filosófica. (E vá se acostumando com esse procedimento, pois o filosofar começa, de modo geral, com uma análise.)

 

          Análise - divisão do todo em partes, para examinar cada uma delas e, depois, poder entender e explicar o todo composto dessas partes I síntese l.

 

          Quem são os personagens dessa situação?

Há dois personagens: um médico paulista, vindo de um centro urbano, e um índio xavante, que vivia com sua tribo no estado do Mato Grosso.

 

          Qual deles passava por uma experiência diferente em seu cotidiano?

Podemos deduzir que é o médico, porque nesse momento: a) trabalhava em um espaço físico-geográfico estranho para ele (o Mato Grosso]; b) convivia com um grupo social que possuía uma cultura distinta da sua (a comunidade xavante); e c) desenvolvia atividades que não poderia realizar em uma metrópole, como passear respirando ar puro e nadar em um rio não poluído, cercado da paisagem silvestre.

 

          O que essa experiência parece ter causado nesse personagem?

A vivência de um cotidiano distinto parece ter levado o médico a parar e pensar sobre as diferenças entre sua vida e a do nativo. Isso pode ser deduzido das perguntas que ele fez, as quais refletem preocupações como: -Seria Rupawe feliz?"; -Serei eu feliz?"; "Se ambos somos felizes vivendo de maneiras tão distintas, o que [orna uma vida feliz?"; e assim por diante.

 

          Que problema filosófico essa conversação inspira?

É o problema da felicidade, ou seja, o que é felicidade ou o que é ser feliz.

 

            A narrativa apresenta alguma resposta para esse problema?

Não. O relato se interrompe com a resposta negativa do indígena. Ele sabe que é feliz, mas não consegue dar uma definição de felicidade, dificuldade enfrentada pela maioria das pessoas.

 

            Você concorda com a análise que fizemos?

Reflita bem. Todo texto pode ser analisado de diferentes maneiras. Você proporia alguma outra pergunta para completar essa análise? Você responderia a alguma questão de maneira distinta?

FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA - GILBERO COTRIM - 8º ANO 4ªED - 2016

quinta-feira, 4 de abril de 2024

LAURA LEVOU O VENTO - FLÁVIA SAVARY

 

LAURA LEVOU O VENTO

 

           Ou o vento trazia? Onde parava de soprar o que, pela cabeça de Laura, ia? Nas alturas, rente ao chão, espalhada feito areia? Que mistério a tecia? Difusa sereia - plena luz ou meia-noite e meia? Talvez por isso não parasse, nem ficasse, sempre fosse, fosse... Fosse ela uma rocha, concreta, monolítica. Mas Laura era aérea, diziam os professores. Etérea, suspiravam os enamorados. Eólica, afirmavam os colegas, após uma aula sobre moinhos. Onde os olhos de Laura? Onde?

 

          Onde ninguém espia. Em coisa que não se admira: folha morta, sombra torta, hora vadia. Laura olhava pela janela, sumia o dia. Que dia era agora? Ontem, hoje, amanhã, que importa? Recordava a infância, enquanto a vivia, sentada no cais, cai, não cai. Sem medo, que medo não tinha: o vento levou, desde cedo. O cabelo preto riscava, de nanquim, o ar azul, ar bom de respirar. Ar: beijo de balão.

 

          A casa na ilha, janela pra todo lado. Todas abertas. Milhas e milhas de vento em volta, ciranda de sopro. Ao voltarem da pescaria, ela e o padrinho foram surpreendidos por tempestade em alto-mar. Guinchos de gaivotas, ondas revoltas, espumas loucas. A menina tremia? Nada! Nem miava, nem gemia:

-                   O vento é meu amigo. Está de mau humor, só isso. Laura pousa em terra firme. Grita a madrinha, descabelada:

-                   Filha, achei que jamais a veria! - e sapeca-lhe um abraço de tirar o ar.

-                   iam dia, convido o vento pra jantar. Garanto que ele vem. Verão como se comporta bem. Perigo? Não tem!

            Vento quer apito, quer fazer sinfonia. Laura dispõe, pela praia, pilhas de garrafas vazias. Ouve-se estranha melodia: são os cochichos, em cachos sonoros, do parceiro. Ela acompanha com assobios. O gosto pela harmonia vem da cantiga do vento. Num dueto. "Vou ser flautista, acho. Instrumento de sopro é um barator, sonha ou desperta Laura? Pra que uma escolha apenas, se no coração cabe a orquestra inteira? Arruma a partitura. E ainda sobra espaço para prosa e poesia. Já vi esse filme. Ouça a canção e veja a pintura: na escola de artes, causa espanto. "Fôlego: nota dez. Em compensação, quanta dispersão!". Também, com o mestre que tem... Vento só sabe ser avoado.

          Faz pirueta. Volta, volteia. Roda feito fuso e o diretor entra em parafuso. Na aula de balé, só ela sobrava em pé! Tonto com tanto giro, entre suspiros, questiona o professor:

          - Onde aprendeu essa coreografia que mais parece uma bagunça?

          - Me sustém, do vento, a sustância. Quem pratica sempre alcança. Minha estaca é a esperança. Vivo a vida em festança!

          - Que respostas para uma criança...

Era uma vez... Que história é essa? A que ela fez. Entrou também na dos outros, guardadas já na memória. Misturou tudo e tirou da cartola. E agora? Fez escola. Na aula inaugural, fez discurso transcendental:

- Pra voar, tem que ser mais leve que o "Ah!". Se deixe levar, sem susto na mudança.

Chama o vento pra ajudar. Ele chega, num golpe de ar. Cadê que o povo flutua? A primeira turma, de cara, perde a bravura. Meninas seguram as saias. Sai, assim não dá! O remédio foi dispensar. Não combinam vento e medo. E os meninos? Tão valentes — Só de brinquedo.

O céu, colorido de bandeirola? Não me enrola - é um concurso de pipa! Qual a mais bonita? Acertou: é a dela! Meio azul e amarela, roxa cor de berinjela. Frajola, feita de revista. Na ponta da rabiola, pôs seu laço de fita. Tão acostumada, Laura voa. Numa boa. Como se voar fosse coisa à toa...

Peraí: "Laura voa"? Decerto, quem você pensa ver de perto, a menina? É a pipa que baixa à terra. Laura está solta, lá em cima. Avoada, sempre no mundo da lua. Senta na cauda do cometa. Comadre das borboletas. Mas não se iluda que ela não é nenhuma tonta. Tem o sol por testemunha e o vento pra segurar as pontas. Não espalhe: é ele seu guarda-costas. Não provoque que ele sopra. Sopra, sopra e lhe derruba.

Ou carrega até Aruba. Experimente! Laura é calma, mas, quando se esquenta...É ardida feito pimenta.

          Laura, teatral, nunca se dá mal. Arma um circo, faz uma cena. Todos morrem de pena:

-            Que foi, minha filha?

-            Não chore assim, pequena...

-                   Ai, que me mata de dó!

Viu só? Ganhou brinde, boneca, prenda. Aprenda. Vai guardar tudo no cofre... Pra brincar depois da morte? Quem é seu amigo tem sorte: Laura tudo reparte. Viver é uma arte. Que parte da peça é essa?

-            Brincar sem elenco? Coisa mais sem graça! Vem, vento, sopra um cisco em meu olho. Preciso de mais chorar. Falta brinquedo, falta sonho. Quero o mundo mais risonho.

Ela me disse assim:

-            Quem vive pra si só sobra. É ato trágico, navio em naufrágio.

Fina, tem boas maneiras. Prendada, é exímia bordadeira. Também moleque e atrevida: tão franzina e dá rasteira. Joga bola, mas nada de atiradeira! Atirada, salta mais longe. E, lógico, tem mais fome:

-                   Como isto ou aquilo? Ora, os dois: quem come pouco é esquilo!

Compra bala a quilo. Doce pra todo mundo.

-                   Menina, seu dinheiro some! Gastou tudo em besteira? -ralha a tia, mãos na cintura,

-                   Me doeu o olho comprido do menino. Não miro só meu umbigo. Em minha terra, papel de bombom é bandeira.

"Sem eira, nem beira", rotulam os adultos. "Fada verdadeira", em coro, cantam as crianças, suas parceiras.

-                   Laura, fica quieta, senão o alfinete te espeta!

Experimenta o vestido da festa. Mas, na hora H, entra outra com a vestimenta.

-                   Como apronta! Dar seu vestido novo em folha... Quem aguenta? - comenta a prima, ciumenta.

 

           Foi assim mesmo. Foi-se um dia, dois, na ventania. Pedra

-                   Se era meu, não é mais. Dou pra quem me apraz. Minha amiga, tão feliz, vestida feito princesa, fisgou um belo rapaz.

Não habita, em seu coração, sentimento perneta. Centopeia equilibrista, corre o risco do trapezista. Anda no ar, suspensa. Quem não arrisca não petisca. Vive a vida feito turista. Do mundo, nada se leva, só a vida que se leva. Então, até a vista!

Passado é fogo. Primeiro amor também. Palpitação de acender labareda.

-                   Tu me amas? - ele a chama.

Ela aventa:

- Vou, não vou?

Voo. Medo nenhum, que medo não tinha. Espanta o moço que espanta Laura, com tanto esquema. O grande amor era faísca de isqueiro? Onde o incêndio de convocar bombeiro? É hora pra chegar, hora pra sair, hora pra chorar, hora pra sorrir. A asa de Laura dói assim, tão espremida. Ele chega de visita, rosa-rubra na mão... Entra não! Na porta, o bilhete azul: "Você me consome com seu lume de fogão automático. Tão sistemático! E eu não sou gás de bujão. Preciso de espaço. Fui pra Austrália aprimorar, com os cangurus, a arte do salto. Sem mais, aquele abraço".

E fica, o moço, com cara de tacho.

Foi mesmo assim. Foi-se um dia, dois, na ventania. Pedra rolante. Sangue de viajante. Traz, na testa, a franja inquieta. Como as ideias, A estrada parece enguia, dá choque, arrepia. Laura, sem freio, se guia. Começa por urna, dobra em outra, acaba numa terceira via. E os atalhos? Tantos... Anda como quem despista. Sua pista? De avião, à la Santos Dumont.

Ainda tem o que se ver? Já vi tudo. Já vi? Nada! A linha do horizonte, pra ela, é pontilhada: carece completar. É brinquedo - tem que se jogar.

Será que vai dar tempo? A volta ao mundo em oitenta dias, o mundo feito numa semana. Mil e uma noites. E o tempo parece açoite! Falta muito? Achou o mapa da mina? Me conta, menina!

- Quem conta um conto aumenta um ponto. O que não sei, invento. Também, o mundo não para quieto... Parece o vento!

Para Laura, o bonito está adiante. Em frente, avante! Sempre alerta e obediente ao seu sonho de estudante.

Quantas línguas ela fala? Tantas que chego a perder a fala. Fala, bela, com as mãos e os olhos, poços negros de petróleo. Caros, preciosos, raros. Razão de guerras. Guerra? Qual, se não tem garra pra paz, não é com ela! Avisa os navegantes: "Ouviu?". Senão, sumiu! Sumiu no mundo. O mundo é rosa amarela: desfolha pátria por pátria.

Laura, viajar sozinha... Isso não te apavora? - perguntam

as amigas, de hora em hora, roendo unha. Medo nenhum, que medo não tinha. - O mundo é uma bola! - ri, dentes à mostra.

Laura traduziu arco-íris pro braile. Não perdeu nenhum baile. Foi abaixo de zero e à beira do vulcão. Viu todo tipo de explosão: fogos, tiros, revolução. Venceu chuva e inundação. Dormiu na seda e no chão. Sem erro, colheu flor com cheiro de tempero. Viu exagero pela metade e exagero por inteiro. Andou de camelo e avestruz. Supersônica, na velocidade da luz!

Ui, como é que pode? No trote do vento, vira, antes, coisas mais impressionantes. Nada te espante. Comeu troço que arde e adoça. Faço troça? Você acha? Conheça Laura! De cada viagem, trouxe tesouros? Incenso, mirra, ouro? Melhor, não trouxe - deixou. Porque o vento tudo leva, mas amizade leva, não. Laura deixou saudade e fez estoque de paisagem: guardados, na maletinha, postais de todo lado!

Amigo é coisa pra se guardar... ou dividir? Laura, casamenteira, junta as brasas na lareira. Davi ama Leni, Rafael ama Isabel e Pedro ama Maria. Quem diria? De par em par, passou todos pra arca da alegria. Laura, com seu jeito de vento, fez chover quarenta dias. Encharcou toda a secura, acabou o tempo que estia. Espia! Com talento, mexe o fogo da paixão. Queima, não. Siga a receita: misture os ingredientes, com grande sabedoria. Coração com coração. O bolo não sai solado. Sopra segredo aos ouvidos. De amor, guardados.

- Guardar segredo de amor? Pra que tanto cuidado? Estraga, desanda, acaba azedado.

Resultado: virou madrinha de um batalhão de afilhados.

-                   E você, Laura, não casa?

-                   Se me arranjar uni noivo com asa...

Ela também tem ninho (que cabe na mochila)! Não cochila, sonha. Acordada. Olho espetado na estrada. E também nas armadilhas que, no coração, estão armadas. De uma queda, foi ao chão, esparramada. A causa? Moço alto feito muralha. Lá vinha Laura e deu de cara. Tomou impulso, ia pular... Mas não veio a ordem de batalha. Resolveu esperar. Relaxou. E a passagem ele fechou:

-                   Vamos pôr uma pedra nessa história de viajar. Depois construir sólida morada e nossa vida plantar.

Quem mata não ama. Cada parede erguida mais a sufocava. A tempo, Laura acha o fio da meada:

-                   É tempo. Faz tempo que o tempo passou. Eu já vou. Você é muito concreto, eu sou de vento. Não somos do mesmo elemento. Quase me quebra por dentro. A vida, pra mim, é movimento. Tenho pressa. Um beijo na testa!

E segue batida. Amar é bom à beça, mas, se não acerta, mire novo alvo, com nova seta.

Caixa de texto: I.

Está no ar! De volta, do jeito que ela gosta: de avião ou asa-delta. Balão ou paraquedas. Ultraleve ou planador. Esquece o que fere, apaga a dor. Vê o mundo lá do alto, com olhos de aviador:

- Venha, do vento, a rajada. Sobre as nuvens quero estar. Da aurora à madrugada, até essa febre passar.

Laura se dá por inteiro. Nada de meias palavras, verdades veladas. Alada, mas consistente. Passada de elefante, com peso de alfinete. Voa além do horizonte até passar do limite. Onde o limite que impede? Se o vento a impele ao ponto culminante do firmamento. Quase vira astronauta. Bebe, da Via Láctea, a nata. Nota, repara! Voltou a sorrir aliviada, Recuperou o ar de fada. Faz de conta que a dor é nada.

- Ufa, passou... Águas passadas não movem moinhos. Segue seu caminho, sem rotina e sem destino

-                   O bom de viver é o que eu ainda vou ver. Mais o que se junta. Quanta coisa aprendi, mas quanta falta aprender! E quando ficar velhinha, já pensou como vai ser?

-                   Muito posso fazer: contar história de condão ou pra valer. Vendedora de balão ou ás da aviação. Figurante de escola de samba ou maestrina de charanga. Ah, nem sei! Quem tem agenda é rei. Estou só de passagem e sou leve feito aragem. Parar? Nem pensar! Pra envelhecer, não tenho tempo. Quem me leva é o vento. Próxima parada: qualquer lugar.

Como quem faz ginástica, Laura estica o tempo. Barriga pra dentro! Voam folhas do calendário, sopradas que nem cata-vento. Presente? É coisa de momento, quase um passatempo. Presente é coisa de criança - nunca se cansa.

Janeiro foi-se, de carona, num navio cargueiro. Fevereiro: par na dança do mulato inzoneiro. Março, aulas começo, Férias? Aquele abraço! Abril: céu de anil do meu Brasil varonil. Maio, mês das noivas e desmaios. Junho arma a quadrilha do sanfoneiro fanho. Julho é frio pra burro: me encapoto feito um embrulho. Agosto não é mês do desgosto, mas de festa, aposto. Setembro, baile da primavera: com esmero, se enfeita a Mãe Terra. Outubro: chega o calor, sol cada vez mais rubro. Novembro: de tantas viagens me lembro... Dezembro é Natal: abrir comportas e compotas não faz mal. Bom se empapuçar, de papo pro ar.

Volta ao lar. Lar?! Eia, você não quer dizer lareira? Ela tem eira, afinal? Por que o susto? Laura é normal. Que nem todo mundo, ela tem um canto, no fundo. Comprou um trailer e estacionou no fundo do quintal. Cada amigo que tem casa arranja uma nova vizinha - Laura, a passarinha!

De Damasco a Madagascar, gasta o pneu de tanto rodar. Ih, o mar! Como se atravessa, quando ele atravessa o caminho? E tem canto de sereia, misturado com espinho? Cuidado, moça! O mar não está pra peixe. Surge das águas um mergulhador. Belo feito boto. Vai dar o bote, não deixe! Já era: caiu na rede, é peixe. O moço tem língua marinha de serpente. Laura, encantada, fica dormente. Seu sonho se entope de entorpecente. Amolece, afrouxa. Começa a desmanchar. De novo? Será que ela não aprende?

- Quem aprende se arrepende. Quem não aprende também. Melhor conhecer, de perto, a noite do meu bem. Só que, no aquário, não caibo. Quase me afogo em sua areia movediça. Movediça eu sou. O vento mudou: levantar âncora!

Vai singrar outros mares. Mudar de ares. Dá adeus a seu pirata. Entrega o ouro, jamais o mapa!

Sangra um pouco, assim do lado. Resultado da rinha. Medo nenhum, que medo não tinha.

- Faz parte da vida. Cai, depois, a casca da ferida. Verdade seja dita: que alta onda! Quase me afronta. Se fosse marinheira

Caixa de texto: O'

de primeira viagem, perdia a luta na abordagem, morrer ria praia? Não tem cabimento! Depois de tanto percurso? É tempo de mudar o curso. Navegar eu preciso!

Será o Benedito, o Expedito ou o Carlitos? Cadê a alma gêmea que acalma o olhar aflito? Onde a cara-metade que dá asa ao infinito? Que é do pedaço que falta ao seu sonho mais bonito? Já estou enjoada dessa história solitária! Mundo, mundo, vasto mundo, se seu nome for Raimundo, será rima e solução? Adamastor... sei não, parece nome de ator.

Finge tão completamente que finge sentir que é dor, a dor que deveras sente. Que tal Zélio? E se ele esconder um mistério?

De A a Z, quem seu par vai ser? Que agonia dá na gente! Quando Laura vai, enfim, arrumar um pretendente?

- Tenho cara de Cinderela, afinal? Princesa é que se amarra em sapatinho de cristal: "Felizes pra sempre", na redoma imperial. Também sonho dourado, com alguém ao meu lado. Só não acredito em príncipe encantado, nem em sapo enfeitiçado. E não tolero prisão: comigo não, violão! Conquistei minha anistia. Me vesti de fantasia. Meu coração

ninguém rouba. Dou de mão beijada, na bandeja, de coração. Só que amor não é arame farpado, pra se viver espetado. Nem coleira, muito menos muro. Ainda acho um amor assim, infantil e maduro.

Caixa de texto: 30

Laura, se príncipe não faz seu estilo, que tal dono de circo? Este tem destino cigano. Ou, quem sabe, um Quixote? Cantador de feira do Norte? Mecânico de charrete? Vendedor de sorvete? Ou então... Onde se meteu essa senhora? Quando olho, já foi embora e me largou falando sozinha!

- Pra certas coisas, pressa s6 atrapalha. De que me adianta fogo de palha? Não fica pedra sobre pedra, quando o vento tudo espalha. E água mole ninguém segura. Sei que o amor é feito do que dura. Tudo a seu tempo. Quem é amigo do vento sabe o que ele traz, num zás-trás: novidades a mais!

Lá vai ela! O mundo se descortina, diante de sua janela. As quatro estações. Os cinco continentes. As sete maravilhas. Europa, França e Bahia. Repúblicas e dinastias. E por aí vai. Laura, já pensou se fosse como antigamente? Achavam que a Terra acabava de repente!

- Chegar ao limite do globo? Se der lá, com meus costados, descubro como fazer para passar pro outro lado!

Agora vai devagar. O mundo tá quase acabando. Conhece tanto lugar... Olha pro céu e suspira:

- A lua, como será? Devorar todo aquele queijo, eis meu novo desejo. Mirar, lá de longe, a Terra. Sentar-me numa cratera e fazer crochê. Quem me dera! Será que a Terra é azul? Será que na lua tem guerra? Guerra entre sol e lua, pra ver qual luz é a mais bela. O espaço conquistar, cada estrela e quasar. Mas de forma delicada, sem atropelo nem míssil. Sei que a missão é difícil. Astronauta pacifista, quero o amor anunciar!

Caixa de texto: -",

Com mil planos na cabeça, fuxica preço de foguete. vê se pode? Mas até que eu acho bacana. Laura não é banana, vai fundo! Se não se viaja no sonho, ele acaba medonho -seco, enrugado, maracujá de gaveta. Ela segue o impulso de seu jeito de cometa. Súbito, topa com um anúncio maluquete: "Vendo foguete, um, barato! Fabricação caseira, feito com muito tato. Só para quem sonha alto e gosta de história. Não aceito promissória. Promessas, se forem bonitas. Rua Estreita, Bela Vista".

           Laura guarda o recorte. Põe um vestido com decote e segue a pista, à risca. Caindo aos pedaços, a casa cai de charme pro seu gosto:

         - Já vi que o morador não morre de tédio ou desgosto. Alguém que não para quieto. Povo esperto e amigo. Deve ser da minha tribo.

         A campainha é um estribo e o som, um estribilho, Nada de Nitri-Nom, mas um rock do bom. Quem abre a porta? Uma graça de garça!

        - Boa tarde, minha senhora. Não fique ai fora, venha pro abrigo, sem demora! Quer um chá? Tem de manga e de amora. Garça que fala? E essa agora?

         Esqueceu que a história nasceu da cabeça desta autora? E que toda autora é inventadeira? Se quiser, faço gosma virar

trepadeira. Político assumir suas besteiras. Todo tipo de doideira. E garça fala, sim! Se não escuta, é seu ouvido que está cheio de cera. Depois da pausa que restaura, voltemos à história de Laura.

Quem abre a porta? Um tipo que nunca vi, diferentão e aéreo. Fora do padrão e do esquadro. Casaco do lado errado. Cada meia de uma cor. O cabelo em desalinho, grisalho, passado o pente-fino do vento. Olho azul, céu em movimento. Nos lábios, flutua um sorriso. Em que pensa esse menino? Espia com olhar ausente. Não se engane: naquela íris de anil, duas gotas ferventes, encantos mil. Brilha tanto, tanta graça, vê-se logo que é feliz. Parece o pote de ouro no final do arco-íris. Verdadeiro tesouro. Laura, o que me diz?

Ai, que vertigem! Ai, ai, que aragem! Ai, ai, ai, quanta bobagem! Onde escondo essa cara de bestagem? E o rubor adolescente? Sinto, por dentro, um hálito quente. Sopro de vida ardente. Sua fala sussurrante lembra um vento cortante. Rompe as amarras que prendem. Tão atraente, parece um ano errante. Me eleva feito ciclone. Anúncio de tempestade. Perdido nos ares. Que nem alguém que conheço...

Ficam os dois ali, parados, grudados feito chiclete. Passa tempo. Olho com olho, dente contente. Quem vai cortar a corrente?

- Veio ver o foguete? Pra você, dou de presente. Uma pessoa se conhece pela fuselagem. Seu motor, aposto, topa qualquer viagem. Tremendo avião! Não leve a mal o que digo. Falo sé o que sinto: meu coração lhe pertence!

Assim, tão de repente? Que declaração - chega a me dar palpitação!

Em Laura, não. Algo nele revela tratar-se de velho conhecido. Amigo de longa data que volta, enfim, tão bonito.

Pronto pra longa jornada, dividida e tão sonhada.

- Qual o seu nome, querido? - pergunta Laura, apaixonada. - Vento é meu apelido, desde menino - ele cochicha, ao pé do ouvido.

Sem medo, que medo também ele não tinha. E, ousado, a enlaça. Sente o roçar da pluma? É uma asa!

- Eis meu anjo, resumo de gosto e plano! Conquistado e bandeirante. Dos mistérios, navegante. Quem vê coração não diz "para". Me encara esse presente, com seu ar de horizonte. Pela escotilha, olho o mundo já distante. Cabeça leve, perco toda a gravidade. Não me assusta a velocidade, com a qual decola o romance. Se me sinto mais alada, se minha alma pede "avance!"... Volto aos tempos da infância.

Um beijo de balão sela tão perfeita aliança.

Você esperava por essa? Nunca perca a esperança! Casaram e me chamaram pro evento. Ê vento! Foi dança, um tal de encher a pança - parecia festa de criança. Depois partiram pro mundo. Aos quatro ventos lançados. Rodaram por todo lado. Mas enviaram lembrança: "Passamos pelo Arco do Triunfo. Dobramos o Cabo da Boa Esperança. De Veneza, fomos pra onde nos deu na veneta. Navegamos mares nunca dantes navegados. Nossos sonhos são alados. Laura e Vento mandam alento. Um dia, quem sabe, voltamos. Em câmera lenta. Quando acabar a pilha. Ou chegar ao fim da linha".