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sábado, 10 de junho de 2023

CONTO – SOFIA – LUIZ VILELA - ASSUNTO - BULLYING

 

CONTO – SOFIA – LUIZ VILELA

       Já tinham brincado muito, e agora estavam reunidos ao pé do poste, pensando numa coisa

nova para fazer.

        Ainda era cedo, a noite apenas começara.

       _ Vamos mexer com a Sofia? – propôs um.

      Sofia era a dona do mercadinho_ a vítima predileta deles. Pintavam o sete com ela. Sofia assustava-se com nada, e isso os deliciava. Viviam assombrando-a: vozes estranhas chamando lá fora, e ninguém (estavam no telhado), caveira de mamão verde com vela acesa dentro, capas, máscaras horrorosas, o caixote de livro que sumia, ratos, sapos, lagartixas aparecendo de repente, minha nossa! Quase desmaiava, dessa vez eu chamo o guarda, e tudo o que fazia era ameaçar os meninos, agitando o braço gordo:

       _ Eu vai contar bra seu pai, menino! Eu vai contar bra seu pai!

       Eles riam, alegres, distantes do braço dela.

       _ Raledine baculé, pé de turco tem chulé!

       _ Moleques! Sembregonhas!

       _ Sofia quer gombra galinha de raça? Cadê os urubus que ocê comprou, hem Sofia? Cadê as galinhas de raça?

      Caíam na risada.

      Sofia queria correr, mal saía do lugar, gorda, pernas grossas, braços gordos, uma tonelada de gordura.

      _ Ainda me pagam, lê! - gritava, enquanto os meninos se afastavam.

      _ Praga - xingava, tornando a entrar no mercadinho, onde, no balcão, ia encontrar um sapo morto.

      _ Moleques.

      De vez em quando, havia trégua: o dia em que chegavam tomates. Vinham três, quatro caixotes. Os meninos apareciam, quietos, sérios. Ficavam por ali conversando, simulando indiferença. Sofia chegava até a porta, olhava para um lado da rua, para outro, espichava o pescoço como se estivesse procurando alguém ( não procurava ninguém, sabiam),dava uma cuspida no chão(sempre dava a cuspida).

        -Ei - falava, na sua voz grossa de homem, as mãos na cintura: - chegou tomate hoje. (Eles já sabiam, e ela sabia que eles já sabiam.)

       Displicentes:

       _ É?...

       Pouco depois estavam sentados em caixotes vazios, trapos na mão, ágeis, limpando os tomates, pra quê que eles põem esse pó? É para conservar, separando os bons num caixote, os amassados noutro, jogando os podres no lixo, disputando quem limpava mais depressa. Sofia no meio deles, contando casos – de vez em quando uma exclamação na língua dela: deve ser nome feio, pensavam -, dando gargalhadas, sacudindo-se toda, esquecida das brigas. Às vezes, comia um tomate: enfiava-o inteiro na boca, as bochechas estufavam.

       Terminado o serviço, ela fazia o pagamento: um saquinho de balas para cada um.

Uma vez – era aniversário dela – limparam tomate das sete às dez da noite, até fechar o mercadinho.

      Na hora de pagar:

     _ Não é nada não. Hoje, é aniversário da senhora...

      Sofia ficou olhando, a boca aberta. Foi falar, mas sua voz grossa de homem de repente ficou fina e sumiu, os olhos úmidos. Cada um deu um abraço nela, estavam comovidos com suas lágrimas, ela querendo falar alguma coisa, mas nada, os lábios trêmulos, os olhos úmidos.

      _ Vocês viram?

      _ Chorando ...

      _ Ela grita com a gente, mas ela é boazinha...

      _ É pra gritar mesmo; do jeito que nós fazemos com ela... Eu vou falar: se fosse eu, não ficava assim não.

      _ Eu também.

      _ Ela fala que vai chamar o guarda, mas nunca chamou.

      _ Nós judiamos dela.

      _ Sabem, eu pensei uma coisa, não sei se vocês topam: a gente não mexer mais com ela. Quê que vocês acham?

      _ Eu topo.

      _ Eu também.

      _ Engraçado, eu tinha pensado nisso também, mas fiquei com vergonha de falar.

      _ Fazer um juramento: ninguém mais mexer com ela. Topam?

      Todos topavam. Um até quis contar para ela na hora.

      _ Não, deixa ela ir notando aos poucos: uê, os meninos estão diferentes... Já pensaram o tanto que ela vai achar bom?

     _ Se vai...

     E, ali, no poste, todos de pé, fizeram o juramento.

      _ Para sempre.

      _ É. Para sempre.

      Uma semana depois, a lâmpada da entrada do mercadinho sumia, uma perereca saltava de um saquinho de papel, um busca-pé estourava debaixo do balcão, e Sofia agitava o braço gordo no passeio, enquanto eles corriam.

      _ Moleques! Sembregonhas! Eu vai contar bra seu pai! Eu vai chamar o guarda!

      Um dia, Sofia adoeceu. Nunca mais tornaram a vê-la. Miguel, seu irmão, é que passou a tomar conta do mercadinho. Com ele não mexiam: não tinha graça.

      E, um dia, Sofia morreu. Comentaram na cidade que ela morrera é de tanto comer. Contavam que o medico a mandava fazer regime e ela não obedecia; ela dizia:

      _ Sofia morre, mas morre de barriga cheia.

( Vilela, Luiz. Contos da infância e da adolescência. São Paulo: Ática,15-8.)

 

01-O texto “Sofia” pertence ao gênero:

a-( ) crônica, pois relata um fato, uma fragmento do cotidiano

 b-( ) artigo de opinião, pois defende um ponto de vista com argumentos.

c-( ) conto,pois conta uma história, possui narrador, espaço, tempo...

d-( )reportagem, pois informa detalhadamente sobre um tema.

 

 

2.  Qual aspecto físico de Sofia era motivo para o bullyng por parte dos meninos?

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3. Além do aspecto físico qual era o outro motivo de preconceito por parte dos meninos?
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4. Em dado momento os meninos se conscientizam sobre o mal que estavam fazendo a Sofia. Localize essa informação.

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5. Os meninos cumpriram o juramento que fizeram. Justifique.

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6. Que trabalho os meninos faziam para Sofia e qual era o pagamento que eles recebiam?

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7. Qual foi a provável causa da morte de Sofia?

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8. Sofia tinha consciência do seu problema de saúde? Justifique>

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9. No trecho: ...”Às vezes, comia um tomate: enfiava-o inteiro na boca, as bochechas estufavam...” , a quem se referem as ações acima?

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10. Quais eram as características físicas de Sofia de acordo com o texto?

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11. Retire do texto um exemplo da fala:

Do narrador___________________________________________________________________

De Sofia ______________________________________________________________________

Dos meninos__________________________________________________________________

 

12. “Com ele não mexiam: não tinha graça.” Por que os meninos não mexiam com o irmão de Sofia?

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 CONTO: SOFIA

                Luiz Vilela

          Já tinham brincado muito, e agora estavam reunidos ao pé do poste, pensando numa nova coisa para fazer.

          Ainda era cedo, a noite apenas começara.

          - Vamos mexer com a Sofia? - propôs um.

          Sofia era a dona do mercadinho - a vítima predileta deles. Pintavam o sete com ela. Sofia assustava-se com nada, e isso os deliciava. Viviam assombrando-a: vozes estranhas chamando lá fora, e ninguém (estavam no telhado), caveira de mamão verde com vela acesa dentro, capas, máscaras horrorosas, o caixote de lixo que sumia, o ferro de abaixar a porta que sumia, ratos, sapos, lagartixas aparecendo de repente, minha nossa! quase desmaiava, dessa vez eu chamo o guarda, mas nunca chamava o guarda, e tudo o que fazia era ameaçar os meninos, agitando o braço gordo:

        - Eu vai contar bra seu pai, menino! Eu vai contar bra seu pai!

        Eles riam, alegres, distantes do braço dela.

        - Raledine baculé, pé de turco tem chulé!

        - Moleques! Sembrefonhas!

        - Sofia guer gombra galinha de raça? Cadê os urubus que ocê comprou hem Sofia? Cadê as galinhas de raça?

        Caíam na risada.

 

(VILELA, Luiz. Contos da infância e da adolescência. Ática: São Paulo, 1996. p.15-6).

Fonte: Livro - Práticas de Linguagem.Vol.4. Editora Scipione: São Paulo, 2000.p.94-6).

Teoria & Prática

1. Observe as falas de Sofia:

    "- Eu vai contar bra seu pai, menino! Eu vai contar bra seu pai!"

    "- Moleques! Sembregonhas!"

Como elas ficariam se fossem registradas no padrão formal da língua portuguesa?

- Eu vou contar para seu pai, menino! Eu vou contar para seu pai!

- Moleques! Sem-vergonhas!

2. Em sua opinião, qual é a nacionalidade de Sofia?

    Embora não fique explícito, provavelmente  Sofia era de origem síria, armênia ou libanesa. Na brincadeira dos meninos, ela é chamada de "turca". Pois aqui em nosso país, os imigrantes de origem árabe são erroneamente designados "turcos".

3. A linguagem utilizada pelo personagem Sofia é coerente com sua provável nacionalidade?

O autor procura reproduzir o modo de falar dos imigrantes "turcos".

4. Qual foi a intenção do autor ao reproduzir as falas de Sofia daquele modo, e não no padrão formal?

Porque tem a função estilística importante, sendo através dela é possível caracterizar o personagem.

5. Além da linguagem utilizada pelos personagens, que  outros elementos do texto revelam coerência?

As atitudes dos meninos (provocações e brincadeiras para assustar Sofia) são típicas de garotos, sendo, portanto, coerentes com os personagens.