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quinta-feira, 13 de junho de 2024

O MENINO QUE CAIU NO BURACO CAPÍTULO 2 - BURACO

 

Buraco

       A mochila cheia de livros e cadernos, amorteceu a queda. Sentia muita dor na nuca e no cotovelo do braço esquerdo. Tinha as duas mãos esfoladas.

       Estava escuro. A poeira não assentara; ainda caia terra lá do alto. Seus olhos ardiam e não conseguia respirar direito.

       Caíra num poço.

       Apavorado, a primeira coisa que fez foi gritar.

       Gritou feito um doido. Berrou pela mãe, pelo pai, berrou o nome de amigos e até palavrões. Não adiantou nada. Ele sabia. Ninguém passava por ali.

       Gritar e ficar com a cabeça para cima, olhando desesperadamente para a boca do poço, só piorou a dor na nuca e encheu sua garganta de barro. Enfiou o dedo entre os cabelos para ver se havia sangue, mas encontrou apenas um caroço já grande.

       Conseguiu se controlar, conversando consigo mesmo, dizendo que era melhor pensar na situação com calma.

    Passou a mão no fundo do poço para ver se havia água. Não. Estava só um pouco úmido num dos cantos. Ajeitou a mochila no chão.

       O ar foi ficando mais limpo, embora respirar continuasse difícil. Ali embaixo os pulmões tinham de fazer mais força.

       O poço era fundo e não havia nenhum pedaço de pau atravessado na borda, nenhum resto de corda, só um tufo de capim ressecado tombando para dentro. Nada que pudesse usar para subir. Apenas as paredes nuas, com um barro duro e liso.

       Ali era tão silencioso que ele podia ouvir seu coração, como se batesse do lado de fora do peito. Seu pai ia gostar daquele silêncio. Foi só lembrar do pai que começou a chorar.

       O menino sentou no chão, abraçou dom força as próprias pernas, apoiou a testa nos joelhos e chorou bastante. Chegou a engasgar, com soluços que faziam todo o seu corpo tremer. Só parou quando sentiu um calor estranho na ponta do tênis. Era um raio de sol.

       Enxugou os olhos na manga do casaco e olhou para cima. À medida que o dia avançava, o sol ia entrando no poço. Aquilo era uma coisa boa. O sol pas-saria justamente sobre o buraco. Ele teria luz e calor. Ia ver bem onde estava. Talvez pudesse pensar em algum jeito de sair dali.

       Ficou louco com ele mesmo, parecia um idiota chorão encolhido no fundo de um buraco. Daquele jeito só ia piorar as coisas. A situação era a seguinte: ninguém o procuraria até o final do dia.

       A mãe achava que ele estava na escola e só volta-ria no final da tarde, como sempre. O pai... bem, o pai não saía da cama, talvez nem lembrasse do filho. Nem se falavam mais, então não dava para contar com ele.

       Na escola iam achar que ele matara aula. Como não tinham os dois primeiros horários, muitos alunos iam fazer isso, ainda mais por ser sexta-feira e o pessoal gostar de emendar com o fim de semana.

       Só dariam pela falta dele à noite. Imaginou então o que ia acontecer. A mãe, aflita, procuraria na casa dos vizinhos, dos amigos, da tia, dos colegas da escola e ia saber que não, ninguém tinha visto o menino aquele dia, que ele não fora ao colégio nem aparecera em lugar algum. Aí ficaria mesmo desesperada, iria à polícia, ao hospital, os vizinhos ajudariam, os professores, os amigos.

       O menino se sentiu importante, imaginando tanta gente preocupada com ele.

       Mas sabia que ninguém ia lembrar de procurar por ele ali, naquele fim de mundo mal-assombrado, tão longe da estrada, dentro de um poço abandonado no meio de um capinzal alto.

       O que tinha de fazer era se preparar, porque naquela noite com certeza dormiria no fundo do buraco.

       A primeira coisa que fez foi aproveitar a luz do sol para ver o que havia dentro da mochila. Talvez pudesse usar algo, ter alguma ideia que o tirasse dali ou descobrir um jeito de avisar onde estava, fazer uma espécie de sinal.

       Virou a mochila no chão.

       Havia o lanche que sua mãe preparara. Era quase sempre a mesma coisa, mas abriu, só para conferir: dois sanduíches de mortadela; cinco biscoitos de água e sal; uma laranja; e uma garrafa pequena de refrigerante, cheia de leite, com uma rolha de sabugo de milho. Teve vontade de chorar de novo, porque lembrou de como sua mãe acordava cedo para preparar aquilo. Mas não era hora de piorar a situação, ficando triste com outras coisas, porque já estava bem encrencado.

       Não sabia quanto tempo levariam para encontrá-lo, por isso, se não quisesse morrer de fome, teria de poupar aquele lanche ao máximo. Comeria aos bocadinhos, como uma formiga. Guardou tudo na sombra, no canto mais úmido do buraco, bem embrulhado no papel e no plástico.

       Dentro da mochila havia também dois livros grossos e grandões, um de História do Brasil, outro de Ciências. E dois cadernos de cem folhas, presas com espirais de arame.

       Corno ia ter aula de Desenho, lá estavam a régua de cinquenta centímetros, o esquadro e o compasso. o menino sentia vergonha deles. Não era um material de desenho como o dos outros colegas. A régua e o esquadro não eram de plástico transparente. O compasso não era de aço brilhante, com uma lapiseira fina numa das pontas. Não. Como não havia dinheiro e precisavam poupar cada moeda, ele usava as ferramentas de trabalho do pai, que já não serviam para nada. Por isso, a régua e o esquadro do menino eram enormes, de aço escuro e duro, e tão gastos que quase já não se enxergavam os números. E o compasso media mais de um palmo, com duas hastes de madeira dura e ensebada, um prego numa ponta e um toco de lápis enfiado na outra.

       Colocara na mochila o conjunto de lápis de cor, presente da tia no seu aniversário. Aqueles, sim, eram bonitos de mostrar para os outros e ele os poupava o quanto podia, para ver se duravam enquanto estivesse na escola. Trinta e seis lápis, de todas as cores, dentro de uma embalagem de plástico, parecida com um envelope. Sempre que olhava para eles sentia vontade de abrir e cheirar. Nem os usava, muito menos emprestava. Só gostava de cheirar. E foi o que ele fez. Cheirar os lápis era uma coisa boa de fazer, apesar da situação.

       Encontrou a caneta esferográfica; a pequena tesoura de pontas arredondadas; e um tubo de cola.

       E lá estavam os lápis grandes, os que ele mais detestava, os que o faziam morrer de vergonha. O professor de Desenho pedira lápis com grafite grosso e sua mãe lhe empurrara quatro lápis de carpinteiro, enormes, da grossura de dois dedos, tão grandes e vermelhos que a turma toda reparava e ria dele. Só um tinha ponta. Os outros três nunca tinham sido usados.

       Havia mais uma coisa de seu pai ali: os óculos que ele usava para enxergar de perto. A armação era grossa e preta e as lentes pareciam fundos de garrafa, grossas como lentes de aumento. Uma delas estava partida. O pai já não usava aqueles óculos havia muito tempo, nem mesmo para ler livros, como fazia aos domingos, na cadeira da varanda. O pai nem trabalhava nem lia mais, só ficava na cama. Mas a mãe cismara de trocar a lente quebrada, para ver se animava o marido, e por isso pedira para o menino levar os óculos para a escola... talvez a professora de Matemática desse um jeito neles, de graça, porque o irmão dela trabalhava na única óptica que havia na vila.

       Os óculos já estavam na mochila havia quase um mês, mas o menino não tinha coragem de pedir aquele favor à professora.

       Nos bolsos da parte de fora da mochila achou o pequeno canivete que usava para descascar a laranja; duas moedas; três tampinhas de refrigerante; dois elásticos; uma caixa de chiclete vazia; três coquinhos secos; seis pregos; uma flor já murcha que ele não teve coragem de dar a uma menina; uma carcaça velha de relógio; duas cartas de baralho; e uma foto bastante dobrada de uma artista de televisão, de biquini, que ele achava muito, muito bonita.

        O menino ficou olhando todos aqueles objetos espalhados no fundo do poço. O sol batia bem em cima deles, cada vez mais forte. Olhou, olhou e não lhe ocorreu ideia alguma. Era um bando de coisas inúteis. Custava ter uma corda comprida e um daqueles ganchos de açougue para jogar para fora do buraco, fincar no chão e escalar? Ou então custava ter uns dez morteiros e uma caixa de fósforos para avisar ao resto do mundo que ele estava ali, dentro do poço da fábrica de panelas? Ou melhor, custava ter um telefone celular, daqueles que anunciavam na televisão e que muitos meninos da escola tinham, para ele ligar para a mãe vir tirá-lo do buraco e pronto?

       Mas a família do menino não tinha telefone nenhum. Nem liquidificador, nem geladeira. Na verdade eles já não tinham nem televisão.

       O menino continuou olhando para as suas coisas ali espalhadas, distraído, lembrando como era bom quando havia televisão em casa, porque ela às vezes fazia sua mãe rir.

        E como, por mais que olhasse e mexesse nas coisas, continuasse sem ter ideias, acabou esticando a foto da atriz que ele achava muito bonita e a prendeu com um prego na parede do poço.

       Sabia que aquilo não ia ajudá-lo a sair do buraco, mas se sentiu menos só.

 

 

Capitulo 2- Buraco

 

1. Qual foi a primeira coisa que o menino fez? P. 15

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2. O que ele fez para se controlar?

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3. Após lembrar do pai o menino começou a chorar. Quando ele parou? P.16

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4. Por que a mãe só iria sentir falta do menino à noite? P.17

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5. Por que o menino se sentiu importante?

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6. Que alimentos havia dentro da bolsa? P.18

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7. Por que havia uma régua havia uma régua, um esquadro e um compasso na bolsa? P.19

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8. Dos materiais escolares qual que o menino sentia orgulho em possuir?

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9. Por que a mãe do menino pediu para ele falar com a professora sobre o óculos quebrado?P.20

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10. O que o menino desejou ter em das coisas inúteis que havia na bolsa?

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