Ser
filho é padecer no purgatório (Carlos Eduardo Novaes)
- Psssiu,
psssiu. - Eu? – virou-se Juvenal
apontando para o próprio peito. - É. O senhor mesmo – confirmou o
comerciante à porta da loja -, venha cá, por favor.
Juvenal
aproximou-se. O comerciante inclinou-se sobre ele e como que lhe segredando
algo perguntou:
- O
senhor tem mãe? - Tenho. - Gosta dela? - Gosto.
-
Então é com o senhor mesmo que eu quero falar. Vamos entrar. Tenho aqui um
presente especial para sua mãe.
- Tem mesmo? Mas por que o senhor não entrega a ela
pessoalmente?
-
Porque ela é sua mãe, não é minha. O senhor é que deve entregar o presente.
- Está bem. Então o senhor me dá que eu dou pra ela.
-
Dar, não – corrigiu o comerciante -, infelizmente não estamos em condições. As
vendas só subiram 75%. Vou ter que lhe vender presente.
- Mas eu não estava pensando em comprar um presente
agora para minha mãe. O aniversário dela é em novembro.
-
Não é pelo aniversário. É pelo dia das mães.
- Dia das mães? – repetiu Juvenal sempre desligado. –
Mães de quem?
-
Mães de todos. É depois de amanhã, domingo. - É mesmo? E quem disse isso?
-
Bem... - Está na Bíblia?
- Não.
Ele foi criado por nós, comerciantes, para permitir que vocês manifestem seu
amor e carinho por suas mães.
- Puxa, vocês são tão legais. Eu não sabia que os
comerciantes gostavam tanto da mãe da gente.
-
Pois acredite. E olhe, vou lhe contar um segredo: nós gostamos mais da mãe de
vocês do que da nossa.
- É mesmo? E por que assim?
- Porque a nossa não deixa lucro. Pelo contrário. Todo
ano no dia das mães sou obrigado a desfalcar a loja para presenteá-la.
- Ainda bem que só é um dia, hein? Se fosse, digamos
um trimestre das mães, vocês estariam na maior miséria. O senhor dá presentes
caros a sua mãe?
-
Bem, pra falar a verdade, tem uns dez anos que eu não dou presente pra ela no
dia das mães.
-
E ela não reclama?
-
Reclamava, até o dia que lhe disse que o dia das mães que era jogada comercial
e que para mim o dia dela era todos os dias.
- Também acho.
-
Não. Você não pode achar – esbravejou o dono da loja -, eu posso porque sou
comerciante. Você não, você é consumidor. Tem que comprar um presente pra ela
no dia das mães.
- Bem, já que é assim, então vamos ver o presente.
-
Ótimo, assim é que se fala. Você tinha me dito que gostava de sua mãe, não é
verdade? Gosta muito?
- Muito. Por quê? - Porque nós temos aqui presentes
para todos os gostos. Para quem gosta muito, para quem gosta pouco, para quem
ainda está em dúvida.
- E o senhor dá desconto para quem gosta muito?
- Não. Nós só damos descontos para
quem tiver mais de uma mãe. Fazemos, porém, um preço especial para juiz de
futebol, que tem a mãe muito sacrificada. O senhor é juiz de futebol?
- Não. Sou bandeirinha – mentiu Juvenal.
- O
senhor já foi xingado em campo alguma vez?
- Umas três.
-
É pouco, só damos descontos para bandeirinhas que tenham sido xingados mais de
cinco vezes. Vamos ver os presentes? Pra escolhermos o tipo de presente mais
adequado eu preciso saber como é sua mãe.
- Mamãe? É uma mãe igual a qualquer outra. Não tem
nada de especial. Ou melhor, de especial só tem o filho.
-
Vejamos. Quando o senhor era garoto ela costumava dizer: “Saia agasalhado meu
filho”, “não vá comer agora que o jantar já vai pra mesa”, “não ande no
ladrilho descalço”, “não abra a geladeira sem camisa”, “não se esfalfe”, “não
chegue tarde”, “não apanhe chuva”, costumava? Costumava dizer que o senhor
estava comendo pouco e lhe entulhava de remédios?
- Exatamente – surpreendeu-se Juvenal -, parece até
que o senhor foi filho da minha mãe.
- Ou o
senhor foi filho da minha. Se ela era realmente assim, o melhor presente é esta
TV em cores.
- Mas é o artigo mais caro que tem na loja. Não posso da
aquela que é mais barata?
- Que
é isso, meu senhor? Sua mãe merece o melhor.
- Mas eu não tenho dinheiro. Não posso dar o melhor.
- Que
absurdo – indignou-se o comerciante -, se o senhor não pode dar o melhor para
sua mãe vai dar a quem? Será que sua mãe não merece um sacrificiozinho de sua
parte?
- Claro. Claro que merece.
- E,
então? Pense nos sacrifícios que ela já fez pelo senhor.
- Estou pensando. - Então pense que eu espero. Ela
fez muitos?
-
Muitos o quê?
-
Sacrifícios.
- Não estou pensando nos sacrifícios. Estou pensando
no preço. Juvenal perguntou se podia ver outros artigos, talvez encontrasse
algo mais em conta. “Posso mexer nas mercadorias da loja?”
-
Lógico – disse o comerciante – esteja à vontade. Pode remexer o quanto quiser.
Aqui vale tudo. Só não vale xingar a mãe.
Juvenal saiu percorrendo a loja, com o comerciante
atrás, matraqueando no seu ouvido sua técnica de vendedor: “O senhor sabe o
que é ser mãe? Ser mãe como dizia Coelho Neto, é andar chorando num sorriso/
ser mãe é ter um mundo e não ter nada/ ser mãe é padecer num paraíso/ ser mãe é
ter filho que lhe compre uma TV em cores ou um ar-condicionado ou uma
geladeira, um secador de cabelos, uma cinta, um jogo de estofados, uma mobília
de quarto...”
- Mobília de quarto?
- E
por que não? Armário, penteadeira, mesinha de cabeceira de cama. [...]
- Já
resolvi – respondeu Juvenal decidido. – Não vou dar nada.
- O
quê? – vociferou o comerciante. – O senhor não vai dar nada para aquela que lhe
deu tudo?
- Vou lhe dar um beijo.
- Um
beijo? O senhor tem coragem? O senhor é realmente um filho desnaturado. Em
pleno século XX, em plena sociedade de consumo, o senhor vai chegar em casa de
sua mãe e com a maior cara de pau lhe dar um beijo? Um beijo? Que espécie de
filho é o senhor? Um beijo?
- Bem, talvez dois ou três.
-
Então leve ao menos esta pasta de dentes aqui. Contém genitol e mantém o hálito
puro na hora de beijar sua mãe.
1. Para conseguir realizar a venda, o comerciante
precisa persuadir o cliente, isto é, convencê-lo a comprar o produto. Para
isso, utiliza alguns argumentos. Qual é o primeiro argumento apresentado pelo
vendedor para atrair o cliente e levá-lo para dentro da loja?
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2. Questionado sobre a origem do Dia das Mães, o
vendedor afirma que esse dia foi criado pelos comerciantes. Segundo a versão dos comerciantes, com
que finalidade esse dia foi criado?
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3. Mas, para você, qual é a verdadeira finalidade da
criação desse dia?
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4. Que fala do vendedor revela que ele tem consciência
da finalidade comercial (só para vender) desse dia? Justifique.
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5. O vendedor afirma que os comerciantes gostam mais
da mãe dos clientes do que da própria mãe. Por quê? Que explicação é dada pelo
vendedor?
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6. O vendedor quer fazer uma sugestão de presente ao
cliente. Contudo, antes de apresentá-la, “prepara o terreno” perguntando-lhe
se, durante a infância, a mãe lhe dizia frases como “Saia agasalhado”, “não
apanhe chuva”, entre outras. Qual era a intenção do vendedor ao citar frases
como essas ao cliente?
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7. O vendedor sugeriu ao cliente, como presente para a
mãe, uma TV em cores. O cliente achou essa TV muito cara e queria optar por uma
mais barata. Cite dois argumentos utilizados pelo vendedor para convencer o
cliente a comprar a TV mais cara.
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8. No final da história, o vendedor se dá por vencido
e desiste da venda? Justifique com um fragmento do texto.
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9. Em que dia da semana o comerciante conversou com
Juvenal?
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10. Pelo que se lê no texto, Juvenal costumava
presentear sua mãe? Justifique sua resposta.
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