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sexta-feira, 15 de maio de 2020

TEXTO DRAMÁTICO 7º ANO A MORATÓRIA


       O texto que você vai ler é de Jorge de Andrade, um dos autores brasileiros mais representativos do gênero dramático. A história narra a decadência de uma família aristocrática em plena crise na produção cafeeira nacional, desencadeada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. Obrigada a sair das terras cultivadas pelos seus antepassados, a família vai morar na cidade enquanto espera pela possibilidade de reaver a propriedade. Em sua opinião, como o pai e a filha vão reagir diante dessa situação?
A moratória
Personagens: Joaquim, Helena, Lucília, Marcelo, Olímpio, Elvira
PRIMEIRO ATO
CENÁRIO — Dois planos dividem o palco mais ou menos em diagonal.
Primeiro plano ou plano da direita: Sala modestamente mobiliada. Na parede lateral direita, duas portas: a do fundo, quarto de Marcelo; a do primeiro plano, cozinha. Ao fundo da sala, corredor que liga às outras dependências da casa. À esquerda, mesa comprida de refeições e de costura; junto a ela, em primeiro
plano, máquina de costura. Encostado à parede lateral direita, entre as duas portas, banco comprido, sem pintura. Na mesma parede, bem em cima do banco, dois quadros: Coração de Jesus e Coração de Maria. Acima dos quadros, relógio grande de parede. No corte da parede imaginária que divide os dois planos, preso à parede como se fosse um enfeite, um galho seco de jabuticabeira.
Segundo plano ou plano da esquerda: Elevado, mais ou menos uns trinta ou quarenta centímetros acima do piso do palco. Sala espaçosa de uma antiga e tradicional fazenda de café. À esquerda-baixa, porta do quarto de Joaquim; à es­querda-alta, porta em arco que liga a sala com a entrada principal da casa e as outras dependências. Na parede do fundo, à direita, porta do quarto de Marcelo; à esquerda, porta do quarto de Lucília. Bem no centro da parede do fundo, o mesmo relógio do primeiro plano. Na parede, entre a porta do quarto de Joaquim e a porta em arco, os mesmos quadros do primeiro plano.
Observação: As salas são iluminadas, normalmente, como se fossem uma úni­ca, não podendo haver jogo de luz, além daquele previsto no texto. A diminuição da luz no plano da direita ou primeiro plano, na cena final da peça, embora deter­minada pelo texto, não precisa ser rigorosamente seguida.
Ação — No segundo plano ou plano da esquerda, a ação se passa em uma fa­zenda de café em 1929; no primeiro plano ou plano da direita, mais ou menos três anos depois, numa pequena cidade nas proximidades da mesma fazenda.
CENA — Ao abrir-se o pano, somente o primeiro plano está iluminado. Lucília acaba de cortar um vestido, senta-se à máquina e começa a costurar; suas pernas movimentam-se com incrível rapidez. Joaquim, ligeiramente curvado, aparece à porta da cozinha com uma cafeteira na mão.

PRIMEIRO PLANO

   JOAQUIM: Lucília! (Sai)
(Pausa. Lucília continua costurando. Joaquim aparece novamente)
JOAQUIM: Lucilia!
LUCÍLIA: (Sem parar de costurar) Senhor. JOAQUIM: Venha tomar o café.
LUCÍLIA: Agora não posso.
JOAQUIM: O café esfria.
LUCÍLIA: Meu serviço está atrasado. JOAQUIM: Ora, minha filha, cada coisa em sua hora.
LUCÍLIA: Para quem tem muito tempo. JOAQUIM: Não é preciso se matar assim. Tudo tem um limite.
LUCÍLIA: Sou obrigada a trabalhar como uma... (Contém-se)
JOAQUIM: Você já amanhece irritada! LUCÍLIA: Desculpe, papai.
JOAQUIM: Venha.
LUCÍLIA: (Acalmando-se) O senhor pode trazer para mim?
(Joaquim entra na cozinha e logo aparece com uma xícara de leite).
JOAQUIM: Olhe aqui, beba.
LUCÍLIA: Não suporto este leite.
JOAQUIM: Não comece, Lucilia.
LUCÍLIA: (Pausa) Foi ao médico?
JOAQUIM: Fui. Só para fazer a sua vontade. LUCÍLIA: Que disse ele?
JOAQUIM: Nada. Que poderia dizer?
LUCÍLIA: O senhor anda se queixando do braço. JOAQUIM: Deve ser de rachar lenha.
LUCÍLIA: Não deu nenhum remédio? JOAQUIM: Tenho saúde de ferro. Pensa que sou igual a esses mocinhos de hoje?
LUCÍLIA: Estou perguntando, papai, se não re­ceitou algum remédio.
JOAQUIM: Se tivesse receitado, eu teria dito. LUCÍLIA: O senhor acha que comprar remédio é jogar dinheiro fora.
JOAQUIM: E é mesmo.
LUCÍLIA: Tenho dinheiro. Se o senhor precisar, é só falar.
JOAQUIM: (Impaciente) Já disse que não receitou. LUCÍLIA: Melhor, então.
JOAQUIM: O médico disse que ainda tenho cem anos de vida.
LUCÍLIA: Não gosto de gente exagerada. JOAQUIM: Está muito certo. Nunca
senti nada.
LUCÍLIA: (Voltando à costura) Hoje,
tudo está atrasado.
JOAQUIM. Não se afobe, minha filha. LUCÍLIA: E que faço do meu serviço? JOAQUIM: Que importância tem? Você não é
obrigada a costurar. Até prefiro que...
LUCÍLIA: (Corta) Ora, papai! (Pausa. Lucília olha para Joaquim e disfarça) Tia Elvira vem experimentar o vestido e ainda tenho que acabar o da Mafalda.
JOAQUIM: Por que é que sua tia precisa de tan­tos vestidos?
LUCÍLIA: Ela vai a uma festa amanhã. JOAQUIM: (Joaquim sai levando a xícara) É um
despropósito fazer um vestido para cada festa. LUCÍLIA: Assim gasta um pouco do dinheiro
que tem.
JOAQUIM: (Voz) Não é a festa do Coronel Bernardino?
LUCÍLIA: É.
JOAQUIM: (Voz) Você não vai?
LUCÍLIA: Não.
JOAQUIM: (Voz) Por que não? Recebemos convite. LUCÍLIA: Não quero.
JOAQUIM: (Pausa. Reaparecendo) Não sei por que, depois que viemos para a cidade, você se afas­tou de tudo e de todos.
LUCÍLIA: Convidaram por amabilidade, apenas. JOAQUIM: Convidaram porque você é minha filha. É uma obrigação.
LUCÍLIA: Conheço essa gente.
JOAQUIM: Você precisa se divertir também. LUCÍLIA: Preciso, mas não posso. JOAQUIM: (Violento) Pode! Pode! LUCÍLIA: Não se exalte, papai.
JOAQUIM: Eu digo que pode! LUCÍLIA: Está certo, sou eu que não
quero.
JOAQUIM: (Pausa) Sei o que você sente. Eu também me sinto assim.
LUCÍLIA: É apenas por causa do meu trabalho, nada mais.
JOAQUIM: Há de chegar o dia em que vai poder ir a todas as festas nova­mente. E de cabeça erguida.
LUCÍLIA: Ainda estou de cabeça erguida. Posso perfeitamente recusar um convite. (Pausa. Os dois se entre­olham ligeiramente) Não vou porque fico cansada.
JOAQUIM: Eu sei. Eu sinto o que é. (Pausa) De cabeça erguida! Prometo isso a você.
LUCÍLIA: Não faço questão ne­nhuma.
JOAQUIM: Eu faço.
LUCÍLIA: Está bem. Não se toca mais nesse assunto.
(Pausa)
JOAQUIM: Com a nulidade do pro­cesso, vou recuperar a fazenda. Darei a você tudo que desejar.
LUCÍLIA: Não vamos falar nisto. JOAQUIM: Por que não? Eu quero Falar.
LUCÍLIA: É bom esperar primeiro a decisão do Tribunal.
JOAQUIM: (Impaciente) O mal de vocês é não ter esperança. Essa é que é a verdade.
LUCÍLIA: E o mal do senhor é ter demais.
JOAQUIM: Esperança nunca é de­mais.
LUCÍLIA: Não gosto de me iludir. E depois, se recuperarmos a fazenda, vamos ter que trabalhar muito para pagá-la.
JOAQUIM: Pois, trabalha-se.
LUCÍLIA: Só depois disto, poderemos pensar em recompensa... e outras coisas. Até lá preciso costurar e com calma.
JOAQUIM: É exatamente o que não suporto.
LUCÍLIA: O quê?
JOAQUIM: Ver você costurando para esta gente. Gente que não mere­cia nem limpar nossos sapatos!
LUCÍLIA: Não reparo neles. Não sei quem são, nem me interessa. Trabalho, apenas. (Por um momento fica retesada) Por enquanto não há outro caminho.
JOAQUIM: Gentinha! Só têm di­nheiro...
LUCÍLIA: (Seca) É o que não temos mais.
JOAQUIM: (Pausa) Quando meus antepassados vieram para aqui, ainda não existia nada. Nem gente desta es­pécie. (Pausa) Era um sertão virgem! (Sorri) A única maneira de se ganhar dinheiro era fazer queijos. Imagine, Lu­cília, enchiam de queijos um carro de bois e iam vender na cidade mais próxi­ma, a quase duzentos quilômetros! Na volta traziam sal, roupas, ferramentas, tudo que era preciso na fazenda. Foram eles que, mais tarde, cederam as ter­ras para se fundar esta cidade. (Pausa) Quando eu penso que agora...
LUCÍLIA: (Corta, áspera) Papai! Já pedi ao senhor para não falar mais nisto. O que não tem remédio, remediado está.
(Pausa. Joaquim fica sem saber o que fazer. Atrapalha-se quando tenta arrumar os figurinos que estão em cima da mesa)
Jorge Andrade. A moratória. Rio de Janeiro: Agir, 1987. p. 18-33.

1. Após a Leitura do texto, retome as hipóteses levantadas. O que você e seus colegas imaginaram antes da leitura se confirmou?
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2. O texto lido é um trecho da peça A moratória. Com as suas palavras, resuma o que acontece nesse trecho.
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3. Com base na leitura desse fragmento de A moratória, é possível deduzir o grande conflito dessa história. Qual é ele?
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4. Em sua opinião, qual é a finalidade de um texto dramático?
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5. No texto dramático, como se nota, há indicações entre parênteses que são chamadas de rubricas.
a) Qual é o objetivo dessas indicações?
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b) Por que elas são escritas de maneira diferente do restante do texto?
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c) Quando o texto dramático é encenado, o texto das rubricas aparece? Explique.
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Texto dramático não tem narrador, pois a história é contada pelos próprios personagens em cena. No texto escrito, o tom das falas, as expressões e até mesmo a postura que os atores devem assumir durante a encenação são indicados por meio das rubricas, grafadas geralmente em itálico e entre parênteses.

6. No trecho lido, há indicações do cenário da história. A seguir, observe a imagem do cenário da peça A moratória na primeira vez em que foi encenada, em 1955.
a)O autor divide o cenário em dois planos. Que espaço cada plano retrata?
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b)Por que, ao escrever a história em um texto dramático, o autor descreve também o cenário?
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c)Por que a máquina de costura de Lucília fica em primeiro plano na cena?
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d)Na peça A moratória, o cenário auxilia o espectador a saber quando os acontecimentos representados acontecem. Como isso é possível? Em que momento do trecho lido esse recurso fica evidente?
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7. No início do texto, há a indicação das personagens da história.
a) No fragmento lido, aparecem todas as personagens da peça? Justifique.
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b) Como Lucília reage diante da situação da família?
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c) Lucília tem esperança de que eles vão conseguir a fazenda de volta? Co­mente sua resposta.
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d) Qual é a atitude de Joaquim em relação à situação da família? Ele tem espe­rança de que vai reaver a fazenda? Justifique.
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8. Releia o trecho no qual Joaquim e Lucília conversam sobre a festa do coronel Bernardino e responda às questões.
a) Leia o significado da palavra coronel no dicionário. Que significado essa pa­lavra assume no texto?
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b) O que o uso dessa palavra demonstra sobre a época em que se passa a história? Comente.
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c) Por que Joaquim afirma que é uma obrigação convidarem Lucília por ela ser filha dele? Comente.
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      O texto dramático é escrito com o objetivo de ser encenado. Por isso, seus elementos, como personagens, rubricas, cenário e iluminação formam um importante conjunto que atribui significado à peça teatral.

O CONTEXTO DE PRODUÇAO j
9. O texto dramático A moratória foi um dos primeiros escritos por Jorge Andra­de, no ano de 1954. Um aspecto dessa peça e que também está presente em quase todas as criações do dramaturgo é a memória. Segundo ele, não é possível compreender o presente ou prever o futuro sem que se pense, antes de tudo, no passado.
a) O primeiro ato de A moratória se passa em que época? Justifique.
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b) A peça A moratória retrata a época na qual foi escrita? Explique.
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c) Jorge Andrade foi filho de fazendeiros e teve uma vivência no campo. Em sua opinião, é possível que a história de vida do dramaturgo o tenha auxiliado na escrita dessa peça?
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10. Formado pela Escola de Arte Dramática, Jorge Andrade decide aplicar em sua obra o projeto que conheceu na universidade: o da formação de um dramatur­go que utilizasse "cores locais" em seus textos, representando o Brasil e a história de seu país nos palcos.
a) Em dupla, pesquise sobre o período no qual a peça se passa e responda, em seu caderno, qual é a parte da história do Brasil que o dramaturgo decidiu levar para os palcos.
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b) Você já assistiu a uma peça que retratasse parte da história do Brasil?
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        Na leitura de um texto ficcional, é importante atentar para dois contextos: o da história narrada e o de produção. O contexto da história narrada é importante para a compreensão da linguagem, das expressões, de alguns fatos e acontecimentos que permeiam a história, tornando-se, assim, parte importante da interpretação. Com o contexto de produção, compreendemos as condições de produção desse texto, conhecendo, por exemplo, a motivação para escrevê-lo e também características que se repetem na obra do autor.

FONTE: COSTA, Cibele Lopresti, Geração Alpha Língua portuguesa: ensino fundamental: anos finais: 7ºano­­-2ª ed. - São Paulo: Edições SM, 2018.



quarta-feira, 7 de junho de 2017

TEXTO TEATRAL TEORIA E INTERPRETAÇÃO A MORTE DO CANGACEIRO


CENA 17 Mato  O TESTAMENTO DO CANGACEIRO

(Cearim vem vindo. Ouve um ruído e logo vem uma figura impressionante, com as roupas arrebentadas e ramos de flores na cabeça.)

SACRISTÃO – Os anjos, todos os anjos... Anjo, você é anjo?
CEARIM – Que é isso... Ah! É a alma do sacristão vagando nas trevas.
SACRISTÃO – Os anjos, todos os anjos.
CEARIM – Pera aí, não é alma não... O sacristão está vivo, as balas pegaram na cabeça só de raspão e ele ficou bobo... Veja só que sorte a sua, Seu Sacristão. Agora não posso deixar você só no mato. Vem comigo, vamos procurar comida. Afinal, levou os tiros no meu lugar.

(Cearim abre o baú, tira dois hábitos de capuchinho, veste um e dá o outro ao Sacristão.)

CEARIM – Pra quem anda fugido da polícia, nada melhor que andar de frade. Vamos logo, que meu estômago está grudando de fome.

NARRADOR – E Cearim mais o Sacristão desmemorizado seguiram a passo lento pela estrada, em busca de alguma boa alma que lhes desse o que comer. Chegaram a uma roça, onde alguns camponeses trabalhavam.

CEARIM – Bons dias, meus irmãos.
CAMPONÊS – Bom-dia, santo frade.
CEARIM – Estamos passando para encontrar uma boa alma que nos dê o que comer. CAMPONÊS – Ih, seu frade, comida aqui não tem não. O Coronel fechou o armazém e só vai dar comida se a gente der metade da colheita e o Vigário faz a mesma coisa.
CEARIM – Pra nós não precisa ser muita coisa... uma carninha com farinha já dava pra quebrar o galho.
CAMPONÊS – Não temos nem pra nós, seu frade.
CEARIM – Estava pensando...
SACRISTÃO – Os anjos...
CEARIM – Cala a boca... Vede, irmãos, ele está variando de fome... Estava pensando que se nos désseis um de comer, eu ia fazer uma reza das boas pro Coronel e o Vigário abrirem o armazém.
CAMPONÊS – O que tem é só esta cuia de farinha...
CEARIM – Já serve, irmão, já serve... ( Cearim come e dá um pouco ao Sacristão. )
CAMPONÊS – Tá bom de gosto, seu frade?
CEARIM – Está um pouco mofada. Mas pra quem ama, fedor de bode é perfume.
CAMPONÊS – Passou a fome, seu frade?
CEARIM – Aliviou.
CAMPONÊS – E a reza que o santo frade vai fazer pra o Vigário mais o Coronel abrirem o armazém?
 CEARIM – É pra já... Atenção!
CEARIM E SACRISTÃO – (Cantam)
Os anjos, todos os anjos
Os anjos, tão bonitinhos
Os anjos, tão gorduchinhos
Os anjos, tão peladinhos
Os anjos, tão bundudinhos
CEARIM – Que é isso, dizer uma coisa destas dos santos anjinhos. Olha aqui minha gente, reza só não vai adiantar não.
CAMPONÊS – O que é que adianta, então?
CEARIM – O causo é o seguinte... As terras aqui só tem dois donos. As terras do Coronel e as terras do fazendão do Padre. Pois se são só os dois que tem terra é porque o resto não tem terra nenhuma. Então, o negócio é dar um jeito na esperteza e levar as terras do Coronel e do Vigário.
CAMPONÊS – Fazer uma coisa destas com o Vigário. Deus manda castigo.
CEARIM – Olha, ô berro de meia guela: Deus está de férias. O que tem de fazer é despachar logo o Coronel e o Vigário. Sei que vigário é ministro de Deus na terra, mas também é dono de terras. Então, passa a vara nos donos da terra e o Vigário também vai no embrulho. CAMPONÊS – Heresia... Mandado do diabo.
CEARIM – Olha aqui o insosso. O diabo renunciou...
CAMPONÊS – Acho que ele está falando certo...
CEARIM – Tem muitas coisas que vocês não sabem... Olha aqui gente, vem pra cá que eu quero contar uma história pra vocês, uma história que aconteceu comigo... Era uma vez um lugar muito triste, perdido nos longes do sertão. Nos meses de verão...

NARRADOR – (Continuando) A chuva deixava de cair, os rios secavam e a terra rachava... E Cearim começou, ponto por ponto, a recontar sua história desde o dia em que tinha partido de sua terra, cantando em busca de felicidade... Contou tudo... O aparecimento da madrinha, o testamento do cangaceiro, o cego, a noite com Ercília, o irmão do cangaceiro, o vigário, o truque do saco, o disfarce do bispo... Enfim, contou, ponto por ponto, tudo o que havia vivido desde o dia em que começara a grande caminhada em busca da felicidade. No seu recontar, os ouvintes foram entendendo que a bondade e a maldade não resolvem, que não é porque o homem é bom ou mau que as coisas acontecem, mas apenas porque o homem é como é. Foram entendendo que a terra devia ser de quem trabalhava nela. E Cearim, no recontar da história, estava com eles. Quando Cearim acabou, um brilho novo e diferente dançava nos olhos dos lavradores e em seus cora- ções uma vontade de vida nova começava a tomar forma. E, ao compreender a história, a raiva mais linda do mundo brilhava nos olhos dos lavradores.
CEARIM – Estou certo?
TODOS – Certo.


TEXTO DRAMÁTICO
O trecho que você leu faz parte da última cena de uma peça teatral. É uma comédia em que a personagem principal, um nordestino que sai em busca da felicidade, passa por uma série de aventuras, envolvendo-se com o bem e o mal. Chegou a ser preso, sem ter culpa, por lhe armarem uma cilada.
O nome da peça é “O Testamento do Cangaceiro” e foi escrita por Chico de Assis. Ela foi montada pela primeira vez no Teatro de Arena de São Paulo em 1961. Augusto Boal foi o responsável pela direção e Lima Duarte fez o papel de Cearim. Você notou como o texto dramático tem algumas características diferentes dos outros textos estudados?
Observe:
• a fala das personagens vem introduzida pelo nome de cada um;
• os trechos entre parênteses, chamados de rubricas, indicam como o texto deve ser representado e a movimentação das personagens em cena;
• esse texto tem um narrador mas, geralmente, o texto teatral não tem narrador porque a narração é a própria representação dos diálogos;
• quase sempre as frases são curtas porque são características da fala. Na verdade, o texto dramático tem como finalidade ser representado por artistas que o decoraram tão bem que dão a impressão de estarem conversando naturalmente.


Interpretação do texto
Releia o texto e responda:
1- Cearim enganara o Sacristão, mas agora parece arrependido e decide ajudá-lo. Copie o trecho que prova isso.
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2- Qual é a estratégia que Cearim usou para ele e o Sacristão não serem descobertos? Isso aparece na fala ou na rubrica?
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3- Quantas rubricas aparecem nesse trecho? Por que os verbos estão sempre no presente?
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4- Por que os camponeses não tinham comida? Você acha certo ou errado isso? Por quê?
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5- O que Cearim prometeu ao camponês em troca de um pouco de comida?
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6- Em vez de reza, Cearim mostrou a real situação dos camponeses para que eles se conscientizassem dela e usou sua história para ilustrar. O que os camponeses entenderam? Você concorda ou não com eles? Explique.
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7- Como se trata de um texto teatral, a linguagem é próxima da fala, portanto, mais informal. Logo no início, Cearim diz “pera aí” em vez de usar o mais formal que é “espere aí”. Encontre uma outra construção informal e passe-a para um nível mais formal.
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8- Agora você fará uma paráfrase, isto é, transformará o trecho do texto dramático em um texto narrativo em prosa. Você escreverá o texto contando a mesma história. Não se esqueça de usar o discurso direto ao abrir espaço para os personagens falarem.

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TEXTO TEATRAL A MORTE NILTON PINTO E TOM CARVALHO

Aula de literatura. Prof. DIORGES
Gênero teatral.



A morte

Empresário (falando ao celular): Ir pescar esse final de semana? E lá eu tenho tempo pra isso! Praia? Nem pensar, estou até o pescoço de trabalho. Só hoje eu tenho cinco reuniões e já estou atrasado para a primeira. (Pausa) Como um marido ausente? O que faz 15 dias que eu não vejo nossos filhos? Mas, eu dou tudo o que eles querem! Não... ta, ta mulher... o que está te faltando, fala... hã? Vamos, vamos conversar, rapidamente porque eu estou atrasado para a reunião (Senta-se ). Não, não você tem tudo o que você quer mulher. Você tem... quer comprar um carro zero, você compra. Cê quer trocar de apartamento cê troca. Tem não sei quantos cartões de crédito pra você gastar com o que você quiser. O que que está te faltando, fale eu compro. Quê? Hã? Rsrsrs Amor, carinho, companhia, atenção. A não mulher, não tenho tempo pra essas frescuras não (Pausa) Não, tenha dó, vou desligar, to atrasado, não tenho tempo pra essas frescuras não, tenha dó. Tchau.  Paciência... (Risada, entra  a morte,  o empresário se assusta) Que que é isso meu Deus do Céu? Quem é você?
Morte: Eu sou a morte!
Empresário:  Que que você ta fazendo aqui?
Morte: Chegou seu dia, vim te buscar!
Empresário:  Cê ta louco não to doente, nem nada
Morte: Isso é o que  você pensa! Há quanto tempo não vai ao médico?
Empresário:  Há uns cinco anos, sou sadio igual um touro, sei lá...
Morte: Consta no meu fichário que ocê bebe muito, fuma muito, trabalha em excesso, não faz exercício, ta com uma veia entupida, colesterol alto... Conclusão vai dar um infarto agora e eu vim ó ...fiu....
Empresário: espere ai ,você que dizer que eu vo morrer?
Morte: Agora!
Empresário:  Mas, isso é uma injustiça, viu. Fique você sabendo que para ter uma velhice digna  e de conforto eu trabalhei para morrer.
Morte: Exato. Trabalhou para morrer. Se tivesse economizado energia, cuidado da saúde, podia viver mais uns trinta quarenta anos... agora se lascou
Empresário:  Não, Não Não. Espera aí, Espera aí, espera aí... tem um mal entendido nessa história. Como é seu nome mesmo?vamos negociar
Morte: Anjo da Morte, mas pode me chamar de Morte mesmo, sou simples
Empresário:  rsrsr Dona Morte, você sabe que na vida é tudo uma questão de negócio...
Morte:Sei...
Empresário:Só não tem jeito pra morte (rsrsrs) Diga lá quanto que você quer pra me deixar viver aqui mais uns 40 anos? Pode falar e eu vou fazer o cheque à vista, à vista... 40 anos... pode falar...
Morte: Aqui é onde o filho chora e a mãe não vê. CE se lascou meu fio dessa vez. Sabe quantas pessoas tem na terra? Bilhões. Sabe quanta vão ta viva daqui a 120  anos? Nenhuma. Sabe por que? Por que eu vou ó FIU... uma por uma
Empresário:   Mas, eu vou morrer?
Morte: Agora
Empresário: Mas, eu vou deixar minhas empresas, meus negócios aqui... a minha família, a minha mulher, tão nova, tão bonita
Morte: Cê é fingido, heim rapaz. Cê é falso, heim rapá. Sempre achou sua mulher feia, enjoada, gastadeira, linguaruda... Sabe do que você está com medo? D ela casar com outro e gastar tudo com o Ricardão
Empresário: Nem fale uma coisa dessa! Nem fale um negócio desse que vai me dar um troço!
Morte: E vai mesmo e é agora! Sabe o que que o Ricardão vai fazer?
Empresário:  Não, nem me fale.
Morte: Vai levar sua mulher na praia...
Empresário: Não!
Morte: Caldas Novas...
Empresário: Não
Morte: Você já levou sua mulher pra boate?
Empresário: Não! Claro que não!
Morte: Ele vai levar! Sanfona de Ouro... Boteco do Zé, Eclipse
Empresário: Sanfona de Ouro? Nãoooo. Escuta aqui, por que você cismou comigo? Tem tanto bandido por ai e você vem logo pra cima de mim. Não sei se você sabe, mas eu sou um empresário honesto, trabalhador, cumpridor dos meus deveres, contribuo com o crescimento deste país, pago meus impostos em dia...
Morte: todo mundo é assim...
Empresário: Leva os bandidos que tem por aí, que tem demais Carlos Cachoeira, sei lá me deixa em paz...
Morte: Deixe de estar empurrando os outros, rapaz, chegou a sua vez eu vim ó... fiu... é hoje!
Empresário: É aquele velho ditado, né; pra morrer basta ta vivo
Morte:Isso é filosofia de boteco, para com isso rapaz...
Empresário: O senhorita...
Morte: Senhorita é senhora sua mãe! Eu já estou apelando procê... Eu já to uma morte cansada, já to querendo pedir aposentadoria! Rapaz eu já to cansado de  tanto tirar motoqueiro, de meia em meia hora motoqueiro morre e eu ó fiu... Se arruma logo que eu vim te buscar!
Empresário: Pelo amor de Deus, por tudo que é mais sagrado  me deixa viver aqui mais 20 anos?
Morte: Cê ta loco rapaz, 20 anos é uma eternidade!
Empresário:  Tá bom 10 anos então?
Morte: É muito!
Empresário: Tchê, mas que morte mais ruim de negócio! Pelo amor de Deus, mais 5 anos.
Morte: Cinco!
Empresário: Ainda Bem...
Morte: Cindo dias...
Empresário: Cinco dias?
Morte: Isso é pra você repensar sua vida vê se valeu apena ganhar tanto dinheiro, correr tanto pra não levar nada. Já viu falar que caixão não tem gaveta? Cê não vai levar nada. (Vira pra platéia) E vocês que estão me olhando ai... o dia de vocês vai chegar e eu vou ó FIU.... Cinco dias ó FIU... (sai)
Empresário:  Que eu vou fazer com cinco dias? Cinco dias meu Deus do Céu!!!( Liga pra mulher) Alô Lindaura... sou eu... ué eu quem? Seu marido...Por que eu to te ligando? É que eu fui um pouco grosso aquela hora, me desculpa... são os negócios...tive pensando naquilo que você me falou... sobre ir viajar...não... vamo, vamo........ o que me fez mudar de ideia... de repente a gente pode ter só cinco dias né... que fim do ano o que, arruma as malas que eu to passando aí já muié.... (Sai)



 INTERPRETAÇÃO:

1. No texto teatral a rubrica é escrita entre parêneses. Às vezes aparece com fonte diferente como o itálico.  Retire do texto quatro exemplos de rubrica.
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2. Para que serve a rubrica no texto teatral?
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3. Que recurso é usado no texto teatral para indicar que a personagem esta falando.
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4. No texto teatral, às vezes não há narrador. No texto “A Morte” há narrador?
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5. “Ce se lascou meu fio dessa vez” A linguagem pode ser formal( seguir regras gramaticais, ortográficas...), ou informal (quando é mais espontânea, despreocupada sem se preocupar com regras ) nesse trecho que linguagem foi utilizada?
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6. Retire do texto um exemplo de linguagem informal.
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7. Quais seriam as causa da morte do empresário segundo o fichário da Morte?
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8. Quais as características do empresário no texto?
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9. De acordo com a fala do empresário quem a morte deveria levar e por quê?
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10. O que você faria se tivesse só mais cinco dias?

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