O Lobisomem e o Coronel
Era uma vez um maldito
Avarento e orgulhoso
Me refiro a Benedito
Um coronel poderoso
O que ele mais gostava
Era as rezes que criava
Todas de primeira linha
Com os olhos tudo comia
Em nenhum baú cabia
Todo o ouro que ele tinha
No interior da fazenda
Vivia um vaqueiro pobre
Morando numa tapera
Não tinha terra, nem cobre
Ao invés de mulher bela
Possuía uma cadela
Para lhe acompanhar
E a fome como fadiga
Remoendo na barriga
Só pra lhe incomodar
Dos bichos o mais querido
Era a vaca Belezura
Que o coronel Benedito
Lhe tratava com ternura
Cruzando os campos floridos
Esbanjando formosura
E Maria dos Anjos sua filha
A mais bela de toda a região
Tinha os olhos da cor do arco-íris
E a voz da codorna do sertão
O cabelo de deusa, os pés de miss
Como se fosse um anjo que saísse
Do altar divinal da inspiração
João por Belezura tinha muito zelo
Cuidava da vaca como um cão fiel
Porque já sabia que o coronel
Não perdoaria nenhum desmantelo
Dona Preta estava num sono brutal
Quando a lua cheia na noite reinava
Com o uivo assombroso a Preta acordava
E um grande mugido vindo do curral
Da janela viu um grande animal
Com brasa nos olhos faminto a rosnar
Era o lobisomem monstro de azar
Amaldiçoada, cruel criatura
Que naquela hora comeu Belezura
E Dona Preta aflita se pôs a gritar
Dona Preta estava bastante assustada
Muito apavorada com tudo que viu
Com medo danado saiu na carreira
Sem eira nem beira pra o armário fugiu
Com o grito todos saíram
Seguindo o encalço do cão
Com um lampião clareando
Todos de rifle na mão
Depois que nada encontrou
O coronel se irritou
E começou a esbravejar
Como quem perde o juízo
Dizendo esse prejuízo
Alguém vai ter que arcar
Na tarde do outro dia
Não tendo alguém para culpar
O coronel Benedito
Começa deabafar
Nas costas de João Vaqueiro
Bate só pra se vingar
O coronel furioso
Se pôs dizendo a gritar
Nós estamos preparados
Se o lobisomem voltar
Com a outra lua cheia
Depois de um mês passado
Os jagunços no curral
Tomando conta do gado
Quando um uivo anunciava
Que o lobisomem chegava
Eles em grande aflição
Pediam força a Jesus
Rezando e beijando a cruz
Com medo da maldição
E todos entricheirados
Começam a se arrepiar
Depois do segundo uivo
Sentiram a alma gelar
Ouvindo um brado assasino
Junto um grito feminino
Vindo da sala de estar
Quando o coronel, naquela tensão
Da voz de Maria o grito escutou
Percebeu que a fera se aproximou
Furtando o tesouro do seu coração
Mas o coronel de rifle na mão
Pede a cabroeira pra casa cercar
E se por ventura o monstro encontrar
Não é pra temer o grande conflito
E sim apontar para o bruto maldito
Puxar o gatilho e a bala cantar
Benedito ao entrar na casa grande
Ouviu gritos dos homens lá de fora
Sons de ossos quebrados e ganidos
E os cabras morrendo sem demora
Escutando o uivar do anticristo
E só o lobo sobrou naquela hora
Benedito assombrou-se, pois sentia
Que era ele o capeta e mais ninguém
Parecendo ansioso como quem
Viu que a morte de perto o perseguia
Na pisada do monstro, o chão rangia
No momento um trovão do céu caiu
Lampião se apagou, fera gruniu
As canelas do velho amoleceram
Quando os olhos de fogo apareceram
A mandíbula mortífera se abriu
Se o final dessa história
Vocês quiserem saber
Pergunte ao cego que a luz
Dos olhos não pode ver
Mas que ouviu da cadela
Numa conversa com ela
Que a tudo pôde ver
Essa é a minha sina
Viver sofrendo na vida
De não ter nenhum dos olhos
Mas ter a língua comprida
Não tenho cobiça nem falo mentira
Só digo a verdade, não sou cego bobo
O homem é do lobo o que o lobo é do homem
É que o homem é do homem o mais terrível lobo
João fez um bucho em Maria
Com nove meses e um dia
Numa noite de luar
Quando a criança nasceu
O sertão estremeceu
Pôs-se o inferno a chorar
Até nos dias de hoje
É possível se avistar
Nas noites de lua cheia
Uma cadela a ladrar
E um cego andando sem guia
Filho de João e Maria
Com o rabo a balançar