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quarta-feira, 19 de junho de 2024

A TERRA DOS MENINOS PELADOS - ATIVIDADES - PAGINA 07 A 27

FONTE:

https://armazemdetexto.blogspot.com/2021/05/conto-terra-dos-meninos-peldos.html#google_vignette

UM

         HAVIA UM MENINO diferente dos outros meninos. Tinha o olho direito preto, o esquerdo azul e a cabeça pelada. Os vizinhos mangavam dele e gritavam:

         — Ó pelado!

        Tanto gritaram que ele se acostumou, achou o apelido certo, deu para se assinar a carvão, nas paredes: Dr. Raimundo Pelado. Era de bom gênio e não se zangava; mas os garotos dos arredores fugiam ao vê-lo, escondiam-se por detrás das árvores da rua, mudavam a voz e perguntavam que fim tinham levado os cabelos dele. Raimundo entristecia e fechava o olho direito. Quando o aperreavam demais, aborrecia-se, fechava o olho esquerdo. E a cara ficava toda escura.

P.7 

        Não tendo com quem entender-se, Raimundo Pelado falava só, e os outros pensavam que ele estava malucando.

        Estava nada! Conversava sozinho e desenhava na calçada coisas maravilhosas do país de Tatipirun, onde não há cabelos e as pessoas têm um olho preto e outro azul.

P.8         

DOIS

         UM DIA EM QUE ele preparava, com areia molhada, a serra de Taquaritu e o rio das Sete Cabeças, ouviu os gritos dos meninos escondidos por detrás das árvores e sentiu um baque no coração.

        — Quem raspou a cabeça dele? perguntou o moleque do tabuleiro.

        — Como botaram os olhos de duas criaturas numa cara? berrou o italianinho da esquina.

        — Era melhor que me deixassem quieto, disse Raimundo baixinho. Encolheu-se e fechou o olho direito. Em seguida, foi fechando o olho esquerdo, não enxergou mais a rua. As vozes dos moleques desapareceram, só se ouvia a cantiga das cigarras. Afinal as cigarras se calaram.

P.9

        Raimundo levantou-se, entrou em casa, atravessou o quintal e ganhou o morro. Aí começaram a surgir as coisas estranhas que há na terra de Tatipirun, coisas que ele tinha adivinhado, mas nunca tinha visto. Sentiu uma grande surpresa ao notar que Tatipirun ficava ali perto de casa. Foi andando na ladeira, mas não precisava subir: enquanto caminhava, o monte ia baixando, baixando, aplanava-se como uma folha de papel. E o caminho, cheio de curvas, estirava-se como uma linha. Depois que ele passava, a ladeira tornava a empinar-se e a estrada se enchia de voltas novamente.

P.10

    TRÊS

    — QUEREM VER que isto por aqui já é a serra de Taquaritu? pensou Raimundo.

    — Como é que você sabe? roncou um automóvel perto dele.

        O pequeno voltou-se assustado e quis desviar-se, mas não teve tempo. O automóvel estava ali em cima, pega não pega. Era um carro esquisito: em vez de faróis, tinha dois olhos grandes, um azul, outro preto.

        — Estou frito, suspirou o viajante esmorecendo.

        Mas o automóvel piscou o olho preto e animou-o com um riso grosso de buzina:

        — Deixe de besteira, seu Raimundo. Em Tatipirun nós não atropelamos ninguém.

        Levantou as rodas da frente, armou um salto, passou por cima da cabeça do

P.11 

menino, foi cair cinquenta metros adiante e continuou a rodar fonfonando. Uma laranjeira que estava no meio da estrada afastou-se para deixar a passagem livre e disse toda amável:

        — Faz favor.

        — Não se incomode, agradeceu o pequeno. A senhora é muito educada.

        — Tudo aqui é assim, respondeu a laranjeira.

        — Está se vendo. A propósito, por que é que a senhora não tem espinhos?

        — Em Tatipirun ninguém usa espinhos, bradou a laranjeira ofendida. Como se faz semelhante pergunta a uma planta decente?

        — É que sou de fora, gemeu Raimundo envergonhado. Nunca andei por estas bandas. A senhora me desculpe. Na minha terra os indivíduos de sua família têm espinhos.

        — Aqui era assim antigamente, explicou a árvore. Agora os costumes são outros. Hoje em dia, o único sujeito que ainda conserva esses instrumentos per-

P.12 

-furantes é o espinheiro-bravo, um tipo selvagem, de maus bofes. Conhece-o?

        — Eu não senhora. Não conheço ninguém por esta zona.

        — É bom não conhecer. Aceita uma laranja?

        — Se a senhora quiser dar, eu aceito.

        A árvore baixou um ramo e entregou ao pirralho uma laranja madura e grande.

        — Muito agradecido, dona Laranjeira. A senhora é uma pessoa direita. Adeus! Tem a bondade de me ensinar o caminho?

        — É esse mesmo. Vá seguindo sempre. Todos os caminhos são certos.

        — Eu queria ver se encontrava os meninos pelados.

        — Encontra. Vá seguindo. Andam por aí.

        — Uns que têm um olho azul e outro preto?

        — Sem dúvida. Toda gente tem um olho azul e outro preto.

        — Pois até logo, dona Laranjeira. Passe bem.

        — Divirta-se.

P.13,

Imagem

p.14

     QUATRO

        RAIMUNDO CONTINUOU a caminhada, chupando a laranja e escutando as cigarras, umas cigarras graúdas que passeavam sobre discos de vitrola enormes. Os discos giravam, soltos no ar, as cigarras não descansavam — e havia em toda a parte músicas estranhas, como nunca ninguém ouviu. Aranhas vermelhas balançavam-se em teias que se estendiam entre os galhos, teias brancas, azuis, ama-relas, verdes, roxas, cor das nuvens do céu e cor do fundo do mar. Aranhas em quantidade. Os discos moviam-se, sombras redondas   projetavam-se no chão, as teias agitavam-se como redes. Raimundo deixou a serra de Taquaritu e chegou à beira do rio das Sete Cabeças,

p.15

        onde se reuniam os meninos pelados, bem uns quinhentos, alvos e escuros, grandes e pequenos, muito diferentes uns dos outros. Mas todos eram absolutamente calvos, tinham um olho preto e outro azul.

p.16 

CINCO

        O VIAJANTE RONDOU por ali uns minutos, receoso de puxar conversa, pensando nos garotos que zombavam dele na rua. Foi-se chegando e sentou-se numa pedra, que se endireitou para recebe-lo. Um rapazinho aproximou-se, examinando-lhe, admirado, a roupa e os sapatos. Todos ali estavam descalços e cobertos de panos brancos, azuis, amarelos, verdes, roxos, cor das nuvens do céu e cor do fundo do mar, inteiramente iguais às teias que as aranhas vermelhas fabricavam.

        — Eu queria saber se isto aqui é o país de Tatipirun, começou Raimundo.

        — Naturalmente, respondeu o outro. Donde vem você?

p.19

        Raimundo inventou um nome atrapalhado para a cidade dele que ficou importante:

        — Venho de Cambacará. Muito longe.

        — Já ouvimos falar, declarou o rapaz. Fica além da serra, não é isto?

        — É isso mesmo. Uma terra de gente feia, cabeluda, com olhos de uma cor só. Fiz boa viagem e tive algumas aventuras.

        _ Encontrou  a Caralâmpia?

        É uma laranjeira?

        Que laranjeira! É menina.

        _ Como ele é bobo! Gritaram todos rindo e dançando. Pensa que Caralâmpia é laranjeira.

p.20

SEIS

        RAIMUNDO LEVANTOU-SE  trombudo e saiu à pressa, tão encabulado que não enxergou o rio. Ia caindo dentro dele, mas as duas margens se aproximaram, a água desapareceu, e o menino com um passo chegou ao outro lado, onde se escondeu por detrás dum tronco. A terra se abriu de novo, a correnteza tornou a aparecer, fazendo um barulho grande.

        — Por que é que você se esconde? perguntou o tronco baixinho. Está com medo?

        — Não senhor. É que eles caçoaram de mim porque eu não conheço a Caralâmpia.

        O tronco soltou uma risada e pilheriou:

         — Deixe de tolice, criatura. Você se afogando em pouca água! As crianças estavam brincando. É urna gente boa.

p.21

        — Sempre ouvi dizer isso. Mas debicaram comigo porque eu não conheço a Caralâmpia.

        — Bobagem. Deixe de melindres.

        — É mesmo, concordou Raimundo. Eu pensava nos moleques que faziam tro-ça de mim, em Cambacará. O senhor está descansando, heim?

        — É. Estou aposentado, já vivi demais.

        Raimundo levantou-se:

        — Bem, seu Tronco. Eu vou chegando.

        — Espera aí. Um instante. Quero apresentá-lo à aranha vermelha, amiga velha que me visita sempre. Está aqui, vizinha. Este rapaz é nosso hóspede.

p.22 

SETE

        A ARANHA VERMELHA balançou-se no fio, espiando o menino por todos os lados. O fio se estirou até que o bichinho alcançou o chão. Raimundo fez um cumprimento:

        — Boa tarde, dona Aranha. Como vai a senhora?

        — Assim, assim, respondeu a visitante. Perdoe a curiosidade. Por que é que você põe esses troços em cima do corpo?

        — Que troços? A roupa? Pois eu havia de andar nu, dona Aranha? A senhora não está vendo que é impossível?

        — Não é isso, filho de Deus. Esses arreios que você usa são medonhos. Tenho ali umas túnicas no galho onde moro. Muito bonitas. Escolha uma.

p.25 

        Raimundo chegou-se à árvore próxima e examinou desconfiado uns vestidos feitos daquele tecido que as aranhas vermelhas preparam. Apalpou a fazenda, tentou rasgá-la, chegou-a ao rosto para ver se era transparente. Não era.

        — Eu nem sei se poderei vestir isto, começou hesitando. Não acredito.

        — Que é que você não acredita? perguntou a proprietária da alfaiataria.

        — A senhora me desculpa, cochichou Raimundo. Não acredito que a gente possa vestir roupa de teia de aranha.

        — Que teia de aranha! rosnou o tronco. Isso é seda e da boa. Aceite o presente da moça.

        — Então muito obrigado, gaguejou o pirralho. Vou experimentar.

p.26

OITO

        ESCOLHEU UMA TÚNICA AZUL, escondeu-se no mato e, passados minutos, tornou a mostrar-se vestido como os habitantes de Tatipirun. Descalçou-se e sentiu nos pés a frescura e a maciez da relva. Lá em cima os discos enormes das vitrolas giravam; as cigarras chiavam músicas em cima deles, músicas como ninguém ouviu; sombras redondas espalhavam-se no chão.

        — Este lugar é ótimo, suspirou Raimundo. Mas acho que preciso voltar. Preciso estudar a minha lição de geografia.

        Nisto ouviu uma algazarra e viu através dos ramos a população de Tatipirun correndo para ele:

        — Cadê o menino que veio de Cambacará?

p.27 

RAMOS, Graciliano. Alexandre e outros heróis. São Paulo: Record, 1991.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 8º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 133-7.

 Entendendo o conto:

01 – Como eram fisicamente as pessoas e seres de Tatipirun?

      A maioria dos habitantes se assemelhava ao menino, pois tinha a cabeça pelada e um olho preto e outro azul. Até mesmo o automóvel tinha, no lugar dos faróis, dois olhos parecidos com os do menino e a laranjeira não tinha espinhos.

 

02 – Identifique e copie o trecho em que Raimundo passa de seu lugar de origem para a terra de Tatipirun.

     “Raimundo levantou-se, entrou em casa, atravessou o quintal e ganhou o morro. Aí começaram a surgir as coisas estranhas que há na terra de Tatipirun, coisas que ele tinha adivinhado, mas nunca tinha visto.”

 

03 – Ao chegar àquele novo mundo, Raimundo conhece várias personagens. Como elas agem com o menino? Transcreva um trecho do texto que possa ter como tema uma atitude de gentileza.

      Elas eram dóceis, compreensivas e gentis, ofereciam a ele todo tipo de assistência que contribuísse para o seu bem-estar. Um exemplo disso está no seguinte trecho:

        “[...] Uma laranjeira que estava no meio da estrada afastou-se para deixar a passagem livre e disse toda amável:

        — Faz favor.

        — Não se incomode, agradeceu o pequeno. A senhora é muito educada.”

04 – Releia o que diz a aranha a respeito das roupas de Raimundo:

        “[...] Esses arreios que você usa são medonhos. [...]”.

a)   O que a aranha quis dizer com essa frase?

 Que as roupas eram desagradáveis, não eram nada confortáveis; impediam os movimentos do menino e não o deixavam à vontade.

 b)   O que a frase revela sobre a maneira como viviam os habitantes da terra visitada pelo menino?

 Revela que os habitantes de Tatipirun viviam mais confortavelmente e com maior liberdade e harmonia do que os do lugar de origem de Raimundo.

 c)   Raimundo gostou do estilo de vida daquele lugar? Como você chegou a essa resposta?

 Sim, ele manifestou várias vezes seu encantamento enquanto ia conversando com os habitantes que encontrava. Exemplo possível: “Este lugar é ótimo, suspirou Raimundo.”

 

05 – Releia o diálogo a seguir, retirado do texto:

        “[...] Uma laranjeira que estava no meio da estrada afastou-se para deixar a passagem livre e disse toda amável:

        — Faz favor.

        — Não se incomode, agradeceu o pequeno. A senhora é muito educada.

         — Tudo aqui é assim, respondeu a laranjeira.

        — Está se vendo. A propósito, por que é que a senhora não tem espinhos?

        — Em Tatipirun ninguém usa espinhos, bradou a laranjeira ofendida. Como se faz semelhante pergunta a uma planta decente?”

·        Releia a última frase do diálogo e identifique o trecho em que há emprego de linguagem metafórica. Em seguida, explique a metáfora.

A linguagem metafórica é usada no trecho “ninguém usa espinhos”. A metáfora se dá pela comparação entre o espinho, que é algo que machuca, fere, e as atitudes agressivas dos meninos de onde Raimundo morava. Em Tatipirun as pessoas não eram indelicadas umas com as outras, não havia troca de ofensas.

 06 – Quais eram as reações dos meninos da rua onde Raimundo morava diante da aparência do garoto? Em sua opinião, por que isso ocorria?

      A aparência de Raimundo gerava discriminação, gozarão e maus-tratos por parte dos outros meninos. Provavelmente, isso acontecia porque eles não aceitavam o fato de Raimundo ser diferente deles.

 07 – E em Tatipirun? De que modo a aparência de Raimundo era encarada pelos habitantes desse lugar?

      Em Tatipirun, a aparência de Raimundo era o motivo de sua identificação com os habitantes do lugar, já que os meninos de lá tinham as mesmas características e ele se sentia acolhido por todos.

 08 – Identifique no texto quais personagens estão relacionadas aos universos indicados a seguir:

 a)   Ao mundos dos humanos. 

Os outros meninos.

 b)   Ao universo dos objetos materiais (inanimados que se tornaram animados na história).

 O automóvel.

 c)   Ao mundo animal.

 A aranha.

 d)   Ao mundo vegetal.

 A laranjeira e o tronco.

 09 – De que forma os elementos mágicos estão presentes na terra dos meninos pelados?

      Seres do mundo animal e vegetal e objetos inanimados que adquirem características humanas (agem e conversam com o menino); automóvel, aranha, laranjeira, ladeira; havia discos e vitrolas que giravam no ar, músicas estranhas, túnicas feitas de teia de aranha, cigarras chiando músicas que nunca ninguém ouviu, sombras redondas espalhadas no chão.

10 – Localize no texto e copie um trecho que você considere belo e poético, que lhe chame a atenção pela maneira como o autor seleciona e combina as palavras. Explique por que escolheu esse trecho.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: “Descalçou-se e sentiu nos pés a frescura e a maciez da relva. Lá em cima os discos enormes das vitrolas giravam; as cigarras chiavam músicas em cima deles, músicas como ninguém ouviu; sombras redondas espalhavam-se no chão.”.


ALUNO:____________________________________________________Turma:_____Data:____

A TERRA DOS MENINOS PELADOS – SALA DE LEITURA- Prof:_________________________

RESPONDA:

 

1. Como eram as pessoas em Tatipirun? p.8

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2. Por que as crianças faziam Bullying com Raimundo?

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3. Por que não era preciso subir as ladeiras em Tatipirun? P.10

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4. O que havia no lugar dos faróis nos carros em Tatipirun? P.11

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5. “Em Tatipirun ninguém usa espinhos” Qual o significado da expressão usar espinhos?p.12

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6. Aproximadamente quantos meninos Raimundo encontrou Na beira do Rio das Sete Cabeças? P.16

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7. Qual o nome da cidade em que Raimundo disse que morava? P.17

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8. Por que os meninos de Tatipirun riram de Raimundo? P.19

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9. O que os moradores de Tatipirun achava da aparência das pessoas de Cambacará? P.p.20

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10. Do que a Aranha chamou as roupas de Raimundo?

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11. Por que Raimundo precisava voltar?

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12. Retire do texto uma frase em que se utilizou a linguagem FICCIONAL, fantasiosa.

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13. Qual o significado das palavras presentes no texto?

a) alvos p.16 _____________________________________

b) calvos p.16  ______________________________________

c) trombudo p.21 __________________________________

d) fazenda p.26 _____________________________________

e) berrou  p.9 _____________________________________

 

13. Qual o título do livro?

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segunda-feira, 17 de junho de 2024

A HISTÓRIA DE CLARICE - A MUDANÇA

 

A HISTÓRIA DE CLARICE - ANNA CLAUDIA RAMOS 

 

CAPÍTULO 1 - A MUDANÇA

         Eram onze e meia da noite quando o telefone tocou. Luciana levou um susto e correu para atender. Uma voz estranha procurava por ela. Parecia aflita.

         Não é possível!?! Como é que isso foi acontecer? E as crianças? Como estão? Como receberam a notícia?

         As crianças estão muito assustadas. Ficaram horas sozinhas até eu descobrir e ir buscá-las. Clarice não fala nada. Está muda desde o acontecido. André chora muito, fica chamando pela mãe o tempo todo. Também, pudera, não é?, onde já se viu Andreia fazer uma coisa dessas...

        Mas como é que ela teve coragem de fazer isso?

        Pois é... não sei o que deu na cabeça da Andreia para fazer isso com as crianças! Mas sabe como é, desde que sua avó morreu as coisas não estavam bem por aqui. E só pioraram quando o Michel foi embora.

        Eu sei, eu sei... Mas a senhora pode deixar que amanhã bem cedo eu tô aí. Eu só não desço agora porque tenho medo de pegar estrada à noite.

        Não se preocupe, venha amanhã, com calma. Pegar essa estrada à noite é muito perigoso. Não vale a pena se arriscar. Ainda mais agora que as crianças vão precisar muito de você.

        E assim, Luciana deixou sua casa na serra e desceu para o Rio de Janeiro numa quarta-feira quente e abafada. A primeira coisa que fez foi procurar Dona Cacilda, agradecer por ter ficado com seus sobrinhos e pedir que ficasse com eles durante o dia. Pelo menos enquanto ela resolvia os problemas e arrumava a papelada para tentar conseguir a guarda das crianças. Luciana imaginou que isso não seria tão complicado, já que Andreia havia deixado uma carta registrada em cartório pedindo que os filhos ficassem com a irmã, sua única parenta viva.

        Nos últimos anos, as crianças tiveram pouco contato com a tia. Luciana e Andreia não se davam muito bem. Luciana chegou a acompanhar o crescimento da sobrinha até os seis anos, época em que André nasceu e ela se mudou de vez para uma cidade pequena.

        O menino tinha visto a tia algumas vezes nesse meio tempo, principalmente nos aniversários da Bisa e nos Natais. Na verdade, a Bisa das crianças ainda era o único elo entre as irmãs. É que Andreia fazia questão de dizer que Luciana não tinha mais nada a ver com sua vida. Muito menos com a educação que ela dava para os filhos. E que se arrependia amargamente de ter deixado a irmã escolher o nome da filha.

        Depois que a Bisa faleceu, elas se separaram completamente. Vez ou outra, quando ia ao Rio, Luciana ligava para Andreia, via os sobrinhos, mas tudo muito rápido, sem grandes afetos. Luciana morria de pena das crianças, mas não podia fazer muita coisa.

        E, sendo assim, quando tia e sobrinhos se encontraram pela primeira vez desde o acontecido, foi tudo muito estranho. Todos estavam sem saber o que falar ou o que fazer. Então, Luciana abraçou as crianças, disse que tudo ia ficar bem, que eles não estavam mais sozinhos, que agora ela estava ali e que os levaria pra morar com ela, que eles não ficariam abandonados de jeito nenhum, mas teriam que se acostumar com uma nova vida, num sitio, cheio de plantas e bichos.

       André, meio que chorando, abraçou bem apertado a tia. Luciana achou que morar num sítio seria muito bom para um menino de quase cinco anos. Talvez ajudasse a não pensar tanto na mãe. Clarice não esboçou nenhuma reação em relação ao sítio. Apenas falou:

        — Ela não me abandonou. Eu já nasci abandonada. E se calou.

        Luciana engoliu em seco aquela frase, afinal, sabia que tinha um fundo de verdade. Mas como era duro escutar essas palavras na boca de uma menina de apenas dez anos de idade. Luciana, ou tia Lu, como André começou a chamá-la, mal sabia que o silêncio de Clarice duraria muito tempo.

        Enfim, após alguns dias, Luciana se despediu de Dona Cacilda e agradeceu pelo que ela tinha feito por seus sobrinhos. Depois colocou tudo que as crianças tinham na mala de seu carro e partiu rumo à serra.  

        Durante a viagem a tia tentou puxar conversa, contou que morava numa casa cheia de plantas e que tinha três cachorros: Ferrugem, Nata e Trovão. André quis saber por que os cachorros tinham esses nomes. Luciana explicou que Ferrugem ganhou este nome por conta de sua cor, que parecia enferrujada. Ele era bem esperto e adorava crianças. E que Nata chegou no sítio vindo não se sabe de onde. Era uma noite de chuva e Luciana acolheu a cadelinha. Naquela mesma noite descobriu que a cachorrinha adorava comer a nata do leite, então começou a chamá-la de Nata, mas o mais engraçado era que ela era uma cadela bem pretinha. Trovão também chegou num dia de chuva, tremia feito vara verde, como se diz lá na roça, e acabou ganhando esse nome porque morria de medo de chuvas e trovoadas. Todo mundo achava que ele se chamava Trovão porque era forte, mas que nada, ele tem medo de qualquer chuvinha. É só começar e chover que ele se esconde debaixo da mesa, da cama, de qual, quer lugar onde se sinta protegido.

        E o Ferrugem, tia?

        Gente o que é que tem o Ferrugem?

        Como é que ele chegou no sítio?

        Ah! o Ferrugem eu ganhei do meu amigo Fábio.

        Depois Luciana contou que nos sítios vizinhos tinha muitas crianças e que lá era bem diferente da cidade grande, dava Pra correr solto, pra brincar sem medo, soltar pipa, tomar banho de rio, andar a cavalo no sítio do Seu Jeremias, que é bem pertinho.

        André estava achando tudo uma beleza, perguntou se ia poder jogar bola no quintal, se ia poder brincar com os meninos, se ia ter escola, se poderia brincar com os cães. Luciana achou graça da euforia do menino, mas no fundo sabia que essa alegria era momentânea, que quando ele se lembrasse da mãe iria chorar e sentir muitas saudades. Pensou que nada seria muito fácil, principalmente para Clarice, que passou a viagem toda muda.

        No fundo, Luciana sabia que não seria fácil para ninguém, nem para ela, que estava acostumada com uma vida calma e sem horários predeterminados, mas que de um dia para o outro acabou ganhando dois sobrinhos para cuidar.  

        Já estavam subindo a serra, quando se lembrou que teria que matricular as crianças na escola. Mas teria tempo. As férias mal tinham começado. Foi em meio a tantos pensamentos que Luciana foi interrompida por André.

       Tia Lu, a Clarice podia ficar muda pra sempre.

        — Que história é essa, André?

        É, tia Lu, ela fica mais legal quando tá muda. Quando ela tava falando, ela me enchia o tempo todo. Ficava me mandando fazer um monte de coisa e brigava comigo toda hora. Ela não gosta de mim.

        Ô, meu querido, o que é isso? A Clarice gosta de você sim, é que ela tá triste, e às vezes, quando a gente tá triste, a gente fica confusa. Daqui a pouco ela tá conversando outra vez e vai ficar tudo bem. Eu prometo.

        Prefiro ela assim, tia Lu, sem falar nada.

        Luciana olhou pelo espelho retrovisor e viu a cara fechada da menina, num misto entre emburrada e triste.

 

1. Qual o nome das personagens?

a)  As crianças __________________________________________

b) A mãe das crianças_____________________________________

c) A tia das crianças_______________________________________

d) O pai das crianças que foi embora__________________________

 

2. Qual a idade das crianças:

a) Clarice ____________________

b) André ____________________

 

 

3. Por que Luciana não teria problemas para conseguir a guarda das crianças?

____________________________________________________________________________________________________________________________

 

4. Como era a relação entre as irmãs?

____________________________________________________________________________________________________________________________

 

5. Qual o nome dos cachorros de Luciana?

______________________________________________________________

 

6. Explique o motivo do nome de cada um dos cachorros.

a) Ferrugem

____________________________________________________________________________________________________________________________

b) Nata

____________________________________________________________________________________________________________________________

c) Trovão

____________________________________________________________________________________________________________________________

 

7. Onde morava cada uma das irmãs?

a) Luciana

_____________________________________________________________

b) Andreia

_____________________________________________________________

 

8. Por que André preferia a irmã muda?

_______________________________________________________________

 

9. Como Clarice se sentia em relação à mãe?

______________________________________________________________

 

10. Como Andre estava imaginando que seria a nova vida?

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domingo, 16 de junho de 2024

TANTÃS - GÊNIO

 

TANTÃS – GÊNIO

        Naquele sábado, Tutu tinha uma festa importante, sua primeira festa à fantasia.

       Logo de manhã cedo, a avó o levou a uma loja para comprar o traje. Hum, nada de Batmam, de Super-Homem ou Homem-Aranha. Muito comum. Tutu fuçou a loja inteira, mas não achou nada de interessante. Provou uma fantasia de Aladim do gênio da lâmpada, e, depois de pintar um bigode e um cavanhaque com lápis de olho, acabou concordando em levá-la por insistência da avó, que disse que estava ótima.

       — E a lâmpada maravilhosa? — perguntou a avó para a vendedora. — Não vem junto?

       — Não, o que vem agora é uma lata de spray fixador de cabelo para fazer o penteado estilo Aladim.

       Avó e neto voltaram para casa e, no fim da tarde, Lá estava Tutu fantasiado na frente do espelho, Olhando arrependido a blusinha curta e brilhante, as calças bufantes e os sapatos enrolados na ponta. Ia pagar mico, mas agora era tarde para mudar. Bem, o jeito era espetar o cabelo para ficar, pelo menos, um Aladim moderno.

       Apertou a válvula do spray, mas o que saiu de lá não foi o que ele esperava. Tutu arregalou os olhos.

       — Credo, o que é isso? Quem é você?

       — Eu? — perguntou a figurinha gasosa que tinha sido espirrada pelo bico do fixador. — Eu sou o gênio da lata de spray.

       — Gênio da lata de spray? Uau! Que doido! Posso fazer um pedido? — exclamou Tutu animado, já pensando em pedir urna fantasia de viking, coisa que não tinha na loja.

       —Você só pode pedir penteados — foi avisando o gênio com voz frisante. — Tenho penteados de três tipos: trança dread, topete Elvis Presley ou moicano.

       — Penteados?! — exclamou Tutu decepcionado. — Isso. E aí, vai querer ou não?

      Tutu se olhou no espelho. Um penteado bacana podia melhorar o traje.

      — Hum... quero um moicano... vermelho. Aqui, ó — disse apontando o alto da cabeça.

       O gênio apertou o bico do spray e começou a sair de lá uma meleca grossa, brilhosa e esverdeada.

       Ei! Para com isso, gênio! Essa gosma não é um moicano! — gritou Tutu.  

        — Eu sei que não é! Foi mal! Desculpa, cara! Não era pra isso acontecer.    

        A meleca que saiu da lata cobriu-lhe a cabeça, as costas, a barriga, as pernas, arruinando por completo o traje de Aladim.

       — Desculpa! — disse o gênio numa voz pipilante. — Essa é a minha primeira tarefa da escola e eu me dei mal. O professor vai acabar comigo.

       Tutu se olhou no espelho.

       — Uau! Estou parecendo o Abominável Monstro do Esgoto! Genial! Adorei! Ficou demais! Obrigada!

       Tutu foi para a festa feliz da vida, e o pequeno gênio foi embora confuso. Ele tinha errado a lição, mas será que, mesmo errando, ele tinha acertado?

 

 

1. Qual era o pedido que o gênio atendia?

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2. Por que o gênio não conseguiu atender o pedido do penteado?

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3. Escreva o significado das palavras abaixo com as sugestões: convincente, volumosas, que pia,

a) pipilante ______________________________

b) bufantes ______________________________

c) frisante ______________________________

 

4. Qual fantasia tutu pensou em pedir ao gênio?

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TANTÃS – CUCO

 

TANTÃS – CUCO

        Às sete horas da manhã o cuco do relógio do Neuso não saiu da casinha para cantar. Ele aguardou até às oito e viu que, de novo, o passarinho  não saiu. Nem às nove, nem às dez, nem à noite, nem no dia seguinte. Neuso ficou preocupado: o que estaria acontecendo? Falou do problema a Um amigo e ele o aconselhou a levar o relógio para o relojoeiro do bairro, o Xulo, mas ele não quis.

       Neuso não gostava do estilo dele. Sua oficina era uma bagunça.Tinha garfo, lixa de unha, ovos, furadeira, mas o pior era que ele tinha uma porção de passarinhos em gaiolas. Quem garantia que eles não eram cucos de relógios quebrados?

        Não, definitivamente Neuso não confiava em Xulo e não ia deixar seu cuco de estimação nas mãos dele. Tentaria resolver o problema de outro jeito.

        Subiu numa escada, bateu na portinhola do passarinho e aguardou. Nada. Bateu mais urna vez e, de novo, nada. Neuso não ia forçar a porta, preferiu conversar pelo lado de fora mesmo. Disse que estava sentindo falta dele, perguntou gentilmente qual era o problema e se podia ajudar.

       Deu certo, porque, em seguida, às 4 da tarde em ponto, o cuco saiu pela portinhola e ele, que só piava, tossiu e espirrou quatro vezes.

       Ah, então era isso. Ele estava gripado! Pronto, resolvido. O Neuso ia consertar o relógio com xarope!

 

 

1. Por que Neuso não confiava em Xulo?

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2. Retire do texto um fragmento que comprove que Neuso respeitava a privacidade do cuco.

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3. Por que Neuso estava preocupado?

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TANTÃS – NENO O CARNEIRO 6º ANO

 

TANTÃS – NENO O CARNEIRO

         Neno, o carneiro, estava com insônia e foi deitar no pasto para apreciar a noite estrelada.

        — Uau, uma estrela carente na abóbora celeste! Espera um porquinho, vou pensar num pedido.

        Neno  queria muitas coisas, mas a principal era que ele queria parar de trocar letras. As pessoas não entendiam bem o que ele falava e isso dava muita confusão. Então, com certeza, o que ele mais queria na vida era ser um carneiro que falasse tudo corretamente.

        — Ó estrela carente! Tenho um pedido! — gritou para o alto. Quero ser um carteiro que fala tudo certinho! A estrela cadente, que não sabia do problema da troca de letras, atendeu o pedido exatamente do jeito como foi feito. E então, pela magia estelar celeste, Neno se transformou num carteiro, um carteiro que falava com perfeição.

        Até boje, Neno agradece a sua estrela da sorte. Ele virou um carteiro bem-sucedido. Agora fala tudo certinho e entrega cartas nas fazendas da redondeza.

 

1. Qual era o problema de  Neno?

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2. Por que o problema de Neno o atrapalhava?

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 2. A estrela cadente fez o que Neno pediu? Por quê?

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quinta-feira, 13 de junho de 2024

O MENINO QUE CAIU NO BURACO CAPÍTULO 2 - BURACO

 

Buraco

       A mochila cheia de livros e cadernos, amorteceu a queda. Sentia muita dor na nuca e no cotovelo do braço esquerdo. Tinha as duas mãos esfoladas.

       Estava escuro. A poeira não assentara; ainda caia terra lá do alto. Seus olhos ardiam e não conseguia respirar direito.

       Caíra num poço.

       Apavorado, a primeira coisa que fez foi gritar.

       Gritou feito um doido. Berrou pela mãe, pelo pai, berrou o nome de amigos e até palavrões. Não adiantou nada. Ele sabia. Ninguém passava por ali.

       Gritar e ficar com a cabeça para cima, olhando desesperadamente para a boca do poço, só piorou a dor na nuca e encheu sua garganta de barro. Enfiou o dedo entre os cabelos para ver se havia sangue, mas encontrou apenas um caroço já grande.

       Conseguiu se controlar, conversando consigo mesmo, dizendo que era melhor pensar na situação com calma.

    Passou a mão no fundo do poço para ver se havia água. Não. Estava só um pouco úmido num dos cantos. Ajeitou a mochila no chão.

       O ar foi ficando mais limpo, embora respirar continuasse difícil. Ali embaixo os pulmões tinham de fazer mais força.

       O poço era fundo e não havia nenhum pedaço de pau atravessado na borda, nenhum resto de corda, só um tufo de capim ressecado tombando para dentro. Nada que pudesse usar para subir. Apenas as paredes nuas, com um barro duro e liso.

       Ali era tão silencioso que ele podia ouvir seu coração, como se batesse do lado de fora do peito. Seu pai ia gostar daquele silêncio. Foi só lembrar do pai que começou a chorar.

       O menino sentou no chão, abraçou dom força as próprias pernas, apoiou a testa nos joelhos e chorou bastante. Chegou a engasgar, com soluços que faziam todo o seu corpo tremer. Só parou quando sentiu um calor estranho na ponta do tênis. Era um raio de sol.

       Enxugou os olhos na manga do casaco e olhou para cima. À medida que o dia avançava, o sol ia entrando no poço. Aquilo era uma coisa boa. O sol pas-saria justamente sobre o buraco. Ele teria luz e calor. Ia ver bem onde estava. Talvez pudesse pensar em algum jeito de sair dali.

       Ficou louco com ele mesmo, parecia um idiota chorão encolhido no fundo de um buraco. Daquele jeito só ia piorar as coisas. A situação era a seguinte: ninguém o procuraria até o final do dia.

       A mãe achava que ele estava na escola e só volta-ria no final da tarde, como sempre. O pai... bem, o pai não saía da cama, talvez nem lembrasse do filho. Nem se falavam mais, então não dava para contar com ele.

       Na escola iam achar que ele matara aula. Como não tinham os dois primeiros horários, muitos alunos iam fazer isso, ainda mais por ser sexta-feira e o pessoal gostar de emendar com o fim de semana.

       Só dariam pela falta dele à noite. Imaginou então o que ia acontecer. A mãe, aflita, procuraria na casa dos vizinhos, dos amigos, da tia, dos colegas da escola e ia saber que não, ninguém tinha visto o menino aquele dia, que ele não fora ao colégio nem aparecera em lugar algum. Aí ficaria mesmo desesperada, iria à polícia, ao hospital, os vizinhos ajudariam, os professores, os amigos.

       O menino se sentiu importante, imaginando tanta gente preocupada com ele.

       Mas sabia que ninguém ia lembrar de procurar por ele ali, naquele fim de mundo mal-assombrado, tão longe da estrada, dentro de um poço abandonado no meio de um capinzal alto.

       O que tinha de fazer era se preparar, porque naquela noite com certeza dormiria no fundo do buraco.

       A primeira coisa que fez foi aproveitar a luz do sol para ver o que havia dentro da mochila. Talvez pudesse usar algo, ter alguma ideia que o tirasse dali ou descobrir um jeito de avisar onde estava, fazer uma espécie de sinal.

       Virou a mochila no chão.

       Havia o lanche que sua mãe preparara. Era quase sempre a mesma coisa, mas abriu, só para conferir: dois sanduíches de mortadela; cinco biscoitos de água e sal; uma laranja; e uma garrafa pequena de refrigerante, cheia de leite, com uma rolha de sabugo de milho. Teve vontade de chorar de novo, porque lembrou de como sua mãe acordava cedo para preparar aquilo. Mas não era hora de piorar a situação, ficando triste com outras coisas, porque já estava bem encrencado.

       Não sabia quanto tempo levariam para encontrá-lo, por isso, se não quisesse morrer de fome, teria de poupar aquele lanche ao máximo. Comeria aos bocadinhos, como uma formiga. Guardou tudo na sombra, no canto mais úmido do buraco, bem embrulhado no papel e no plástico.

       Dentro da mochila havia também dois livros grossos e grandões, um de História do Brasil, outro de Ciências. E dois cadernos de cem folhas, presas com espirais de arame.

       Corno ia ter aula de Desenho, lá estavam a régua de cinquenta centímetros, o esquadro e o compasso. o menino sentia vergonha deles. Não era um material de desenho como o dos outros colegas. A régua e o esquadro não eram de plástico transparente. O compasso não era de aço brilhante, com uma lapiseira fina numa das pontas. Não. Como não havia dinheiro e precisavam poupar cada moeda, ele usava as ferramentas de trabalho do pai, que já não serviam para nada. Por isso, a régua e o esquadro do menino eram enormes, de aço escuro e duro, e tão gastos que quase já não se enxergavam os números. E o compasso media mais de um palmo, com duas hastes de madeira dura e ensebada, um prego numa ponta e um toco de lápis enfiado na outra.

       Colocara na mochila o conjunto de lápis de cor, presente da tia no seu aniversário. Aqueles, sim, eram bonitos de mostrar para os outros e ele os poupava o quanto podia, para ver se duravam enquanto estivesse na escola. Trinta e seis lápis, de todas as cores, dentro de uma embalagem de plástico, parecida com um envelope. Sempre que olhava para eles sentia vontade de abrir e cheirar. Nem os usava, muito menos emprestava. Só gostava de cheirar. E foi o que ele fez. Cheirar os lápis era uma coisa boa de fazer, apesar da situação.

       Encontrou a caneta esferográfica; a pequena tesoura de pontas arredondadas; e um tubo de cola.

       E lá estavam os lápis grandes, os que ele mais detestava, os que o faziam morrer de vergonha. O professor de Desenho pedira lápis com grafite grosso e sua mãe lhe empurrara quatro lápis de carpinteiro, enormes, da grossura de dois dedos, tão grandes e vermelhos que a turma toda reparava e ria dele. Só um tinha ponta. Os outros três nunca tinham sido usados.

       Havia mais uma coisa de seu pai ali: os óculos que ele usava para enxergar de perto. A armação era grossa e preta e as lentes pareciam fundos de garrafa, grossas como lentes de aumento. Uma delas estava partida. O pai já não usava aqueles óculos havia muito tempo, nem mesmo para ler livros, como fazia aos domingos, na cadeira da varanda. O pai nem trabalhava nem lia mais, só ficava na cama. Mas a mãe cismara de trocar a lente quebrada, para ver se animava o marido, e por isso pedira para o menino levar os óculos para a escola... talvez a professora de Matemática desse um jeito neles, de graça, porque o irmão dela trabalhava na única óptica que havia na vila.

       Os óculos já estavam na mochila havia quase um mês, mas o menino não tinha coragem de pedir aquele favor à professora.

       Nos bolsos da parte de fora da mochila achou o pequeno canivete que usava para descascar a laranja; duas moedas; três tampinhas de refrigerante; dois elásticos; uma caixa de chiclete vazia; três coquinhos secos; seis pregos; uma flor já murcha que ele não teve coragem de dar a uma menina; uma carcaça velha de relógio; duas cartas de baralho; e uma foto bastante dobrada de uma artista de televisão, de biquini, que ele achava muito, muito bonita.

        O menino ficou olhando todos aqueles objetos espalhados no fundo do poço. O sol batia bem em cima deles, cada vez mais forte. Olhou, olhou e não lhe ocorreu ideia alguma. Era um bando de coisas inúteis. Custava ter uma corda comprida e um daqueles ganchos de açougue para jogar para fora do buraco, fincar no chão e escalar? Ou então custava ter uns dez morteiros e uma caixa de fósforos para avisar ao resto do mundo que ele estava ali, dentro do poço da fábrica de panelas? Ou melhor, custava ter um telefone celular, daqueles que anunciavam na televisão e que muitos meninos da escola tinham, para ele ligar para a mãe vir tirá-lo do buraco e pronto?

       Mas a família do menino não tinha telefone nenhum. Nem liquidificador, nem geladeira. Na verdade eles já não tinham nem televisão.

       O menino continuou olhando para as suas coisas ali espalhadas, distraído, lembrando como era bom quando havia televisão em casa, porque ela às vezes fazia sua mãe rir.

        E como, por mais que olhasse e mexesse nas coisas, continuasse sem ter ideias, acabou esticando a foto da atriz que ele achava muito bonita e a prendeu com um prego na parede do poço.

       Sabia que aquilo não ia ajudá-lo a sair do buraco, mas se sentiu menos só.

 

 

Capitulo 2- Buraco

 

1. Qual foi a primeira coisa que o menino fez? P. 15

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2. O que ele fez para se controlar?

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3. Após lembrar do pai o menino começou a chorar. Quando ele parou? P.16

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4. Por que a mãe só iria sentir falta do menino à noite? P.17

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5. Por que o menino se sentiu importante?

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6. Que alimentos havia dentro da bolsa? P.18

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7. Por que havia uma régua havia uma régua, um esquadro e um compasso na bolsa? P.19

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8. Dos materiais escolares qual que o menino sentia orgulho em possuir?

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9. Por que a mãe do menino pediu para ele falar com a professora sobre o óculos quebrado?P.20

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10. O que o menino desejou ter em das coisas inúteis que havia na bolsa?

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segunda-feira, 10 de junho de 2024

CONTO - AS MÃO DOS PRETOS - ATIVIDADES - CONTOS AFRICANOS

 Contexto histórico

          A independência de Moçambique, proclamada em 25 de junho de 1975, foi um evento de extrema importância na história do país africano. Após séculos de colonização, o povo moçambicano conquistou sua liberdade e soberania, iniciando um novo capítulo em sua trajetória como nação.

          O conto abaixo foi inserido na obra publicada em 1964, denominada: Nós matamos o cão tinhoso, composta por sete contos e escrita pelo autor Luís Bernardo Honwana

 

AS MÃOS DOS PRETOS

 

        Já nem sei a que propósito é que isso vinha, mas o Senhor Professor disse um dia que as palmas das mãos dos pretos são mais claras do que o resto do corpo porque ainda há poucos séculos os avós deles andavam com elas apoiadas ao chão, como os bichos do mato, sem as exporem ao sol, que lhes ia escurecendo o resto do corpo.

        Lembrei-me disso quando o Senhor Padre, depois de dizer na catequese que nós não prestávamos mesmo para nada e que até os pretos eram melhores do que nós, voltou a falar nisso de as mãos deles serem mais claras, dizendo que isso era assim porque eles, às escondidas, andavam sempre de mãos postas, a rezar.

        Eu achei um piadão tal a essa coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agoraé ver-me a não largar seja quem for enquanto não me disser porque é que eles têm as palmas das mãos assim tão claras. A Dona Dores, por exemplo, disse-me que Deus fez-lhes as mãos assim mais claras para não sujarem a comida que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que lhes mandem fazer e que não deva ficar senão limpa.

        O Senhor Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em quando, quando as coca-colas das cantinas já tenham sido todas vendidas, disse-me que tudo o que me tinham contado era aldrabice. Claro que não sei se realmente era, mas ele garantiu-me que era. Depois de eu lhe dizer que sim, que era aldrabice, ele contou então o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim:

        “Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, Virgem Maria São Pedro, muitos outros santos, todos os anjos que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que tinham morrido e ido para o céu, fizeram uma reunião e decidiram fazer pretos. Sabes como? Pegaram em barro, enfiaram-no em moldes usados e para cozer o barro das criaturas levaram-nas para os fornos celestes; como tinham pressa e não houvesse lugar nenhum, ao pé do brasido, penduraram-nas nas chaminés. Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu agora queres saber porque é que as mãos deles ficaram brancas? Pois então se eles tiveram de se agarrar enquanto o barro deles cozia?!”.

        Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos.

        Nesse mesmo dia, o Senhor Frias chamou-me, depois de o Senhor Antunes se ter ido embora, e disse-me que tudo o que eu tinha estado para ali a ouvir de boca aberta era uma grandessíssima pêta. Coisa certa e certinha sobre isso das mãos dos pretos era o que ele sabia: que Deus acabava de fazer os homens e mandava-os tomar banho num lago do céu. Depois do banho as pessoas estavam branquinhas. Os pretos, como foram feitos de madrugada e a essa hora a água do lago estivesse muito fria, só tinham molhado as palmas das mãos e as plantas dos pés, antes de se vestirem e virem para o mundo.

        Mas eu li num livro que por acaso falava nisso, que os pretos têm as mãos assim mais claras por viverem encurvados, sempre a apanhar o algodão branco de Vírginia e de mais não sei aonde. Já se vê que a Dona Estefânia não concordou quando eu lhe disse isso. Para ela é só por as mãos desbotarem à força de tão lavadas.

Bem, eu não sei o que vá pensar disso tudo, mas a verdade é que ainda que calosas e gretadas, as mãos dum preto são sempre mais claras que todo o resto dele. Essa é que é essa!

        A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão de as mãos de um preto serem mais claras do que o resto do corpo. No dia em que falámos disso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de se rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e mesmo assim a chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela me disse foi mais ou menos isto:

        “Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver... Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra dos homens... Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos”.

        Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.

        Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.

 

 

 

 

Podemos observar, através da leitura do texto, que o autor se utiliza da voz ingênua de uma criança para mostrar, através de uma ironia sutil, os discursos racistas que circulavam no mundo colonialista.

 

Qual a resposta dada por cada personagem sobre as mãos dos pretos?

 

1. O senhor professor – ciência:

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2. O senhor padre – religião:

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3. A Dona Dores – escravidão:

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4. O Senhor Antunes – Coca-Cola- império econômico:

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5. O narrador da crônica é branco ou negro? Justifique sua resposta com elementos do texto.

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6. O autor questiona os discursos racistas das classes dominantes através da voz de uma criança, sabemos que eles foram construídos ao longo dos anos e se perpetuaram por meio de piadas, troças, etc. Na sua opinião, como podemos desconstruir estes discursos?

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7. Qual a explicação foi dada pela mãe do menino sobre o assunto?

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8. A mãe ria das explicações que o menino lhe contava que tinha ouvido. Por quê?

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9. Por que quando o menino foi jogar bola a mãe chorou?

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10. Você acha que no Brasil há discursos racistas? Explique.

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