PáginasDESCRITOR

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

SER FILHO É PADECER NO PURGATÓRIO 7º ANO ESCRITA

 

    Ser filho é padecer no purgatório (Carlos Eduardo Novaes)

 

  - Psssiu, psssiu. - Eu? – virou-se Juvenal apontando para o próprio peito. - É. O senhor mesmo – confirmou o comerciante à porta da loja -, venha cá, por favor.

        Juvenal aproximou-se. O comerciante inclinou-se sobre ele e como que lhe segredando algo perguntou:

        - O senhor tem mãe? - Tenho. - Gosta dela? - Gosto.

        - Então é com o senhor mesmo que eu quero falar. Vamos entrar. Tenho aqui um presente especial para sua mãe.

        - Tem mesmo? Mas por que o senhor não entrega a ela pessoalmente?

        - Porque ela é sua mãe, não é minha. O senhor é que deve entregar o presente.

        - Está bem. Então o senhor me dá que eu dou pra ela.

        - Dar, não – corrigiu o comerciante -, infelizmente não estamos em condições. As vendas só subiram 75%. Vou ter que lhe vender presente.    

         - Mas eu não estava pensando em comprar um presente agora para minha mãe. O aniversário dela é em novembro.

         - Não é pelo aniversário. É pelo dia das mães.

         - Dia das mães? – repetiu Juvenal sempre desligado. – Mães de quem?

         - Mães de todos. É depois de amanhã, domingo. - É mesmo? E quem disse isso?

          - Bem... - Está na Bíblia?

          - Não. Ele foi criado por nós, comerciantes, para permitir que vocês manifestem seu amor e carinho por suas mães.

          - Puxa, vocês são tão legais. Eu não sabia que os comerciantes gostavam tanto da mãe da gente.

          - Pois acredite. E olhe, vou lhe contar um segredo: nós gostamos mais da mãe de vocês do que da nossa.

          - É mesmo? E por que assim?

- Porque a nossa não deixa lucro. Pelo contrário. Todo ano no dia das mães sou obrigado a desfalcar a loja para presenteá-la.

          - Ainda bem que só é um dia, hein? Se fosse, digamos um trimestre das mães, vocês estariam na maior miséria. O senhor dá presentes caros a sua mãe?

          - Bem, pra falar a verdade, tem uns dez anos que eu não dou presente pra ela no dia das mães.

          - E ela não reclama?

          - Reclamava, até o dia que lhe disse que o dia das mães que era jogada comercial e que para mim o dia dela era todos os dias.

         - Também acho.

         - Não. Você não pode achar – esbravejou o dono da loja -, eu posso porque sou comerciante. Você não, você é consumidor. Tem que comprar um presente pra ela no dia das mães.

         - Bem, já que é assim, então vamos ver o presente.

        - Ótimo, assim é que se fala. Você tinha me dito que gostava de sua mãe, não é verdade? Gosta muito?

   

 

 

 

   - Muito. Por quê? - Porque nós temos aqui presentes para todos os gostos. Para quem gosta muito, para quem gosta pouco, para quem ainda está em dúvida.

         - E o senhor dá desconto para quem gosta muito?

         - Não. Nós só damos descontos para quem tiver mais de uma mãe. Fazemos, porém, um preço especial para juiz de futebol, que tem a mãe muito sacrificada. O senhor é juiz de futebol?

          - Não. Sou bandeirinha – mentiu Juvenal.

          - O senhor já foi xingado em campo alguma vez?

          - Umas três.

           - É pouco, só damos descontos para bandeirinhas que tenham sido xingados mais de cinco vezes. Vamos ver os presentes? Pra escolhermos o tipo de presente mais adequado eu preciso saber como é sua mãe.

         - Mamãe? É uma mãe igual a qualquer outra. Não tem nada de especial. Ou melhor, de especial só tem o filho.

        - Vejamos. Quando o senhor era garoto ela costumava dizer: “Saia agasalhado meu filho”, “não vá comer agora que o jantar já vai pra mesa”, “não ande no ladrilho descalço”, “não abra a geladeira sem camisa”, “não se esfalfe”, “não chegue tarde”, “não apanhe chuva”, costumava? Costumava dizer que o senhor estava comendo pouco e lhe entulhava de remédios?

       - Exatamente – surpreendeu-se Juvenal -, parece até que o senhor foi filho da minha mãe.

       - Ou o senhor foi filho da minha. Se ela era realmente assim, o melhor presente é esta TV em cores.

       - Mas é o artigo mais caro que tem na loja. Não posso da aquela que é mais barata?

        - Que é isso, meu senhor? Sua mãe merece o melhor.

        - Mas eu não tenho dinheiro. Não posso dar o melhor.

        - Que absurdo – indignou-se o comerciante -, se o senhor não pode dar o melhor para sua mãe vai dar a quem? Será que sua mãe não merece um sacrificiozinho de sua parte?

       - Claro. Claro que merece.

        - E, então? Pense nos sacrifícios que ela já fez pelo senhor.

         - Estou pensando. - Então pense que eu espero. Ela fez muitos?

         - Muitos o quê?

         - Sacrifícios.

          - Não estou pensando nos sacrifícios. Estou pensando no preço. Juvenal perguntou se podia ver outros artigos, talvez encontrasse algo mais em conta. “Posso mexer nas mercadorias da loja?”

         - Lógico – disse o comerciante – esteja à vontade. Pode remexer o quanto quiser. Aqui vale tudo. Só não vale xingar a mãe.

       Juvenal saiu percorrendo a loja, com o comerciante atrás, matraqueando no seu ouvido sua técnica de vendedor: “O senhor sabe o que é ser mãe? Ser mãe como dizia Coelho Neto, é andar chorando num sorriso/ ser mãe é ter um mundo e não ter nada/ ser mãe é padecer num paraíso/ ser mãe é ter filho que lhe compre uma TV em cores ou um ar-condicionado ou uma geladeira, um secador de cabelos, uma cinta, um jogo de estofados, uma mobília de quarto...”

      - Mobília de quarto?

        - E por que não? Armário, penteadeira, mesinha de cabeceira de cama. [...]

       - Já resolvi – respondeu Juvenal decidido. – Não vou dar nada.

       - O quê? – vociferou o comerciante. – O senhor não vai dar nada para aquela que lhe deu tudo?

      - Vou lhe dar um beijo.

       - Um beijo? O senhor tem coragem? O senhor é realmente um filho desnaturado. Em pleno século XX, em plena sociedade de consumo, o senhor vai chegar em casa de sua mãe e com a maior cara de pau lhe dar um beijo? Um beijo? Que espécie de filho é o senhor? Um beijo?

        - Bem, talvez dois ou três.

           - Então leve ao menos esta pasta de dentes aqui. Contém genitol e mantém o hálito puro na hora de beijar sua mãe.

 

 

 

 

1. Para conseguir realizar a venda, o comerciante precisa persuadir o cliente, isto é, convencê-lo a comprar o produto. Para isso, utiliza alguns argumentos. Qual é o primeiro argumento apresentado pelo vendedor para atrair o cliente e levá-lo para dentro da loja?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

2. Questionado sobre a origem do Dia das Mães, o vendedor afirma que esse dia foi criado pelos comerciantes. Segundo a versão dos comerciantes, com que finalidade esse dia foi criado?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

3. Mas, para você, qual é a verdadeira finalidade da criação desse dia?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

4. Que fala do vendedor revela que ele tem consciência da finalidade comercial (só para vender) desse dia? Justifique.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

5. O vendedor afirma que os comerciantes gostam mais da mãe dos clientes do que da própria mãe. Por quê? Que explicação é dada pelo vendedor?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

6. O vendedor quer fazer uma sugestão de presente ao cliente. Contudo, antes de apresentá-la, “prepara o terreno” perguntando-lhe se, durante a infância, a mãe lhe dizia frases como “Saia agasalhado”, “não apanhe chuva”, entre outras. Qual era a intenção do vendedor ao citar frases como essas ao cliente?

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

7. O vendedor sugeriu ao cliente, como presente para a mãe, uma TV em cores. O cliente achou essa TV muito cara e queria optar por uma mais barata. Cite dois argumentos utilizados pelo vendedor para convencer o cliente a comprar a TV mais cara.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

8. No final da história, o vendedor se dá por vencido e desiste da venda? Justifique com um fragmento do texto.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

9. Em que dia da semana o comerciante conversou com Juvenal?

________________________________________________________________________________

 

10. Pelo que se lê no texto, Juvenal costumava presentear sua mãe? Justifique sua resposta.

________________________________________________________________________________

Nenhum comentário:

Postar um comentário