Banhos de mar
Meu pai acreditava que todos os anos
se devia fazer uma cura de banhos de mar. E nunca fui tão feliz quanto naquelas
temporadas de banhos em Olinda, Recife.
Meu pai também acreditava que o
banho de mar salutar era o tomado antes do sol nascer. Como explicar o que eu
sentia de presente inaudito em sair de casa de madrugada e pegar o bonde vazio
que nos levaria para Olinda ainda na escuridão?
De noite eu ia dormir, mas o
coração se mantinha acordado, em expectativa. E de puro alvoroço, eu acordava
às quatro e pouco da madrugada e despertava o resto da família. Vestíamos
depressa e saíamos em jejum. Porque meu pai acreditava que assim devia ser: em
jejum.
Saímos para uma rua toda escura,
recebendo a brisa da pré-madrugada. E esperávamos o bonde. Até que lá de longe
ouvíamos o seu barulho se aproximando. Eu me sentava bem na ponta do banco: e
minha felicidade começava. Atravessar a cidade escura me dava algo que jamais
tive de novo. No bonde mesmo o tempo começava a clarear e uma luz trêmula de
sol escondido nos banhava e banhava o mundo.
Eu olhava tudo: as poucas pessoas
na rua, a passagem pelo campo com os bichos-de-pé: "Olhe um porco de
verdade!" gritei uma vez, e a frase de deslumbramento ficou sendo uma das
brincadeiras da minha família, que de vez em quando me dizia rindo: "Olhe
um porco de verdade."
Passávamos por cavalos belos que
esperavam de pé pelo amanhecer.
Eu não sei da infância alheia.
Mas essa viagem diária me tornava uma criança completa de alegria. E me serviu
como promessa de felicidade para o futuro. Minha capacidade de ser feliz se
revelava. Eu me agarrava, dentro de uma infância muito infeliz, a essa ilha
encantada que era a viagem diária.
No bonde mesmo, começava a
amanhecer. Meu coração batia forte ao nos aproximarmos de Olinda. Finalmente
saltávamos e íamos andando para as cabinas pisando em terreno já de areia
misturada com plantas. Mudávamos de roupa nas cabinas. E nunca um corpo
desabrochou como o meu quando eu saía da cabina e sabia o que me esperava.
O mar de Olinda era muito
perigoso. Davam-se alguns passos em um fundo raso e de repente caía-se num
fundo de dois metros, calculo.
Outras pessoas também acreditavam
em tomar banho de mar quando o sol nascia. Havia um salva vidas que, por uma
ninharia de dinheiro, levava as senhoras para o banho: abria os dois braços, e
as senhoras, em cada um dos braços, agarravam o banhista para lutar contra as
ondas fortíssimas do mar.
O cheiro do mar me invadia e me
embriagava. As algas boiavam. Oh, bem sei que não estou transmitindo o que significavam
como vida pura esses banhos em jejum, com o sol se levantando pálido ainda no
horizonte. Bem sei que estou tão emocionada que não consigo escrever. O mar de
Olinda era muito iodado e salgado. E eu fazia o que no futuro sempre iria
fazer: com as mãos em concha, eu as mergulhava nas águas, e trazia um pouco de
mar até minha boca: eu bebia diariamente o mar, de tal modo queria me unir a
ele.
Não demorávamos muito. O sol já
se levantara todo, e meu pai tinha que trabalhar cedo. Mudávamos de roupa, e a
roupa ficava impregnada de sal. Meus cabelos salgados me colavam na cabeça.
Então esperávamos, ao vento, a
vinda do bonde para Recife. No bonde a brisa ía secando meus cabelos duros de
sal. Eu às vezes lambia meu braço para sentir sua grossura de sal e iodo.
Chegávamos em casa e só então
tomávamos café. E quando eu me lembrava de que no dia seguinte o mar se
repetiria para mim, eu ficava séria de tanta ventura e aventura.
Meu pai acreditava que não se
devia tomar logo banho de água doce: o mar devia ficar na nossa pele por
algumas horas. Era contra a minha vontade que eu tomava um chuveiro que me
deixava límpida e sem o mar.
A quem devo pedir que na minha
vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol
vermelho se levantar? Nunca mais?
Nunca mais.
Nunca.
1.O texto relata uma
recordação feliz da narradora: os passeios que, na infância, fazia com a família
as praias de Olinda, cidade situada na região metropolitana de recife.
a) Por que a família
costumava ir `aquelas praias?
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b) O passeio, como
um todo, envolvia alguns costumes cultivados pelo pai. Quais eram esses
costumes quanto ao banho de mar
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2. A narradora, na
companhia de sua família, saía de casa para pegar o bonde ainda de madrugada.
a) Como ela se
sentia na véspera do passeio e nos momentos que antecediam a saída de casa?
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b) Ao relatar a
viagem que fazia para Olinda, A narradora diz: “Atravessar a cidade escura me
dava algo que jamais tive de novo”, Por que, na sua opinião, atravessar a
cidade escura era algo marcante para a menina?
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3. A narradora
descreve as emoções que as viagens as praias de Olinda com a família lhe
despertava.
a) Por que ela
considerava essa viagem como uma “ilha encantada” em sua infância?
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b) O que essa viagem
revelava para a menina quanto ao seu presente? E o que representava quanto ao
seu futuro?
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4. A família chegava
a praia e se dirigia as cabines para, a seguir, tomar o banho de mar.
a) Ao mudar de roupa
na cabine, a menina sentia-se transformada. Que imagem a narradora utiliza para
representar essa transformação?
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b) O mar de Olinda
era fascinante pra a menina. Que características desse lugar despertavam tal
sentimento?
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5. A narradora descreve
suas sensações ao tomar banho de mar.
a) Entre os cinco
sentidos humanos ( a visão, o olfato, a audição, o tato e o paladar), qual ou
quais ela experimentava ao entrar no mar? Justifique sua resposta.
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b) Durante o banho
de mar, a menina mergulhava as mãos em concha e trazia um pouco do mar à boca.
Levante hipóteses: Por que depois, adulta, ela repetia essa ação de mergulhar
as mãos em concha nas aguas para trazer um pouco do mar para si?
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c) Na sua opinião,
por que a menina queria se unir ao mar?
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6. Com os corpos
impregnados de sal, a família retornava a Recife, e a menina ficava a espera da
nova “ventura e aventura”.
a) Que atitudes da
menina expressam seu desejo de se manter ligada ao mar de Olinda?
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b) Por que as
palavras “ventura e aventura” resumem as sensações da narradora durante os
banhos de mar?
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7. Quando uma pessoa
relata fatos do passado, é natural que aflorem nela alguns sentimentos.
a) A narradora
considera que as palavras do relato que ela faz exprimem a intensidade das
emoções que ela viveu na infância? Justifique sua resposta com elementos do
texto.
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b) Que sentimento
principal a narradora vivencia ao fazer seu relato?
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