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domingo, 26 de fevereiro de 2023

O ROUBO DO RELÓGIO CONTO - CAUSO - VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

 

O Roubo do Relógio - Rolando Boldrin

          Naquele arraial do Pau Fincado, havia um sujeitinho danado pra roubar coisas. Às vezes galinha, às vezes cavalo, às vezes coisas miúdas. A verdade é que o dito cujo era chegado em surrupiar bens alheios.

         Todo mundo daquele arraial já estava até acostumado com os tais furtos. E a coisa chegou a tal ponto de constância que bastava alguém da por falta de qualquer objeto e lá vinha o comentário: “Ah, foi o Justino Larápio”.

          E foi numa dessas que sumiu o relógio do cumpadi João, um cidadão por demais conhecido por aquelas bandas do Pau Fincado. Foi a conta de sumir o relógio dele para o dito cujo correr pra delegacia mais próxima e dar parte do fato.

          O delegado pediu que o sêo João arranjasse três testemunhas para lavrar o ocorrido e então prender o tal ladrãozinho popular. Arranjar três testemunhas de que o tal Justino havia surrupiado qualquer coisa era fácil, dado a popularidade do dito cujo pra esses afazeres fora da lei.

          A cena que conto agora transcorreu assim, sem tirar nem pôr. Intimado o Justino, eis ali, ladrão, vítima e três testemunhas:

        DELEGADO (para a primeira testemunha) – O senhor viu o Justino roubar o relógio do sêo João, aqui presente?

         TESTEMUNHA 1 – Dotô. Vê, ansim com os óio, eu num posso dizê que vi. Mas sei que ele é ladrão mêmo. O que ele vê na frente dele, ele passa a mão na hora. Pode prendê ele dotô!

        DELEGADO (para a segunda testemunha) – E o senhor? Viu o Justino roubar o relógio do sêo João?

         TESTEMUNHA 2 – Óia, dotô... num vô falá que vi ele fazê isso, mas todo mundo no arraiá sabe que ele róba mêmo, uai. Pode prendê sem susto. Eu garanto que foi ele que robô esse relógio.

        DELEGADO (para a última testemunha) – E o senhor? Pode me dizer se viu o Justino roubar o relógio do sêo João?

        TESTEMUNHA 3 – Dotô, ponho a mão no fogo si num foi ele. Prende logo esse sem vergonha, ladrão duma figa. Foi ele mêmo!

        DELEGADO – Mas o senhor não viu ele roubar? O senhor sabe que foi ele, mas não viu o fato em si?

        TESTEMUNHA 3 – Num carece de vê, dotô! Todo mundo sabe que ele róba. Pode preguntá pra cidade intêra. Foi ele. Prende logo esse peste!

         DELEGADO (olhando firme para o Justino) – Olha aqui, Justino. Eu também tenho certeza de que foi você que roubou o relógio do sêo João. Mas, como não temos provas cabíveis, palpáveis e congruentes... Você está, por mim, absolvido.

       JUSTINO (espantado, arregalando os olhos para o delegado) – O que, dotô? O que que o sinhô me diz? Eu tô absorvido????

        DELEGADO – Está absolvido.

        JUSTINO – Qué dizê intão que eu tenho que devorvê o relógio?

Disponível em: <http://www.rolandoboldrin.com.br/causos_aberto.asp?id=38&id_cat=1>. Acesso em: 02 out. 2017

 

1. É possível afirmar que o causo “O roubo do relógio” apresenta marcas de uma variedade linguística específica? Explique sua resposta.

 

2. Retire do causo trechos ou expressões que comprovem essa variedade linguística.

 

3. Reescreva os trechos abaixo na forma padrão da língua.

a)“Dotô. Vê, ansim com os óio, eu num posso dizê que vi.”

b)“Óia, dotô... num vô falá que vi ele fazê isso, mas todo mundo no arraiá sabe que ele róba mêmo, uai.”

c)“Num carece de vê, dotô! Todo mundo sabe que ele róba. Pode preguntá pra cidade intêra.” d)“Qué dizê intão que eu tenho que devorvê o relógio?”

 

4. No gênero Causo, há alguns elementos que tornam o texto engraçado. Em sua opinião, o que causa o humor neste texto?

 

5. Os causos são narrativas que apresentam, de forma bem delimitada, os elementos da narrativa, sendo assim, identifique alguns desses elementos:

A) Personagens

B) Espaço

C) Conflito Gerador

 

6. Sabe-se que uma palavra pode ser usada com diferentes sentidos, além do significado apresentado no dicionário. Sendo assim, releia o trecho “O que ele vê na frente dele, ele passa a mão na hora” e responda:

a) Pesquise no dicionário o significado da palavra “passar”. 

b) Agora responda: qual o significado da expressão “passa a mão” destacada no trecho citado?

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