ATIVIDADES - O MENINO QUE CAIU NO BURACO – CAPITULO I – BORBOLETA AZUL
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2. O menino se sentia culpado ao comer, por quê?
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3. Qual a explicação médica para o fato de o pai do menino ficar na cama?
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4. O menino não teria as duas primeiras aulas, por que mesmo assim ele saiu cedo?
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5. O que ele encontrou no caminho?
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6. O menino conhecia o lugar, seu pai o levava lá para fazer o quê?
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7. O pai do menino o ensinou a voar de que maneira?
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8. O que a mãe do menino dizia para ele não entrar na antiga fábrica?
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9. O que o menino viu quando estava na pequena clareira?
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10. Onde o menino caiu?
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• Borboleta azul
O menino acordou cedo para ir à aula. Muito cedo. O galo cacarejava nos fundos da casa. Pela janela do quarto podia ver o sol despontando atrás das montanhas. O dia prometia ser lindo, com o céu de inverno muito azul e quase sem nuvens, os passarinhos cantando e o cheiro da cerca de eucaliptos que seu pai plantara havia muito tempo.
O menino tinha treze anos, mas já sabia que um dia bonito não queria dizer nada. Em dias bonitos também aconteciam coisas ruins, porque a natureza não podia ficar prestando atenção à vida das pessoas.
Custou a sair da cama. Tinha a forte impressão de que nada de bom ia acontecer depois que fizesse isso. Seria melhor continuar ali, afundando cada vez mais para debaixo dos cobertores, com as pernas dobradas e as duas mãos entre elas, naquele mundo quente, escuro e quieto.
O grito da mãe o acordou de verdade. Pulou da cama, vestiu o uniforme do colégio às pressas, pegou a mochila, que já estava arrumada, calçou os tênis ainda sujos da lama das chuvas da semana anterior e correu para o banheiro.
Sua mãe já colocara o copo de café com leite e os biscoitos em cima da mesa da cozinha. Ela estava como sempre: os cabelos desgrenhados, as rugas profundas, os olhos inchados de uma noite maldormida, vestindo aquele roupão ensebado amarrado na cintura por um pedaço de corda de varal.
A mãe apontou um pequeno embrulho sobre a mesa, dentro de um saco plástico. Era o lanche. Ele o colocou dentro da mochila. Precisava dele. Passava quase o dia todo fora e na escola não davam comida. Mas sentia-se culpado: cada pão, cada grão de feijão, cada pedaço de carne que ele comia vinha do trabalho da mãe, lavando e passando, de manhã até a noite, as roupas dos turistas que vinham se divertir nos sítios do outro lado do rio.
O pai não tinha ido embora, abandonado a família, se acabado com bebida, sumido no mundo, nada disso. O pai do menino vivia lá no quarto, na cama. E não estava nem doente do corpo.
Tinha sido um marceneiro muito bom, com muitos clientes. Fazia móveis, prateleiras, armários, escadas, sabia montar toda a armação de um telhado e chegou a fazer um chalé inteiro de madeira. Conhecia o nome das árvores, tinha uma bolsa de couro cheia de ferramentas bem tratadas, procurava deixar tudo perfeito e usava uns óculos de lentes muito grossas, de tanto que se preocupava com os pequenos detalhes.
Naquele tempo o menino sentia muito orgulho do pai. Aos sábados, ia na garupa da bicicleta, com a bolsa das ferramentas no colo, ajudar nos serviços. Todos tratavam seu pai com muito respeito. Era um homem sério, que trabalhava calado e em silêncio. Chegava a pedir que desligassem um rádio, por exemplo, porque precisava “ouvir” a madeira. Quando alguém reclamava que assim, sem distração, o trabalho pesava mais, ele dizia que era só questão de se acostumar.
— O silêncio primeiro é um problema, depois uma solução — falava ele.
O menino gostava muito das frases do pai.
Mas agora o pai vivia na cama. Havia quase um ano. Ninguém sabia o que estava acontecendo. Sem forças para trabalhar. Os médicos alegavam que ele não tinha nada, que se quisesse poderia levantar e fazer as coisas, mas o problema era que ele não queria. Depois de um longo período sem trabalho, ele simplesmente desistiu e ficou no quarto.
O menino lembrava de uma noite, quando o pai chegou da vila e sentou na cadeira da varanda, olhando os vaga-lumes. Lembrava da mãe perguntando o que havia acontecido, e o pai repetindo:
— Muito barulho. Muito barulho.
No dia seguinte, não saiu da cama.
Tiveram de vender as ferramentas melhores, para comprar comida.
Se alguém entrasse no quarto e perguntasse o que estava sentindo, a resposta era sempre a mesma:
— Estou triste.
E depois o silêncio.
Agora ninguém falava mais sobre isso naquela casa.
O menino botou a mochila nas costas e saiu sem dizer nada.
Havia muito tempo que naquela casa ninguém gostava de falar, muito menos de sorrir.
O dia estava mesmo bonito. O sol refletia no orvalho e o menino ia pisando pequenos arco- -íris na grama rala do caminho. Havia uma única nuvem, muito branca, sobre as montanhas, parecida com as bolas de algodão que ele tirava de dentro dos vidros de remédio que davam para o seu pai, mas que não adiantavam nada.
A escola ficava a três quilômetros de distância e ele normalmente levava uma meia hora até lá, porém naquele dia estava sem pressa nenhuma. Não teria as duas primeiras aulas. Podia até ter continuado na cama. Mas a verdade é que qualquer coisa era melhor do que ficar em casa.
A primeira parte do caminho eram duas faixas de barro paralelas que cortavam o mato ralo de um pasto, feitas pelas rodas das charretes e dos carros de boi. Por ali se chegava a uma estrada mais larga, de barro socado e cheia de buracos, em que às vezes passava algum automóvel, porém o mais comum era o menino andar até a escola sem cruzar com ninguém.
O pasto continuava do outro lado da estrada, onde uma trilha estreita levava a uma fábrica de panelas de barro.
A fábrica já não funcionava. Estava parada havia muitos anos. Diziam que o lugar era assombrado. Vários bois e cavalos foram encontrados mortos no pasto em volta, com marcas de garras afiadas no pescoço. Logo espalharam que por ali vivia um lobisomem e a fábrica acabou abandonada.
O menino costumava ir bem distraído. Seus pensamentos chegavam à escola mais cedo do que ele… o dever de casa feito às pressas, uma lição mal decorada, a menina da outra turma que ele queria que gostasse dele, a nota da prova de matemática… nunca prestava atenção no caminho. Mas naquele dia, como estava mesmo sem pressa, ia observando uma grande borboleta azul que o acompanhava.
A borboleta não virou à direita, em direção à escola. Ela atravessou a estrada e o menino achou uma boa ideia fazer o mesmo.
A escola só abriria dali a umas duas horas. Podia dar um passeio. Aproveitar aquela manhã ensolarada. Passaria pela antiga fábrica, atravessaria a pinguela sobre o ribeirão e alcançaria a estrada, lá do outro lado. Uma hora de caminhada, no máximo. E ele conhecia bem o lugar. Seu pai o levara por ali algumas vezes, quando era criança, para pescar os cascudos que saíam de debaixo das pedras depois das chuvas.
O menino continuou em frente. A borboleta azul desapareceu logo depois.
Era o mesmo pasto, mas agora não se via nem um só cavalo ou boi. Um bando de maritacas passou voando, depois o silêncio voltou. O silêncio lembrava o seu pai.
Andou por meia hora, até avistar as paredes caídas da velha fábrica de panelas de barro. Haviam tirado as telhas, as portas e as janelas; os caibros apodreceram; o vento derrubara os tijolos, que se desfaziam. Agora o mato crescia entre as ruínas e a construção aos poucos voltava a ser terra.
A única coisa que resistia ao tempo era o grande forno de barro, no centro do terreiro. Parecia uma casa de cupins gigante, com uma pequena abertura na frente, como uma gruta. Quando era pequeno, seu pai o colocou lá em cima e o fez pular em seus braços. O menino custou muito a tomar coragem, mas por fim se jogou, de braços abertos. Depois, disse para os amigos que seu pai o ensinara a voar.
Havia muito tempo não passava por ali e resolveu olhar o forno, onde colocavam as panelas para assar e endurecer o barro. Por dentro era muito largo, oco e escuro, ainda preto de fuligem. Sua mãe não queria que ele passasse por ali e o assustava, dizendo que o lobisomem dormia dentro daquele forno.
O menino jogou uma pedra lá dentro. Ela quicou nas paredes de barro e o vazio produziu um eco triste. Ouviu um barulho a suas costas e se virou. Viu alguma coisa se mexer perto das ruínas da fábrica. Um bicho peludo saiu dos escombros e sumiu no mato.
Devia ser um gambá ou um gato. Foi ver mais de perto.
Contornou as paredes desabadas e, mais adiante, voltou a ver o mato se mexer. O capim estava alto, mas não resistiu à curiosidade e avançou alguns passos.
O bicho continuava sempre a sua frente. Podia ver seus movimentos pelo mato, afastando-se um pouco quando o menino o perseguia, parando quando ele parava.
Um pouco adiante, abriu-se uma pequena clareira, com uma grama rala queimada de sol sobre pequenos montes de terra revolvida. Ao lado, um galho partido, muito comprido, ainda com algumas folhas, ressecadas.
O menino viu o vulto do animal peludo passar atrás de uma goiabeira. Pareceu maior do que havia imaginado. Talvez um cachorro. Ficou com medo, mas mesmo assim deu um passo à frente.
A terra sob o seu pé cedeu.
Ele esticou os braços, tentando segurar alguma coisa, e arranhou as mãos. Os braços bateram com força no barro duro, um pedaço de pau rasgou seu cotovelo esquerdo e os dois pés desceram. O chão se abriu embaixo dele. Paredes de terra cresceram a sua volta, o corpo girou, sentiu uma forte pancada na nuca, o peito ralou com força no barro, as pernas rasparam em pedras enquanto caía. As mãos agarraram um pedaço de raiz. O corpo parou por alguns segundos, pendurado. Gritou. Ouviu o eco na escuridão. A raiz partiu-se, ele girou e bateu de costas no fundo do buraco, com toda a força.
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