A MENSAGEM NA GARRAFA
Como outros escritores veteranos recebo
muitas obras de estreantes. Livros de contos, de poesia, crônicas, um ou outro
romance; edições modestas, precárias até, várias delas obviamente pagas pelos
próprios autores ─ é difícil arranjar editora quando se está começando. Sempre
que posso mando algumas linhas para o remetente, ao menos para dizer que o
livro chegou e que, se possível, vou lê-lo. Faço isso porque lembro o jovem
escritor que fui, a ansiedade com que procurava fazer chegar meus textos às
mãos de pessoas que conhecia e admirava. Esses dias recebi de um contista do
Nordeste uma carta em que ele me agradece o fato de lhe ter respondido. E diz:
“O difícil não é a gente escrever; difícil, mesmo, é encontrar alguém que leia
o que a gente escreve. Pior do que não ter a quem contar o que a gente sente é
contar o que a gente sente a quem não sente o que a gente conta.”
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Nestas frases está todo o drama da
incomunicabilidade humana. Todos nós temos os nossos sofrimentos, as nossas
angústias; todos nós queremos expressar essas coisas sob a forma de palavras,
faladas ou, como acontece em alguns caos, escritas. Se há talento nisso, se o
desabafo se transforma em literatura, é outra questão. O ponto crucial é que
temos mensagens a transmitir, precisamos transmiti-las e não sabemos se alguém
vai recebê-las. Aí se aplica a clássica metáfora do náufrago na ilha deserta
que escreve um bilhete, e coloca-o numa garrafa e joga-a ao mar. Essa garrafa
chegará a alguém? E esse alguém fará alguma coisa pelo náufrago? Ou estará o
potencial salvador tão envolvido com seus próprios problemas que jogará fora
garrafa e bilhete? Nós temos, sim, a capacidade de entender o outro, de
corresponder a seu anseio. Chama-se empatia isso. Mas a capacidade de ser
empático varia de pessoa a pessoa, e numa mesma pessoa varia com sua disposição
momentânea. Há momentos em que estamos dispostos a recolher a garrafa da areia
da praia e ler a mensagem que ali está. E, em outros momentos, passamos pela
mesma garrafa e a vemos como prova de que as pessoas jogam lixo em qualquer
lugar.
***
Os escritores não estão imunes a essas
dúvidas e ansiedades. Ninguém escreve para a gaveta; todo mundo escreve para
ser lido. Não necessariamente por multidões; cem leitores já me bastariam,
dizia o grande Flaubert, que hoje é lido por milhões. Franz Kafka , um dos
escritores mais revolucionários do século XX, tinha um público muito reduzido;
conta-se que, quando foi publicada uma de suas obras, ele perguntou numa livraria
próxima à sua casa quantos exemplares haviam sido vendidos. Onze, foi a
resposta do livreiro. “Dez fui eu que comprei”, replicou Kafka, acrescentando:
“Eu só queria saber quem foi o décimo primeiro.” Ao morrer (ainda jovem, de
tuberculose), Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse os originais ainda
inéditos: era coisa que não valia a pena. Brod não atendeu a esse pedido e a
humanidade lhe agradece: graças a ele, temos acesso a uma obra extraordinária.
[...] Só vivemos realmente se contraímos
laços com outras pessoas, e para estabelecer esses laços usamos a palavra
falada ou escrita. É a nossa mensagem na garrafa. Só resta esperar que as
mensagens cheguem a seu destino.
SCLIAR, Moacyr. Contos e crônicas
para ler na escola.Rio de Janeiro: Objetiva, 2011
1 - Transcreva do primeiro
parágrafo uma frase em que há
a) uma comparação
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b) uma opinião
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c) uma condição
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2 - Segundo o cronista, o que
todos nós desejamos? (segundo parágrafo)
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3 - Qual a definição de empatia
presente no texto?
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4 - A que se refere o termo
destacado em “E, em outros momentos, passamos pela mesma garrafa e a vemos como
prova de que as pessoas jogam lixo em qualquer lugar” ?
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5 – No trecho que se segue,
marque a causa: “Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse os originais ainda
inéditos: era coisa que não valia a pena”.
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6 – Retire do texto um trecho que
explicita o diálogo com o leitor.
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