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sábado, 15 de abril de 2017

CRÔNICA A MENSAGEM NA GARRAFA 9º ANO RIO

A MENSAGEM NA GARRAFA
     Como outros escritores veteranos recebo muitas obras de estreantes. Livros de contos, de poesia, crônicas, um ou outro romance; edições modestas, precárias até, várias delas obviamente pagas pelos próprios autores ─ é difícil arranjar editora quando se está começando. Sempre que posso mando algumas linhas para o remetente, ao menos para dizer que o livro chegou e que, se possível, vou lê-lo. Faço isso porque lembro o jovem escritor que fui, a ansiedade com que procurava fazer chegar meus textos às mãos de pessoas que conhecia e admirava. Esses dias recebi de um contista do Nordeste uma carta em que ele me agradece o fato de lhe ter respondido. E diz: “O difícil não é a gente escrever; difícil, mesmo, é encontrar alguém que leia o que a gente escreve. Pior do que não ter a quem contar o que a gente sente é contar o que a gente sente a quem não sente o que a gente conta.”

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    Nestas frases está todo o drama da incomunicabilidade humana. Todos nós temos os nossos sofrimentos, as nossas angústias; todos nós queremos expressar essas coisas sob a forma de palavras, faladas ou, como acontece em alguns caos, escritas. Se há talento nisso, se o desabafo se transforma em literatura, é outra questão. O ponto crucial é que temos mensagens a transmitir, precisamos transmiti-las e não sabemos se alguém vai recebê-las. Aí se aplica a clássica metáfora do náufrago na ilha deserta que escreve um bilhete, e coloca-o numa garrafa e joga-a ao mar. Essa garrafa chegará a alguém? E esse alguém fará alguma coisa pelo náufrago? Ou estará o potencial salvador tão envolvido com seus próprios problemas que jogará fora garrafa e bilhete? Nós temos, sim, a capacidade de entender o outro, de corresponder a seu anseio. Chama-se empatia isso. Mas a capacidade de ser empático varia de pessoa a pessoa, e numa mesma pessoa varia com sua disposição momentânea. Há momentos em que estamos dispostos a recolher a garrafa da areia da praia e ler a mensagem que ali está. E, em outros momentos, passamos pela mesma garrafa e a vemos como prova de que as pessoas jogam lixo em qualquer lugar.

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    Os escritores não estão imunes a essas dúvidas e ansiedades. Ninguém escreve para a gaveta; todo mundo escreve para ser lido. Não necessariamente por multidões; cem leitores já me bastariam, dizia o grande Flaubert, que hoje é lido por milhões. Franz Kafka , um dos escritores mais revolucionários do século XX, tinha um público muito reduzido; conta-se que, quando foi publicada uma de suas obras, ele perguntou numa livraria próxima à sua casa quantos exemplares haviam sido vendidos. Onze, foi a resposta do livreiro. “Dez fui eu que comprei”, replicou Kafka, acrescentando: “Eu só queria saber quem foi o décimo primeiro.” Ao morrer (ainda jovem, de tuberculose), Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse os originais ainda inéditos: era coisa que não valia a pena. Brod não atendeu a esse pedido e a humanidade lhe agradece: graças a ele, temos acesso a uma obra extraordinária.
    [...] Só vivemos realmente se contraímos laços com outras pessoas, e para estabelecer esses laços usamos a palavra falada ou escrita. É a nossa mensagem na garrafa. Só resta esperar que as mensagens cheguem a seu destino.
 
SCLIAR, Moacyr. Contos e crônicas para ler na escola.Rio de Janeiro: Objetiva, 2011


1 - Transcreva do primeiro parágrafo uma frase em que há
a) uma comparação
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b) uma opinião

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c) uma condição
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2 - Segundo o cronista, o que todos nós desejamos? (segundo parágrafo)
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3 - Qual a definição de empatia presente no texto?
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4 - A que se refere o termo destacado em “E, em outros momentos, passamos pela mesma garrafa e a vemos como prova de que as pessoas jogam lixo em qualquer lugar” ?
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5 – No trecho que se segue, marque a causa: “Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse os originais ainda inéditos: era coisa que não valia a pena”.
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6 – Retire do texto um trecho que explicita o diálogo com o leitor.
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