Antes de ler
1 Você gosta de viajar? Conhece alguém que sempre
quis viajar e nunca conseguiu? Por quê?
Resposta pessoal
2 Há algum lugar que gostaria de conhecer?
Resposta pessoal
3 Já viveu algum acontecimento estranho ou engraçado
durante uma viagem ou um passeio?
Resposta pessoal
Moacyr Scliar é
reconhecido como um dos bons contistas brasileiros. Leia o conto a seguir e
observe os recursos que ele utiliza para caracterizar os personagens e conduzir
o leitor a um final inesperado.
Durante a leitura
do texto, procure descobrir o sentido das palavras desconhecidas pelo contexto
em que elas aparecem. Se for preciso, consulte o dicionário.
F de Frustração
Viajar, para
muitos, é a grande realização; não viajar, para muitos, é a
grande frustração.
Havia um casal
que tinha uma inveja terrível dos amigos turistas - especialmente dos que
faziam turismo no exterior: Ele, pequeno funcionário de uma grande firma, ela,
professora primária, jamais tinham conseguido juntar o suficiente para viajar.
Quando dava para as prestações das passagens não chegava para os dólares, e
vice-versa; e assim, ano após ano, acabavam ficando em casa. Economizavam,
compravam menos roupa, andavam só de ônibus, comiam menos - mas não conseguiam
viajar para o exterior. Às vezes passavam uns dias na praia. E era tudo.
Contudo, tamanha
era a vontade que tinham de contar para os amigos sobre as maravilhas da Europa,
que acabaram bolando um plano. Todos os anos, no fim de janeiro, telefonavam
aos amigos: estavam se despedindo, viajavam para o Velho Mundo. De fato, alguns
dias depois começavam a chegar postais de cidades europeias, Roma, Veneza,
Florença; e ao fim de um mês eles estavam de volta, convidando os amigos para
verem os slides da viagem. E as coisas interessantes que contavam! Até
dividiam os assuntos: a ele cabia comentar os hotéis, os serviços aéreos, a
cotação das moedas, e também o lado pitoresco das viagens; a ela tocava o lado
erudito: comentários sobre os museus e locais históricos, peças teatrais que
tinham visto. O filho, de dez anos, não contava nada, mas confirmava tudo; e
suspirava quando os pais diziam:
- Como fomos
felizes em Florença!
O que os amigos
não conseguiam descobrir era de onde saíra o dinheiro para a viagem; um, mais
indiscreto, chegou a perguntar. Os dois sorriram, misteriosos, falaram numa
herança e desconversaram.
Depois é que
ficou se sabendo.
Não viajavam
coisa alguma. Nem saíam da cidade. Ficavam trancados em casa durante todo o mês
de férias. Ela ficava estudando os folhetos das companhias de turismo, sobre -
por exemplo - a cidade de Florença: a história de Florença, os museus de
Florença, os monumentos de Florença. Ele, num pequeno laboratório fotográfico,
montava slides, em que as imagens deles estavam superpostas a imagens de
Florença. Escrevia os cartões-postais, colava neles selos usados com carimbos
falsificados. Quanto ao menino, decorava as histórias contadas pelos pais para
confirmá-las se necessário.
Só saíam de casa
tarde da noite. O menino, para fazer um pouco de exercício; ela, para fazer
compras num supermercado distante; e ele, para depositar nas caixas de
correspondência dos amigos os postais.
Poderia ter
durado muitos e muitos anos, esta história. Foi ela quem estragou tudo. Lá
pelas tantas, cansou de ter marido pobre, que só lhe proporcionava excursões
fingidas. Apaixonou-se por um piloto, que lhe prometeu muitas viagens, para os
lugares mais exóticos. E acabou pedindo divórcio.
Beijaram-se pela
última vez ao sair do escritório do advogado.
- A verdade -
disse ele - é que me diverti muito com a história toda.
- Eu também me
diverti muito - ela disse.
- Fomos muito
felizes em Florença - suspirou ele.
- É verdade - ela
disse, com lágrimas nos olhos. E prometeu-se que nunca
mais iria a Florença.
SCLIAR, Moacyr. Dicionário do viajante insólito. Porto
Alegre L&PM, 1995 p. 29-31 ©
Herdeiros de Moacyr Schar
1. O livro Dicionário do viajante insólito, em que se
insere esse conto, é composto de várias histórias e apontamentos de um pretenso
viajante. Como você associa o nome do conto ao do livro?
Como no título está escrito
dicionário é de se esperar que os contos e apontamentos sejam organizados em
ordem alfabética.
2. Qual
é o assunto do conto? Explique.
É a história de um casal que tinha
vontade de viajar, mas não possuía condições financeiras. Com inveja dos
amigos, o casal elabora um plano: finge as viagens de férias, contando as
histórias para os amigos e até enviando a eles cartões-postais.
3. O
que motivava o estranho comportamento do casal?
A vontade de viajar e de
impressionar os amigos.
4. Um conto
tem poucos personagens, espaço e tempo restritos e um só conflito.
a) Qual é o conflito do conto?
A imensa vontade de viajar e não ter
dinheiro para tal.
b) O tempo é restrito no conto? Por que o autor teria feito
essa opção?
Não. A história abrange um tempo
mais longo para que o narrador acompanhe fatos que se repetiram durante anos.
5. Agora,
analise os personagens do conto.
a) Como o narrador se refere a eles?
O narrador
se refere a seus personagens tratando-os por ele, ela, e o menino (ou filho).
b) Em
sua opinião, por que isso ocorre?
Resposta pessoal
6. Um
conto se organiza em torno de um enredo. Localize os fatos que acontecem em
cada uma das partes a seguir.
a) Introdução
O narrador apresenta o casal e fala
da vontade deles de viajar pelo mundo.
b) Ponto de mudança
O casal resolve por em pratica um
plano.
c) Desenvolvimento
O casal e o filho ficam escondidos
em casa preparando-se para impactar os amigos com suas recordações de viagem; a
mulher estuda pontos turísticos das cidades para onde viajariam; o marido
prepara slides com imagens da viagem e falsifica selos para colocar nos cartões-postais;
o filho apenas confirma aas historias contadas pelos pais; terminadas as férias inventadas , o casal retorna e
chama os amigos para contar suas aventuras nas cidades que fingiram visitar.
d) Desfecho
A mulher se apaixona por um piloto de
avião que lhe promete viagens reais. Então separa-se do marido e termina a
farsa..
7. Você
acha que o desfecho do conto surpreende o leitor? Por quê?
Resposta pessoal.
8. Como
você entendeu a última frase do conto?
Resposta pessoal.
9. O
narrador apenas narra a história ou participa dela?
Apenas narra a história, sem ter
participação alguma nos acontecimentos expostos.
10. Ao final de cada página das
histórias que constam no livro Dicionário do viajante insólito, o autor
cita uma reflexão sobre viagens e o nome de quem a teria feito. Leia, a seguir,
algumas delas e comente com o professor e os colegas aquela que você considera
a que melhor se relaciona ao conto que você leu.
a) Viajar é conversar com os séculos. (Descartes)
b) viajar não é necessário, a não ser para imaginações
limitadas. (Colette)
c) O turista não chega a conhecer as pessoas. Ele julga um
lugar pelas diversões que oferece. (André Maurois)
d) Só começamos a gostar de uma viagem três semanas depois
de ter voltado. (George Ade)
10. resposta pessoal.