CRÔNICA O MATO
RUBEM BRAGA 9º ANO RIO 18
O mato
Veio o
vento frio, e depois o temporal noturno, e depois da lenta chuva que passou
toda a manhã caindo e ainda voltou algumas vezes durante o dia, a cidade
entardeceu em brumas. Então o homem esqueceu o trabalho e as promissórias,
esqueceu a condução e o telefone e o asfalto, e saiu andando lentamente por
aquele morro coberto de um mato viçoso, perto de sua casa. O capim cheio de
água molhava seu sapato e as pernas da calça; o mato escurecia sem vaga-lumes
nem grilos.
Pôs a mão no
tronco de uma árvore pequena, sacudiu um pouco, e recebeu nos cabelos e na cara
as gotas de água como se fosse uma benção. Ali perto mesmo a cidade murmurava,
estava com seus ruídos vespertinos, ranger de bondes, buzinar impacientes de
carros, vozes indistintas; mas ele via apenas algumas árvores, um canto de
mato, uma pedra escura. Ali perto, dentro de uma casa fechada, um telefone
batia, silenciava, batia outra vez, interminável, paciente, melancólico.
Alguém, com certeza já sem esperança, insistia em querer falar com alguém.
Por um instante, o homem voltou seu pensamento
para a cidade e sua vida. Aquele telefone tocando em vão era um dos milhões de
atos falhados da vida urbana. Pensou no desgaste nervoso dessa vida, nos
desencontros, nas incertezas, no jogo de ambições e vaidades, na procura de
amor e de importância, na caça ao dinheiro e aos prazeres. Ainda bem que de
todas as cidades do mundo o Rio é a única a permitir a evasão fácil para o mar
e a floresta. Ele estava ali num desses limites entre a cidade dos homens e a
natureza pura; ainda pensava em seus problemas urbanos – mas um camaleão correu
de súbito, um passarinho piou triste em algum ramo, e o homem ficou atento
àquela humilde vida animal e também à vida silenciosa e úmida das árvores, e à
pedra escura, com uma pele de musgo e seu misterioso coração mineral.
E pouco a
pouco ele foi sentindo uma paz naquele começo de escuridão, sentiu vontade de
deitar e dormir entre a erva úmida, de se tornar um confuso ser vegetal, num
grande sossego, farto de terra e de água; ficaria verde, emitiria raízes e
folhas, seu tronco seria um tronco escuro, grosso, seus ramos formariam copa
densa, e ele seria, sem angústia nem amor, sem desejo nem tristeza, forte,
quieto, imóvel, feliz.
Rubem Braga BRAGA, Rubem. O lavrador de Ipanema. Rio de Janeiro:
Record, 2003.
1- No primeiro parágrafo existem trechos que marcam a
passagem do tempo, explicitam espaço e modo. Transcreva-os.
Tempo__________________________________________________________
Espaço_________________________________________________________
Modo__________________________________________________________
2- Em que parte do dia se passa a crônica? Justifique sua
resposta com um trecho do texto:
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3- Qual a causa de o homem ter recebido gotas de água na
cara e nos cabelos? (2º. parágrafo)
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4- Que características humanas foram dadas ao telefone, no
segundo parágrafo?
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5- Qual o sentido dos termos “ atos falhados” no terceiro
parágrafo?
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6- A que se referem, no terceiro parágrafo, as palavras:
desencontros, incertezas, jogo de ambições, procura de amor etc?
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7- De acordo com o texto, o que faz o Rio ser diferente de
outras cidades?
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8- Que termos são usados pelo cronista para fazerem oposição
à “natureza pura”, no terceiro parágrafo?
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9- O que permitiu ao homem ir se sentindo pouco a pouco em
paz? Que trecho do texto ratifica essa afirmação?
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10- Qual o tema do texto?
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