VARIAÇÃO LINGUÍSTICA:
VARIEDADES REGIONAIS
FONTE: COSTA, Cibele Lopresti,
Geração Alpha Língua portuguesa: ensino fundamental: anos finais: 6ºano-2ª ed.
- São Paulo: Edições SM, 2018. PAG. 50
OS DOIS PAPUDOS
Ruth Guimarães
Vivia numa
povoação um alegre papudo, estimado de todos, muito folgazão e boêmio. Não o
impedia o papo de soltar grandes risadas. Pouco se lhe dava que o achassem
feio, ou o chamassem de papudo. A verdade é que o tal papo o incomodava, mas o
que não tem remédio remediado está, filosofava ele. E vamos tocar viola, e
vamos amanhecer nos fandangos, viva a alegria, minha gente, que se vive uma vez
só.
Certo dia, foi
ao povoado vizinho, a uma festa de casamento, levando embaixo do braço a
inseparável viola. Demorou mais que de costume, bebeu uns tragos a mais, porém
não deixou de voltar para casa, pois era tão trabalhador quanto festeiro, e
tinha que pegar no serviço no outro dia bem cedo.
Havia luar. Num
grande estirão avistava a estrada larga, as touceiras de mato. Passava o gambá
por perto dele, e o tatu, roncando, e voava baixo, silenciosamente, a corujinha
campeira. O papudo não sentia medo. Andava em paz com Deus e com os Homens. Os
animais, que adivinham nele um homem de coração compassivo, também não tinham
medo dele.
De repente, ao
virar numa curva, viu embaixo da figueira brava, ramalhuda, uma roda de anões
cantando. Todos com capuzes vermelhos, cachimbo com a brasa luzindo, a barba
branca comprida, descendo até a altura do peito.
-- O que será aquilo?
Por um instante
teve algum temor. Mas era tarde para fugir. Os foliões já o tinham visto. E, se
se tratava de festa, isto era com ele. Saltou decidido para o meio da roda,
empunhando a viola.
-- Eu também
sei cantar.
Enquanto
pinicava as cordas, prestava atenção às palavras dos dançarinos. Eles entoavam:
Segunda, terça
Quarta,
quinta...
E tornavam ao
começo:
Segunda, terça
Quarta,
quinta...
E assim sempre,
numa musiquinha muito cacete. Acostumado aos desafios, a improvisar, o papudo
esperou a sua deixa. Assim que os anões começaram:
Segunda, terça
Quarta,
quinta...
Ele emendou:
Sexta, sábado
Domundo também.
A roda pegou
fogo. Os pequenos duendes barbudos gostaram da novidade. Rodopiavam cantando
numa animação delirante, e foi assim a noite toda. E o papudo tocando e
dançando.
De madrugada, ao
primeiro cantar do galo, a roda se desfez. O mais velho deles, e que parecia o
chefe, perguntou-lhe:
-- Que é que
você quer, em paga de ter tocado para nós?
-- Eu até que
me diverti com esta festa - replicou o papudo.
-- Mas peça qualquer coisa.
-- Posso pedir
seja o que for?
-- Pode.
-- Eu queria -
disse ele, meio hesitante - queria me ver livre deste papo, que me incomoda
muito.
Um anãozinho
agarrou o papo com as duas mãos, subiu pelo peito do papudo, firmou bem os pés,
deu um arrancão.
O papudo fechou
os olhos.
-- Agora eles me
matam.
De repente
sentiu o pescoço leve. Abriu os olhos. Os anõezinhos tinham sumido. Não ouviu
mais nada. Meio cinzento, despontava o dia.
"Sonhei", pensou ele. "Bebi
demais naquele casamento."
Passou a mão
pelo pescoço, estava liso, sem excrescência nenhuma.
"Agora
fiquei mais bonito", pensou também, muito satisfeito.
E aí deu com o
papo jogado em cima do cupim.
Agarrou a viola e foi para casa.
Imagine-se a
sensação que não foi, o papudo amanhecer, sem mais nem menos, sem o papo.
-- Que milagre
foi esse? - perguntavam.
Papudo ria,
papudo cantava, continuava folgazão como sempre, mas não contava a aventura, de
medo que o chamassem de louco, e não acreditassem.
Esse moço tinha
um compadre, que também era papudo.
E tanto apertou
o amigo, e tanto falou:
-- Eu também
quero me ver livre desse aleijão. Quero ficar bonito, e arranjar uma namorada.
Você não é amigo.
Foi assim, até
que o moço lhe contou tudo.
O outro encarou,
incrédulo.
-- Verdade?
-- Verdade.
-- O anão falou
que você podia pedir o que quisesse?
-- Falou.
-- E você em vez
de pedir riquezas, pediu para ficar sem o papo?
-- Ora, pobreza
não me incomoda, mas o papo incomodava.
-- Mas você é
louco. Você é um burro. Pedisse riqueza. Quem é rico, que é que tem o papo?
Quem se incomoda com papo? Eu, se fosse rico, me casaria com uma mulher bonita,
do mesmo jeito. Você é bobo. Onde é
esse lugar, onde você encontrou os fantasmas?
O outro
preveniu:
-- Compadre,
você vai lá com esganação, vai ofender os anõezinhos, e ainda se arrepende.
-- Nada disso.
Você o que é, é um egoísta. Está formoso, que se danem os outros.
Aí o moço
encolheu os ombros e falou:
-- Sua alma, sua
palma. Vá lá, depois não se queixe.
Ensinou onde
era, o compadre invejoso agarrou a viola e foi, noite alta, direitinho como o
outro tinha feito. Também era noite de luar. Também dançou a noite inteira,
cantando. Ao primeiro cantar do galo a roda se desfez.
-- Que é que
você quer, em paga de ter tocado para nós?
O papudo deu uma
piscadela maliciosa para o anão e falou, esfregando o indicador e o polegar, no
gesto clássico, que significa dinheiro:
-- Eu quero aquilo
que o meu compadre não quis.
Um anãozinho foi
ao cupim, tirou o papo do outro que estava lá, e grudou em cima do papo do
invejoso.
E assim, por sua
louca ambição, ele ficou com dois papos.
GUIMARÃES, Ruth (org.). Lendas e fábulas
do Brasil, 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1972.
1. Leia o trecho a seguir, retirado do conto "Os dois
papudos".
“Enquanto pinicava as cordas, prestava atenção às palavras
dos dançarinos.
Eles entoavam: Segunda, terça Quarta, quinta...”
a) Identifique nesse trecho uma expressão relacionada ao ato
de tocar viola.
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b) Considerando a situação apresentada no conto, o que essa
expressão significa?
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c) Reescreva a frase em que a expressão é utilizada,
substituindo-a pelo significado indicado na resposta do item b.
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d) Após a reescrita, que mudança é possível observar na
frase?
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e) Em sua opinião, por que essa expressão foi usada por quem
registrou o conto?
...............................................................................................................................
f) Que relação pode ser estabelecida entre a expressão e o
gênero conto popular?
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A língua
oficial do Brasil é o português, no entanto, isso não significa que todos os
brasileiros se expressam da mesma forma, pois as línguas podem mudar em função
das características de seus falantes e das situações de uso. A esse fenômeno
dá-se o nome de variação linguística.
Variação linguística é o fenômeno comum
a todas as línguas de apresentar variações em função da época, região, situação
de uso e das particularidades dos falantes. Essas variações podem ser
percebidas tanto na análise das escolhas das palavras e expressões como na
estrutura da frase e na pronúncia de alguns fonemas.
O conto popular
"Os dois papudos", por exemplo, registrou algumas expressões
tipicamente orais, utilizadas em determinada região do Brasil.
Variedade regional ocorre em função
da cultura dos falantes de uma região.
Do ponto de vista linguístico, não há uma variedade melhor
ou pior do que outra, ou uma mais correta. Qualquer falante é usuário
competente de sua língua materna. No entanto, é preciso apropriar-se das
variedades de maior prestígio social e saber empregar os diferentes modos de
falar e escrever adequados a cada situação de uso.
As variedades urbanas de prestígio estão
associadas ao modo de falar e escrever de uma comunidade que desfruta de maior
prestígio político, social e cultural. Apropriar-se delas pode ampliar as
oportunidades de ascensão social e participação cidadã.
Há ainda a norma-padrão, uma referência que
normatiza o uso da língua. Os manuais de gramática procuram descrever esse
modelo.
1. Leia a letra de música abaixo e responda às questões.
óia eu aqui de novo
óia eu aqui de novo, xaxando
óia eu aqui de novo, para xaxar
Vou mostrar pr’esses cabras
Que eu ainda dô no couro
Isso é um desaforo
Que eu não posso leva
óia eu aqui de novo, xaxando
óia eu aqui de novo, cantando
óia eu aqui de novo, mostrando
Como se deve xaxar
Vem cá morena bela, vestida de chita
Você é a mais bonita desse meu lugá
Vai chamá Maria, chamá Luzia
Vai chamá Zabé, chamá Raqué
Diz que tô aqui com alegria
Seja noite ou seja dia
(Eu tô aqui pra ensiná: xaxado)
Fonte: Musixmatch
Compositores: Antonio Barros Silva
a) Qual é o significado da palavra xaxado? Se necessário, procure no dicionário.
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b) Na primeira estrofe, o eu lírico revela um objetivo.
Qual?
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c) Que palavra da primeira estrofe está em desacordo com a
norma-padrão?
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d) Como essa palavra é registrada na norma-padrão?
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e) Qual é o efeito produzido pelo uso dessa expressão da
forma como aparece no texto?
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f) Cite um verso da música que caracteriza uma fala
regional.
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2. Leia o texto a seguir, escrito em 1911.
Brinquedos e cantos
infantis
Muitos dos pequenos leitores d'este Almanach, principalmente
os do sul, desconhecem alguns brinquedos e cantos infantis, commummente usados
no norte do paiz.
D'estes brinquedos grande parte tem musica propria mais ou
menos melodiosa, cantada em côro pelas creanças, que se munem para esse fim.
Muitos são antiquíssimos; remontam aos tempos coloniaes e foram trazidos pelos
portugueses que, como todos sabem, foram os descobridores e colonizadores do
Brazil.
Um dos mais antigos é, por certo, a Ciranda, tambem um dos mais conhecidos e populares.
Almanach do Tico-Tico, Rio de Janeiro, p. 45, 1911.
a) Quem era, provavelmente, o público leitor desse texto?
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b) Como você pôde observar no texto, a língua também varia
conforme a época. Identifique palavras do texto cuja grafia é diferente da
adotada atualmente.
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c) Imagine que você trabalha em uma revista e precisa editar
essa matéria para adequá-la à norma-padrão atual. Reescreva o texto fazendo as
adequações necessárias à nova situação de comunicação.
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1. Leia o trecho a
seguir.
Trezentas onças
—
Pois, amigo! Não lhe conto nada! Quando botei o
pé em terra na ramada da estância, ao tempo que dava as — boas-tardes! — ao
dono da casa, aguentei um tirão seco no coração... não senti na cintura o peso
da guaiaca!
Tinha perdido trezentas onças de ouro que
levava, para pagamento de gados que ia levantar.
E logo passou-me pelos olhos um clarão de
cegar, depois uns coriscos tirante a roxo... depois tudo me ficou cinzento,
para escuro...
Eu era
mui pobre — e ainda hoje, é como vancê sabe... —; estava começando a vida, e o
dinheiro era do meu patrão, um charqueador, sujeito de contas mui limpas e
brabo como uma manga de pedras...
Assim, de meio assombrado me fui
repondo quando ouvi que indagavam:
—
Então, patrício? Está doente?
—
Obrigado! Não, senhor, respondi, não é doença; é
que sucedeu-me uma desgraça: perdi uma dinheirama do meu patrão...
—
A la
fresca!...
— É verdade... antes morresse, que
isto! Que vai ele pensar agora de mim!...
— É uma dos diabos, é...; mas não se
acoquine, homem!
Nisto o cusco brasino deu
uns pulos ao focinho do cavalo, como querendo lambê-lo, e logo correu para a
estrada, aos latidos. E olhava-me, e vinha e ia, e tornava a latir...
Ah!... E num repente lembrei-me bem de tudo.
Parecia que estava vendo o lugar da
sesteada, o banho, a arrumação das roupas nuns galhos de sarandi, e, em cima de
uma pedra, a guaiaca e por cima dela o cinto das armas [...]; tudo, vi tudo.
Estava lá, na beirada do passo, a
guaiaca. E o remédio era um só: tocar a meia rédea, antes que outros andantes
passassem. [...]
João Simões Lopes Neto. Contos
gauchescos. Porto Alegre: Globo, 1976.
a) A que se refere a palavra onças no título? Se for necessário, pesquise o significado dela em
um dicionário.
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b) De que outra forma esse título poderia ser compreendido?
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2. No trecho lido, há muitas palavras e expressões
características de certa região do Brasil.
a) Liste as palavras e expressões que você não entendeu e
suponha um possível significado para elas com base no contexto.
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b) Se não conseguiu compreender o significado delas com base
no contexto, consulte um dicionário ou outra fonte.
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3. O conto está em
primeira pessoa. Quem narra é o protagonista.
a) A quem o protagonista está contando a história?
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b) Indique uma característica do protagonista. Justifique
sua resposta com um trecho do texto.
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c) Qual deve ser a profissão do protagonista?
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d) Em que região do país você supõe que ele viva? Que pistas
e elementos do texto possibilitam chegar a essa conclusão?
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4. Releia o trecho a
seguir.
— [...] Quando botei o pé
em terra na ramada da estância, ao tempo que dava as — boas-tardes! — ao dono
da casa, aguentei um tirão seco no coração... não senti na cintura o peso da
guaiaca!
a) O trecho procura
representar a maneira como a personagem fala. Que recursos são utilizados para
isso? Marque as alternativas corretas.
I. Emprego de registro
informal.
II. Pontuação que reforça a expressividade.
III. Ausência de pontuação.
IV. Emprego de registro formal.
V. Vocabulário erudito.
VI. Vocabulário característico da região de origem do conto.
b) Justifique as
alternativas selecionadas com trechos do texto.
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5. A expressão "tirão seco no coração" não
significa que a personagem levou um tiro de fato, mas que teve um sobressalto,
uma sensação de dor no peito provocada por um problema inesperado. O que
aconteceu com o protagonista que o deixou preocupado?
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6. Agora, releia outro trecho do texto.
Nisto o cusco brasino deu uns pulos ao focinho do cavalo,
como querendo lambê-lo, e logo correu para a estrada, aos latidos. E olhava-me,
e vinha e ia, e tornava a latir...
Ah!... E num repente lembrei-me bem de tudo.
a) Nesse trecho, o narrador descreve as ações do "cusco
brasino". Essa expressão refere-se a que animal?
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b) Que palavras ou expressões do texto permitem chegar à
conclusão de que "cusco brasino" se refere a esse animal?
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c) Qual foi a principal ação do "cusco brasino" no
texto?
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d) O termo cusco pode
ser considerado exemplo de variedade regional? Explique.
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7. Sobre os dois últimos parágrafos do trecho, responda às
seguintes questões.
a) Qual é a função da descrição do espaço feita pelo
narrador?
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b) O narrador consegue resolver o problema que o afligia?
Justifique sua resposta.
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O registro de
determinada variedade linguística pode
ter uma função fundamental
no texto literário quando corresponde à fala de uma personagem: ajudar a compor
suas características e apresentar informações sobre o grupo ao qual essa
personagem pertence.