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sexta-feira, 5 de junho de 2020

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA 6º ANO ALPHA



VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: VARIEDADES REGIONAIS
 FONTE: COSTA, Cibele Lopresti, Geração Alpha Língua portuguesa: ensino fundamental: anos finais: 6ºano-2ª ed. - São Paulo: Edições SM, 2018. PAG. 50


OS DOIS PAPUDOS
          

    Ruth Guimarães

        Vivia numa povoação um alegre papudo, estimado de todos, muito folgazão e boêmio. Não o impedia o papo de soltar grandes risadas. Pouco se lhe dava que o achassem feio, ou o chamassem de papudo. A verdade é que o tal papo o incomodava, mas o que não tem remédio remediado está, filosofava ele. E vamos tocar viola, e vamos amanhecer nos fandangos, viva a alegria, minha gente, que se vive uma vez só.
        Certo dia, foi ao povoado vizinho, a uma festa de casamento, levando embaixo do braço a inseparável viola. Demorou mais que de costume, bebeu uns tragos a mais, porém não deixou de voltar para casa, pois era tão trabalhador quanto festeiro, e tinha que pegar no serviço no outro dia bem cedo.
       Havia luar. Num grande estirão avistava a estrada larga, as touceiras de mato. Passava o gambá por perto dele, e o tatu, roncando, e voava baixo, silenciosamente, a corujinha campeira. O papudo não sentia medo. Andava em paz com Deus e com os Homens. Os animais, que adivinham nele um homem de coração compassivo, também não tinham medo dele.
       De repente, ao virar numa curva, viu embaixo da figueira brava, ramalhuda, uma roda de anões cantando. Todos com capuzes vermelhos, cachimbo com a brasa luzindo, a barba branca comprida, descendo até a altura do peito.
        -- O que será aquilo?
       Por um instante teve algum temor. Mas era tarde para fugir. Os foliões já o tinham visto. E, se se tratava de festa, isto era com ele. Saltou decidido para o meio da roda, empunhando a viola.
       -- Eu também sei cantar.
       Enquanto pinicava as cordas, prestava atenção às palavras dos dançarinos. Eles entoavam:
      Segunda, terça
      Quarta, quinta...
      E tornavam ao começo:
      Segunda, terça
      Quarta, quinta...
      E assim sempre, numa musiquinha muito cacete. Acostumado aos desafios, a improvisar, o papudo esperou a sua deixa. Assim que os anões começaram:
      Segunda, terça
      Quarta, quinta...
      Ele emendou:
      Sexta, sábado
      Domundo também.
      A roda pegou fogo. Os pequenos duendes barbudos gostaram da novidade. Rodopiavam cantando numa animação delirante, e foi assim a noite toda. E o papudo tocando e dançando.
      De madrugada, ao primeiro cantar do galo, a roda se desfez. O mais velho deles, e que parecia o chefe, perguntou-lhe:
       -- Que é que você quer, em paga de ter tocado para nós?
       -- Eu até que me diverti com esta festa - replicou o papudo.
       -- Mas peça qualquer coisa.
       -- Posso pedir seja o que for?
       -- Pode.
       -- Eu queria - disse ele, meio hesitante - queria me ver livre deste papo, que me incomoda muito.
      Um anãozinho agarrou o papo com as duas mãos, subiu pelo peito do papudo, firmou bem os pés, deu um arrancão.
      O papudo fechou os olhos.
      -- Agora eles me matam.
      De repente sentiu o pescoço leve. Abriu os olhos. Os anõezinhos tinham sumido. Não ouviu mais nada. Meio cinzento, despontava o dia.
       "Sonhei", pensou ele. "Bebi demais naquele casamento."
       Passou a mão pelo pescoço, estava liso, sem excrescência nenhuma.
       "Agora fiquei mais bonito", pensou também, muito satisfeito.
       E aí deu com o papo jogado em cima do cupim.
       Agarrou a viola e foi para casa.
       Imagine-se a sensação que não foi, o papudo amanhecer, sem mais nem menos, sem o papo.
      -- Que milagre foi esse? - perguntavam.
      Papudo ria, papudo cantava, continuava folgazão como sempre, mas não contava a aventura, de medo que o chamassem de louco, e não acreditassem.
      Esse moço tinha um compadre, que também era papudo.
      E tanto apertou o amigo, e tanto falou:
      -- Eu também quero me ver livre desse aleijão. Quero ficar bonito, e arranjar uma namorada. Você não é amigo.
      Foi assim, até que o moço lhe contou tudo.
      O outro encarou, incrédulo.
      -- Verdade?
      -- Verdade.
      -- O anão falou que você podia pedir o que quisesse?
      -- Falou.
      -- E você em vez de pedir riquezas, pediu para ficar sem o papo?
      -- Ora, pobreza não me incomoda, mas o papo incomodava.
      -- Mas você é louco. Você é um burro. Pedisse riqueza. Quem é rico, que é que tem o papo? Quem se incomoda com papo? Eu, se fosse rico, me casaria com uma mulher bonita, do mesmo jeito.     Você é bobo. Onde é esse lugar, onde você encontrou os fantasmas?
      O outro preveniu:
      -- Compadre, você vai lá com esganação, vai ofender os anõezinhos, e ainda se arrepende.
      -- Nada disso. Você o que é, é um egoísta. Está formoso, que se danem os outros.
      Aí o moço encolheu os ombros e falou:
      -- Sua alma, sua palma. Vá lá, depois não se queixe.
      Ensinou onde era, o compadre invejoso agarrou a viola e foi, noite alta, direitinho como o outro tinha feito. Também era noite de luar. Também dançou a noite inteira, cantando. Ao primeiro cantar do galo a roda se desfez.
      -- Que é que você quer, em paga de ter tocado para nós?
      O papudo deu uma piscadela maliciosa para o anão e falou, esfregando o indicador e o polegar, no gesto clássico, que significa dinheiro:
      -- Eu quero aquilo que o meu compadre não quis.
      Um anãozinho foi ao cupim, tirou o papo do outro que estava lá, e grudou em cima do papo do invejoso.
      E assim, por sua louca ambição, ele ficou com dois papos.

                                                 GUIMARÃES, Ruth (org.). Lendas e fábulas do Brasil, 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1972.
1. Leia o trecho a seguir, retirado do conto "Os dois papudos".

“Enquanto pinicava as cordas, prestava atenção às palavras dos dançarinos.
Eles entoavam: Segunda, terça Quarta, quinta...”

a) Identifique nesse trecho uma expressão relacionada ao ato de tocar viola.
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b) Considerando a situação apresentada no conto, o que essa expressão significa?
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c) Reescreva a frase em que a expressão é utilizada, substituindo-a pelo signi­ficado indicado na resposta do item b.
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d) Após a reescrita, que mudança é possível observar na frase?
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e) Em sua opinião, por que essa expressão foi usada por quem registrou o conto?
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f) Que relação pode ser estabelecida entre a expressão e o gênero conto popular?
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        A língua oficial do Brasil é o português, no entanto, isso não significa que todos os brasileiros se expressam da mesma forma, pois as línguas po­dem mudar em função das características de seus falantes e das situações de uso. A esse fenômeno dá-se o nome de variação linguística.
       Variação linguística é o fenômeno comum a todas as línguas de apresentar variações em função da época, região, situação de uso e das particularidades dos falantes. Essas variações podem ser percebidas tanto na análise das escolhas das palavras e expressões como na estrutura da frase e na pronúncia de alguns fonemas.
       O conto popular "Os dois papudos", por exemplo, registrou algumas ex­pressões tipicamente orais, utilizadas em determinada região do Brasil.
       Variedade regional ocorre em função da cultura dos falantes de uma região.
Do ponto de vista linguístico, não há uma variedade melhor ou pior do que outra, ou uma mais correta. Qualquer falante é usuário competente de sua língua materna. No entanto, é preciso apropriar-se das variedades de maior prestígio social e saber empregar os diferentes modos de falar e escrever adequados a cada situação de uso.
       As variedades urbanas de prestígio estão associadas ao modo de falar e escrever de uma comunidade que desfruta de maior prestígio político, social e cultural. Apropriar-se delas pode ampliar as oportunidades de ascensão social e participação cidadã.
      Há ainda a norma-padrão, uma referência que normatiza o uso da língua. Os manuais de gramática procuram descrever esse modelo.

1. Leia a letra de música abaixo e responda às questões.

óia eu aqui de novo

óia eu aqui de novo, xaxando
óia eu aqui de novo, para xaxar

Vou mostrar pr’esses cabras
Que eu ainda dô no couro
Isso é um desaforo
Que eu não posso leva
óia eu aqui de novo, xaxando
óia eu aqui de novo, cantando
óia eu aqui de novo, mostrando
Como se deve xaxar

Vem cá morena bela, vestida de chita
Você é a mais bonita desse meu lugá
Vai chamá Maria, chamá Luzia
Vai chamá Zabé, chamá Raqué
Diz que tô aqui com alegria
Seja noite ou seja dia
(Eu tô aqui pra ensiná: xaxado)
Fonte: Musixmatch
Compositores: Antonio Barros Silva

a) Qual é o significado da palavra xaxado? Se necessário, procure no dicionário.
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b) Na primeira estrofe, o eu lírico revela um objetivo. Qual?
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c) Que palavra da primeira estrofe está em desacordo com a norma-padrão?
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d) Como essa palavra é registrada na norma-padrão?
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e) Qual é o efeito produzido pelo uso dessa expressão da forma como aparece no texto?
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f) Cite um verso da música que caracteriza uma fala regional.
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2. Leia o texto a seguir, escrito em 1911.

Brinquedos e cantos infantis
Muitos dos pequenos leitores d'este Almanach, principalmente os do sul, des­conhecem alguns brinquedos e cantos infantis, commummente usados no norte do paiz.
D'estes brinquedos grande parte tem musica propria mais ou menos melo­diosa, cantada em côro pelas creanças, que se munem para esse fim. Muitos são antiquíssimos; remontam aos tempos coloniaes e foram trazidos pelos portugue­ses que, como todos sabem, foram os descobridores e colonizadores do Brazil.
Um dos mais antigos é, por certo, a Ciranda, tambem um dos mais conheci­dos e populares.
Almanach do Tico-Tico, Rio de Janeiro, p. 45, 1911.

a) Quem era, provavelmente, o público leitor desse texto?
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b) Como você pôde observar no texto, a língua também varia conforme a época. Identifique palavras do texto cuja grafia é diferente da adotada atualmente.
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c) Imagine que você trabalha em uma revista e precisa editar essa matéria para adequá-la à norma-padrão atual. Reescreva o texto fazen­do as adequações necessárias à nova situação de comunicação.
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1. Leia o trecho a seguir.
Trezentas onças
            Pois, amigo! Não lhe conto nada! Quando botei o pé em terra na ramada da estância, ao tempo que dava as — boas-tardes! — ao dono da casa, aguentei um tirão seco no coração... não senti na cintura o peso da guaiaca!
          Tinha perdido trezentas onças de ouro que levava, para pagamento de gados que ia levantar.
           E logo passou-me pelos olhos um clarão de cegar, depois uns coriscos tirante a roxo... depois tudo me ficou cinzento, para escuro...
          Eu era mui pobre — e ainda hoje, é como vancê sabe... —; estava começando a vida, e o dinheiro era do meu patrão, um charqueador, sujeito de contas mui limpas e brabo como uma manga de pedras...
          Assim, de meio assombrado me fui repondo quando ouvi que indagavam:
           Então, patrício? Está doente?
                 Obrigado! Não, senhor, respondi, não é doença; é que sucedeu-me uma desgraça: perdi uma dinheirama do meu patrão...
           A la  fresca!...
           — É verdade... antes morresse, que isto! Que vai ele pensar agora de      mim!...
          — É uma dos diabos, é...; mas não se acoquine, homem!
Nisto o cusco brasino deu uns pulos ao focinho do cavalo, como querendo lambê-lo, e logo correu para a estrada, aos latidos. E olhava-me, e vinha e ia, e tornava a latir...
          Ah!... E num repente lembrei-me bem de tudo.
          Parecia que estava vendo o lugar da sesteada, o banho, a arrumação das roupas nuns galhos de sarandi, e, em cima de uma pedra, a guaiaca e por cima dela o cinto das armas [...]; tudo, vi tudo.
          Estava lá, na beirada do passo, a guaiaca. E o remédio era um só: tocar a meia rédea, antes que outros andantes passassem. [...]

João Simões Lopes Neto. Contos gauchescos. Porto Alegre: Globo, 1976.

a) A que se refere a palavra onças no título? Se for necessário, pesquise o sig­nificado dela em um dicionário.
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b) De que outra forma esse título poderia ser compreendido?
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2. No trecho lido, há muitas palavras e expressões características de certa re­gião do Brasil.
a) Liste as palavras e expressões que você não entendeu e supo­nha um possível significado para elas com base no contexto.
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b) Se não conseguiu compreender o significado delas com base no contexto, consulte um dicionário ou outra fonte.
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3. O conto está em primeira pessoa. Quem narra é o protagonista.
a) A quem o protagonista está contando a história?
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b) Indique uma característica do protagonista. Justifique sua resposta com um trecho do texto.
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c) Qual deve ser a profissão do protagonista?
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d) Em que região do país você supõe que ele viva? Que pistas e elementos do texto possibilitam chegar a essa conclusão?
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4. Releia o trecho a seguir.
— [...] Quando botei o pé em terra na ramada da estância, ao tempo que dava as — boas-tardes! — ao dono da casa, aguentei um tirão seco no coração... não senti na cintura o peso da guaiaca!
a) O trecho procura representar a maneira como a personagem fala. Que re­cursos são utilizados para isso? Marque as alternativas corretas.
I. Emprego de registro informal.
II. Pontuação que reforça a expressividade.
III. Ausência de pontuação.
IV. Emprego de registro formal.
V. Vocabulário erudito.
VI. Vocabulário característico da região de origem do conto.

b) Justifique as alternativas selecionadas com trechos do texto.
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5. A expressão "tirão seco no coração" não significa que a personagem levou um tiro de fato, mas que teve um sobressalto, uma sensação de dor no peito provo­cada por um problema inesperado. O que aconteceu com o protagonista que o deixou preocupado?
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6. Agora, releia outro trecho do texto.
Nisto o cusco brasino deu uns pulos ao focinho do cavalo, como querendo lambê-lo, e logo correu para a estrada, aos latidos. E olhava-me, e vinha e ia, e tornava a latir...
Ah!... E num repente lembrei-me bem de tudo.

a) Nesse trecho, o narrador descreve as ações do "cusco brasino". Essa ex­pressão refere-se a que animal?
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b) Que palavras ou expressões do texto permitem chegar à conclusão de que "cusco brasino" se refere a esse animal?
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c) Qual foi a principal ação do "cusco brasino" no texto?
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d) O termo cusco pode ser considerado exemplo de variedade regional? Explique.
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7. Sobre os dois últimos parágrafos do trecho, responda às seguintes questões.
a) Qual é a função da descrição do espaço feita pelo narrador?
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b) O narrador consegue resolver o problema que o afligia? Justifique sua resposta.
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       O registro de determinada variedade linguística pode ter uma função fundamental
no texto literário quando corresponde à fala de uma personagem: ajudar a compor suas características e apresentar informações sobre o grupo ao qual essa personagem pertence.



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