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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

CRÔNICA - A PATRIA DE PONTEIROS – GABARITO

 A PATRIA DE PONTEIROS – ANTONIO PRATA

          Quando o brasileiro diz 'tô chegando!', em quanto tempo, exatamente, o brasileiro chega?

          Numa demonstração de abertura e inequívoca coragem, Fritz pediu uma feijoada. Eu comentei que, aparentemente, ele não estava tendo dificuldades de adaptação. O alemão disse que não. Por conta do seu trabalho --instala e conserta máquinas de tomografia computadorizada--, viajava o mundo todo. A única coisa que lhe incomodava, no Brasil, era nunca saber quando as pessoas chegariam aos encontros. O problema era menos o atraso, confessou, do que nossa dificuldade em admiti-lo: "O pessoa manda mensagem, diz tô chegando!', eu levanta do minha cadeirrra e olha prrro porrrta da restaurrrante, mas pessoa chega só quarrrenta minutos depois". Então me fez a pergunta que só poderia vir de um compatriota de Emanuel Kant: "Quando a brrrasileirrro diz tô chegando!', em quanto tempo brrrrasileirrro chega?".

          Pensei em mentir, em dizer que uns atrasam, mas outros aparecem rapidinho. Achei, porém, que em nome de nossa dignidade --ali, naquela mesa, eu era a "pátria de ponteiros"-- o melhor seria falar a verdade: "Fritz, é assim: quando o brasileiro diz tô chegando!' é porque, na real, ele tá saindo". Tentei atenuar o assombro do alemão: veja, não é exatamente mentira, afinal, ao pôr o pé pra fora de casa dá-se início ao processo de chegada, assim como ao sair do útero se começa a caminhar para a cova. É só uma questão de perspectiva.

          "Mas e quando o pessoa diz tô saindo!'?" Expliquei que as declarações do brasileiro, no que tange ao atraso, estão sempre uma etapa à frente da realidade --são uma manifestação do seu desejo. Se a pessoa diz que está chegando, é porque tá saindo, e se diz que tá saindo, é porque ainda precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar comida pro cachorro.

          Fritz ficou pensativo. Uma morena entrou no bar e percebi certa reverberação nos hormônios teutões. Era a chance de mudar de assunto, mas eu havia sido mordido pela mosca da sinceridade e resolvi ir até o fim: revelei que, além do "tô chegando!" e do "tô saindo!", ele teria de aprender a lidar com "chego em 15!" e "cinco minutinhos!".

          "Chego em 15!" é sinônimo de "tô chegando!": quer dizer que o patrício está saindo. Quinze minutos é o tempo mágico que o brasileiro acredita gastar em qualquer percurso --a despeito da experiência, da Sulamérica trânsito e do Waze. Da Mooca pra USP? "Chego em 15!" De Santo Amaro pra Cantareira? "Quinze!" Mais uma vez, não é propriamente mentira. Se pegássemos todos os faróis abertos e todos os carros saíssem da nossa frente, em tese, vai que...?

          Já o "cinco minutinhos!" é um pouco mais vago. Pode significar tanto que o brasileiro está a cem metros do destino quanto a 27 quilômetros. Às vezes, cinco minutinhos demoram muito mais do que quinze, mais do que uma hora: há casos, até, menos raros do que se imagina, em que a pessoa a cinco minutinhos jamais aparece.

          Fritz ficou olhando o chope, contemplativo, imaginando, talvez, na espuma branca, a tomografia multicolor desses cérebros tropicais. Senti que, agora sim, era o momento de mudar de assunto, de mostrar ressonâncias, digamos, mais magnéticas do nosso país. Chamei o garçom. "Chefe, a gente pediu uma feijoada, já faz um tempinho..." "Tá chegando, amigo, tá chegando!"

 COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO

1. O texto lido é uma crônica, gênero que é publicado em jornais e livros e se caracteriza pelo retrato de situações e temas cotidianos. Qual é o tema retratado pela crônica?

1. O tema é o modo como os brasileiros lidam com o tempo quando têm compromissos ou a falta de pontualidade dos brasileiros em relação aos compromissos marcados e o estranhamento desses hábitos por pessoas de outras culturas.

 

2. O narrador encontra o alemão Fritz para um almoço e comenta:

“Numa demonstração de abertura e inequívoca coragem, Fritz pediu uma feijoada”. Explique esse comentário.

2. Pelo fato de a feijoada ser um prato tipicamente brasileiro e pouco conhecido no exterior, o narrador considera bem- -intencionada a iniciativa de Fritz de pedir justamente esse prato, pois havia a possibilidade de ele não gostar.

 

3. Releia este trecho:

[...] comentei que, aparentemente, ele não estava tendo dificuldades de adaptação. O alemão disse que não. Por conta do seu trabalho

          — instala e conserta máquinas de tomografia computadorizada —, viajava o mundo todo.

a) Por que o narrador tem a impressão de que Fritz não estava tendo dificuldades para se adaptar ao Brasil? Explique, estabelecendo uma relação de causa e consequência.

A impressão do narrador decorre do pedido feito ao garçom para o almoço: uma feijoada.

 

b) Como Fritz justifica sua facilidade para se adaptar ao Brasil?

b) Ele justifica dizendo que já tinha viajado o mundo todo. Dessa afirmação, infere-se que já tinha experimentado todo tipo de comida e vivenciado muitas culturas diferentes, daí vinha sua facilidade de adaptação a situações novas.

 

4. Fritz, entretanto, revela não ter se adaptado a uma característica dos brasileiros: o modo como lidam com os horários marcados para os encontros.

a) Como os brasileiros, de modo geral, agem em relação a horários, segundo o texto?

Não cumprem horários

 

b) O estranhamento de Fritz diante de nossos hábitos permite inferir como ele próprio lida com horários. Que inferência se pode fazer?

Infere-se que ele é extremamente pontual.

 

c) Releia este trecho do texto e explique a frase em destaque: Então me fez a pergunta que só poderia vir de um compatriota de Immanuel Kant: “Quando a brrrasileirrro diz ‘tô chegando!’, em quanto tempo brrrrasileirrro chega?”.

Kant foi um filósofo alemão, racionalista, que prezava a pontualidade. Ao estabelecer um paralelo entre Kant e Fritz, o narrador sugere que Fritz também preza pela pontualidade e, portanto, a lógica do brasileiro quanto ao tempo seria incompreensível para ele ou qualquer outro alemão.

 

d) Segundo o narrador, como o brasileiro lida com os próprios atrasos?

O brasileiro não assume seus atrasos e acha que não está atrasando quando envia mensagens como “tô chegando”.

 

5. Releia este outro trecho do texto:

Pensei em mentir, em dizer que uns atrasam, mas outros aparecem rapidinho.

Achei, porém, que em nome de nossa dignidade — ali, naquela mesa, eu era a “pátria de ponteiros” — o melhor seria falar a verdade [...].

a) A quem o narrador se refere quando diz “em nome de nossa dignidade”?

A todos os brasileiros.

 

b) Nesse contexto, o que significa a expressão “pátria de ponteiros”, empregada nesse trecho e no título da crônica?

b) Ela pode significar que o narrador era o porta-voz, o representante dos brasileiros quanto à questão do tempo e dos compromissos. Além disso, a expressão brinca com outra, “pátria de chuteiras”, utilizada em referência ao futebol: a equipe brasileira, quando em campo nos grandes campeonatos internacionais, representaria todo o povo brasileiro.

 

Levante hipóteses: Esse argumento poderia convencer Fritz? Depois, discuta com a turma: Alguém dizer “tô chegando” quando está saindo pode ser apenas “uma questão de perspectiva”? Por quê?

 

6. O narrador começa a explicar para Fritz o que o brasileiro de fato quer dizer quando faz algumas afirmações. Por exemplo, quando afirma “tô chegando”, quer dizer que está saindo.

a) Qual é a reação de Fritz diante das explicações do narrador? Que palavra do texto justifica sua resposta?

Ele fica assombrado, perplexo, conforme demonstra a expressão “tentei atenuar o assombro do alemão”.

 

b) O narrador tenta relativizar suas explicações, dizendo que a afirmação do brasileiro não é exatamente uma mentira, pois, ao “pôr o pé pra fora de casa dá-se início ao processo de chegada [...]”.

Respostas pessoais. Provavelmente, com a lógica racionalista que tem, Fritz não veria sentido no argumento do narrador, pois o que estava em discussão era o horário de chegada, e não o de saída.

 

7. Observe os exemplos dados pelo narrador.

O que o brasileiro diz

O que acontece

• Estou chegando.

• Está saindo.

• Estou saindo.

• Ainda vai tomar banho, tirar a roupa da máquina, dar comida para o cachorro.

• Chego em 15.

• Está saindo.

• Chego em 5 minutinhos.

• Está a cem metros ou a 27 quilômetros e pode demorar de 15 minutos até 1 hora.

 

a) Para Fritz compreender o que os brasileiros dizem, é suficiente ter domínio da língua?

Justifique sua resposta.

a) Não; os exemplos mostram que o sentido dos enunciados é construído não apenas pelos elementos verbais que os constituem, mas também por elementos externos, culturais.

b) Logo, o que o texto destaca, ao pôr em contraste um alemão e um brasileiro?

O texto contrapõe duas culturas – a alemã e a brasileira –, duas formas distintas de ser e de pensar o mundo, o que se reflete até em práticas cotidianas, como a pontualidade nos encontros.

c) Que efeito o contraste entre as formas de agir e de pensar de um alemão e um brasileiro tem sobre o leitor? Por que ocorre esse efeito?

Tem um efeito humorístico, porque o leitor se identifica com várias das situações descritas pelo narrador e acaba rindo de si mesmo ou de seus conterrâneos.

 

8. No último parágrafo, o narrador conta que mudou de assunto, perguntando ao garçom sobre a feijoada que tinham pedido. Pela resposta do garçom, você acha que a feijoada ia demorar? Você acredita que o narrador conseguiria mudar de assunto? Por quê?

Provavelmente a feijoada ia demorar, e o narrador não conseguiria mudar de assunto, porque a resposta do

garçom era mais um exemplo, bem próximo e concreto, de como o brasileiro lida com o tempo.

A LINGUAGEM DO TEXTO

 

Observe esta fala de Fritz:

“O pessoa manda mensagem, diz ‘tô chegando!’, eu levanta do minha cadeirrra e olha prrro porrrta da restaurrrante, mas pessoa chega só quarrrenta minutos depois”.

a) Por que, na transcrição dessa fala do personagem, há tantos erres repetidos?

a) Porque o narrador tenta retratar a fala do personagem, que tem dificuldade de pronunciar os erres do português.

 

b) O gênero das palavras na língua alemã nem sempre coincide com o das palavras na língua portuguesa. Por exemplo, uma palavra pode ser feminina em português, mas masculina em alemão, e vice-versa. De que modo isso se manifesta na fala de Fritz?

Ele tem muita dificuldade de lidar com o gênero em português; daí empregar de forma inadequada artigos, masculinos e femininos, antes dos substantivos.

 

2. Releia este trecho do texto:

 

“Expliquei que as declarações do brasileiro, no que tange ao atraso, estão sempre uma etapa à frente da realidade — são uma manifestação do seu desejo.”

 

Das expressões que seguem, copie no caderno aquelas que traduzem o sentido da expressão destacada no trecho.

• à medida que

X• quanto a

• visto que

X• no que se refere a

 

No início deste capítulo, você leu a crônica “A pátria de ponteiros”.

 

Releia alguns trechos do texto de Antonio Prata.

 

          Numa demonstração de abertura e inequívoca coragem, Fritz pediu uma feijoada. Eu comentei que, aparentemente, ele não estava tendo dificuldades de adaptação. O alemão disse que não. Por conta do seu trabalho — instala e conserta máquinas de tomografia computadorizada —, viajava o mundo todo. A única coisa que lhe incomodava, no Brasil, era nunca saber quando as pessoas chegariam aos encontros. O problema era menos o atraso, confessou, do que nossa dificuldade em admiti- lo: “O pessoa manda mensagem, diz ‘tô chegando!’, eu levanta do minha cadeirrra e olha prrro porrrta da restaurrrante, mas pessoa chega só quarrrenta minutos depois”. Então me fez a pergunta que só poderia vir de um compatriota de Immanuel Kant: “Quando a brrrasileirrro diz ‘tô chegando!’, em quanto tempo brrrrasileirrro chega?”.

          Já o “cinco minutinhos!” é um pouco mais vago. Pode significar tanto que o brasileiro está a cem metros do destino quanto a 27 quilômetros. Às vezes, cinco minutinhos demoram muito mais do que quinze, mais do que uma hora: há casos, até, menos raros do que se imagina, em que a pessoa a cinco minutinhos jamais aparece.

          Chamei o garçom. “Chefe, a gente pediu uma feijoada, já faz um tempinho...” “Tá chegando, amigo, tá chegando!”

 

 

1. Observe as seguintes expressões da fala do alemão reproduzida no

primeiro trecho: O pessoa manda / pessoa chega / a brrrasileirrro diz

 

Identifique em que tempo e pessoa se encontram os verbos em destaque nas expressões e indique qual é a forma, no infinitivo, de cada verbo.

 

Presente do indicativo, 3a pessoa do singular. Mandar, chegar, dizer.

 

 

2. Considere este trecho:

eu levanta do minha cadeirrra e olha prrro porrrta da restaurrrante

a) Os verbos destacados estão conjugados fora do padrão normativo. Indique qual seria a conjugação padrão dos verbos, justificando sua resposta. Depois, tendo em vista o contexto da crônica, explique por que o autor fez tais escolhas.

a) A conjugação padrão seria levanto e olho, com terminações da 1a pessoa do singular, porque o sujeito é o pronome pessoal eu, de 1ª pessoa do singular. O autor utilizou a forma na 3a pessoa do singular com o pronome de 1a do singular para tentar reproduzir a fala com sotaque do personagem.

 

b) Seguindo a conjugação padrão, dê as formas verbais dos verbos destacados no trecho, substituindo o sujeito eu por:

• ele                           • nós                                   • os brasileiros

 

Levanta, olha.                                               Levantamos, olhamos.                                                          Levantam, olham

 

c) Nas formas verbais dadas como resposta no item anterior, há uma parte de cada verbo que se repete e que contém o significado dele. Identifique em cada verbo qual é essa parte.

levant- / olh-

 

d) Indique o que foi acrescentado a essa parte dos verbos:

• na 1a pessoa do singular - O

• na 1a pessoa do plural - AMOS

• na 3a pessoa do singular - A

• na 3a pessoa do plural – AM

 

e) Observe a conjugação que você fez dos verbos levantar e olhar nos itens anteriores. Nas formas verbais de quais pessoas aparece também o -a que indica a conjugação à qual os verbos pertencem?

Em todas, com exceção das formas verbais da 1a pessoa do singular.

3. Observe as expressões “quarrrenta minutos”, “cinco minutinhos” e “um tempinho”, no contexto da crônica.

a) Das palavras em destaque, indique qual(quais) está(ão) no plural e qual(quais) está(ão) no diminutivo e conclua: Qual parte indica o plural e qual parte indica o diminutivo?

a) No plural estão minutos e minutinhos, e no diminutivo estão minutinhos e tempinho. O s indica plural, e -inho indica diminutivo.

 

b) Discuta com os colegas e o professor: Qual é o significado do diminutivo em cada situação em que ele é empregado na crônica? Além desses significados, quais outros o diminutivo pode ter? Justifique sua resposta com exemplos.

 

b) Em “cinco minutinhos”, o diminutivo minimiza o tempo, dando idéia de que ele vai passar rápido; em “um tempinho”, o diminutivo enfatiza o tempo, dando idéia de que certo tempo já se passou.

 

 

 

 

Observe as palavras a seguir, empregadas no texto, para responder às questões 4 e 5.

 

DEMOSNTRAÇÃO

INEQUIVOCA

COMPUTADORIZADA

FEIJOADA

ADAPTAÇÃO

 

 

4. Deduza:

a) Quais derivam de verbos acrescidos de uma terminação que dá origem a substantivos? Identifique quais são os verbos e qual é a terminação.

Demonstração, adaptação; demonstrar, adaptar; -ação

 

b) Qual tem uma terminação que dá origem a adjetivos? Identifique essa terminação.

Computadorizada; -izada

 

c) Qual tem uma parte inicial que indica negação? Identifique essa parte inicial.

Inequívoco; in-.

 

d) Qual tem uma terminação que forma substantivos e indica quantidade abundante?

Identifique essa terminação

Feijoada; -ada.

 

5. Escolha duas das palavras e forme outras a partir delas, trocando a parte final ou a parte inicial. Se julgar conveniente, consulte um dicionário.

 

5. Possibilidades variadas de resposta, entre elas: demonstrativo, demonstrador, demonstrável; equivocado, equivocação, equivocar; feijoeiro, feijãozinho, feijãozão, feijoal; adaptado, adaptável,

adaptador; computadorizar, computadorização.


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