Vínculos, as equações da
matemática da vida (Maria Helena Matarazzo)
Quando você
forma um vínculo com alguém, forma uma aliança. Não é à toa que o uso de
alianças é um dos símbolos mais antigos e universais do casamento. O círculo dá
a noção de ligação, de fluxo, de continuidade. Quando se forma um vínculo, a
energia flui. E o vínculo só se mantém vivo se essa energia continuar fluindo.
Essa é a ideia de mutualidade, de troca. Nessa
caminhada da vida, ora andamos de mãos dadas, em sintonia, deixando a energia
fluir, ora nos distanciamos. Desvios sempre existem. Podemos nos perder em um
deles e nos reencontrar logo adiante. A busca é permanente. O que não se pode é
ficar constantemente fora de sintonia.
Antigamente,
dizia-se que as pessoas procuravam se completar através do outro, buscando sua
metade no mundo. A equação era: 1/2 + 1/2 = 1.
"Para
eu ser feliz para sempre na vida, tenho que ser a metade do outro."
Naquela loteria do casamento, tirar a sorte grande era achar a sua cara-metade.
Com
o passar do tempo, as pessoas foram desenvolvendo um sentido de
individualização maior e a equação mudou. Ficou: 1 + 1= 1.
"Eu
tenho que ser eu, uma pessoa inteira, com todas as minhas qualidades, meus
defeitos, minhas limitações. Vou formar uma unidade com meu companheiro, que
também é um ser inteiro." Mas depois que esses dois seres inteiros se
encontravam, era comum fundirem-se, ficarem grudados num casamento fechado,
tradicional. Anulavam-se mutuamente.
Com
a revolução sexual e os movimentos de libertação feminina, o processo de
individuação que vinha acontecendo se radicalizou. E a equação mudou de novo: 1
+ 1= 1 + 1.
Era
o "cada um na sua". "Eu tenho que resolver os meus problemas,
cuidar da minha própria vida. Você deve fazer o mesmo. Na minha independência
total e autossuficiência absoluta, caso com você, que também é assim." Em
nome dessa independência, no entanto, faltou sintonia, cumplicidade e
compromisso afetivo. É a segunda crise do casamento que acompanhamos nas
décadas de 70 e 80.
Atualmente,
após todas essas experiências, eu sinto as pessoas procurando outro tipo de
equação: 1 + 1 = 3.
Para
a aritmética ela pode não ter lógica, mas faz sentido do ponto de vista
emocional e existencial. Existem você, eu e a nossa relação. O vínculo entre
nós é algo diferente de uma simples somatória de nós dois. Nessa proposta de
casamento, o que é meu é meu, o que é seu é seu e o que é nosso é nosso.
Talvez
aí esteja a grande mágica que hoje buscamos, a de preservar a individualidade
sem destruir o vínculo afetivo. Tenho que preservar o meu eu, meu processo de
descoberta, realização e crescimento, sem destruir a relação. Por outro lado,
tenho que preservar o vínculo sem destruir a individualidade, sem me anular.
Acho
que assim talvez possamos chegar ao ano 2000 um pouco menos divididos entre a
sede de expressão individual e a fome de amor e de partilhar a vida. Um pouco
mais inteiros e felizes.
Para
isso, temos que compartilhar com nossos companheiros de uma verdadeira intimidade.
Ser íntimo é ser próximo, é estar estreitamente ligado por laços de afeição e
confiança.
(MATARAZZO,
Maria Helena. Amar é preciso. 22. ed. São Paulo: Editora Gente, 1992. p. 19-21)
Fonte: Práticas de Linguagem.
Leitura & Produção de Textos. Volume 4. Ernani & Nicola. Editora
Scipione. P. 86-9.
Entendendo o texto:
01 – Segundo a autora, qual é a
grande mágica que todos nós buscamos hoje?
“Preservar
a individualidade sem destruir o vínculo afetivo”.
02 – O que representam as
equações abaixo?
a) ½ +
½ = 1.
Uma
pessoa era considerada como uma metade que se uniria a outra metade; a união
dessas duas metades formaria um “inteiro”: o casal. Essa visão está consagrada
em expressões como “cara-metade”, “a outra metade da laranja”, etc.
b) 1 + 1 = 1.
Nesta
equação ressalta-se que o casal é a soma de duas individualidades (cada qual
com suas qualidades e defeitos), ou seja, o casal é uma unidade de duas
pessoas, e não um “inteiro” formado de duas “metades”.
c) 1 + 1 = 1 +
1.
Com essa
expressão, a autora se refere ao casal formado por pessoas que desejam manter
sua individualidade, sua independência (“cada um na sua”), mesmo que
sacrificando a relação.
d) 1 + 1 = 3.
Por esta
equação, a autora procura representar um novo tipo de relação, em que o casal é
formado não apenas pela soma das individualidades (eu e você), mas também pela
relação que os une.
03 – Do ponto de vista da
matemática, algumas das equações apresentadas não são verdadeiras. Do ponto de
vista do relacionamento afetivo, as equações são coerentes com os tipos de
relação que representam?
Evidentemente, do ponto de vista matemática, são falsas as
equações 1 + 1 = 1 e 1 + 1 = 3. Porém, no contexto da argumentação elas passam
a ter certa coerência: na equação 1 + 1 = 1, o 1 da soma representa o casal
(uma unidade) e na equação1 + 1 = 3, o 3 representa o casal (2 pessoas) mais a
própria relação que os une.
04 – Quais os perigos da equação
1 + 1 = 1?
O
casamento torna-se fechado e os parceiros se anulam mutuamente.
05 – Das equações apresentadas,
qual é a melhor, segundo a autora? Por quê?
A
equação 1 + 1 = 3, pois respeita a individualidade das pessoas (1 +1), enquanto
a relação torna-se um terceiro elemento (=3). Ou seja, a individualidade,
representada pelo “meu” e pelo “seu”, continuará a ser preservado, mas cedendo
espaço também para o “nosso”.
06 – Qual a conclusão do texto?
Essa conclusão é coerente com a argumentação exposta?
A
conclusão é que podemos chegar ao ano 2000 menos divididos, mais inteiros e
felizes, que é coerente com a argumentação exposta. Vale dizer: se seguirmos os
conselhos que o texto nos apresenta, é perfeitamente plausível (embora não
necessariamente verdadeiro) que venha a ocorrer o que nos diz a conclusão.
07 – Que conselho final o texto
apresenta?
“Temos
que compartilhar com nossos companheiros de uma verdadeira intimidade”.
08 – A autora reduz um tema tão
complexo, como a relação de casais, a equações matemáticas bastante simples.
Você saberia explicar por quê?
Ressaltar o caráter de auto-ajuda do livro e o perfil do
consumidor desse tipo de leitura. Em publicações dessa natureza, assuntos
complexos são, na maioria das vezes, tratados de forma banal.
09 – Segundo Fabrício Marques, da
revista superinteressante, manuais de auto-ajuda são obras que abastecem as
pessoas de conselhos práticos e referências de comportamento, embora não façam
os milagres que prometem. Essas obras quase sempre não têm nenhum valor
literário, apenas distribuem afagos, mensagens reconfortantes e conselhos
práticos. Em sua opinião, o texto que acabou de ler tem valor literário?
Justifique sua resposta.
Obviamente, é um texto de auto-ajuda, sem valor literário ou
artístico. O texto se limita as referências de comportamento e aos conselhos
práticos do bem viver a dois, além de reforçar a auto-estima dos leitores.