AS CONCHAS DA SORTE
Guardo
a fotografia porque me faz lembrar de uma história que ocorreu há muito tempo,
na
minha infância. Mas até hoje, se eu quiser,
fecho os olhos e parece que tudo acontece de novo, tal a importância que teve
para mim.
Era verão. Eu tinha seis anos e meu irmão, Cadu, oito. Ele era um menino
bonito e forte. Cabelos escuros e lisos, pele morena e olhos bem verdes.
Nessa época, eu me lembro de ficar um tempão
em frente ao espelho, passando a escova no cabelo repetidas vezes para ver se
meus cachinhos ficavam lisos, corno o cabelo do Cadu. Também não tinha olhos
verdes. Os meus eram castanhos como os de outros milhões de crianças brasileiras.
Mas o dono dos olhos verdes e dos cabelos lisos sofria de bronquite
alérgica. Porém, até aquele momento da nossa vida, nenhum médico havia
descoberto qual alergia ele tinha. Podia ser a poeira, a poluição, pois a gente
morava na maior capital do país. Também podia ser alergia a pólen, a
perfume... Enfim, o garoto era o maior alérgico de todos os tempos.
O fato é que, de vez em quando, Cadu, do nada, começava a espirrar, a
tossir, e a casa virava um pandemônio. Lá iam meu pai e minha mãe com ele para
o hospital.
Um dia, no verão, o médico do meu irmão sugeriu que umas férias na praia
fariam bem a sua saúde. Sol, banhos de mar e ar puro.
Meu pai, que nunca descansava, porque achava que a empresa afundaria sem
ele, decidiu tirar férias. Procurou uma imobiliária e alugou por um mês uma
super casa legal, numa rua tranquila de uma cidade praiana.
Minha mãe, animada com a novidade da companhia do marido e a perspectiva
da melhora da bronquite do Cadu, preparou a viagem sem esquecer nenhum detalhe.
E lá fomos nós.
A casa era gigante, pelo menos para mim, que a via com meus olhos de
menino de seis anos.
O Cadu estava ansioso para pegar uma onda. Adorava o mar. Mas eu tinha
verdadeiro horror. O mar me metia medo. Me dava arrepios só de olhar.
No primeiro dia de praia amanheci de mau humor.
_ Vai, Maneco, não tenha medo! O mar não vai te engolir — meu pai disse,
segurando meus braços e me puxando para dentro da água. — Faz que nem o Cadu.
Olha só como ele pega onda!
_ Não queroooooo!
Que me importava se o queridinho da casa pegava onda?
Quer sim! Não viemos passar férias na praia
pra você ficar na areia! — meu pai prosseguiu na sua ladainha.
Mas eu, apavorado, continuei gritando... Até que minha mãe deu um
basta:
Deixe o menino! Um dia ele perde o medo do
mar e pronto.
Meu pai se convenceu, esquecendo o assunto.
Em frente à casa que havíamos alugado estavam construindo um edifício.
De tanto eu observar a construção, acabei descobrindo que um dos pedreiros
tinha um filho quase da minha idade. Chamava-se Marcos e ia todos os dias para
a obra com o pai. Fiquei amigo dele.
Como em toda obra, havia um monte gigante de areia e outro de pedras.
Fiquei encantado. Todas as manhãs, na hora de ir para a praia, eu dava um
escândalo, pois queria ir brincar no monte de areia da obra.
— Mas de que barro fizemos esse menino?! — dizia meu pai. — Onde já se
viu?! Com uma praia imensa, cheia de areia, o Maneco prefere a areia da obra...
Eu pensava, às vezes, que criança era mesmo feita de barro, tal era o
jeito sério com que meu pai falava. Só tive certeza de que não quando minha mãe
ficou grávida da minha irmãzinha.
Mas voltando ao caso da obra, e como eu
morria de medo do mar, meus pais acabaram concordando em me deixar ficar em
casa, com nossa babá. Iam à praia só com o Cadu. Quando eles viravam as costas,
lá ia eu brincar com o Marcos na obra.
Aprendi com ele a fingir que pedaços de pau eram barcos. Que o monte de
areia era o mar. Os barcos subiam até ao topo, depois desciam escorregando, até
atingir o monte de pedras, que era a terra firme. Brincávamos até nos fartar.
Numa bela manhã de sol, depois que minha família foi para a praia, como
sempre, fui brincar com Marcos. Encontrei ele levando umas conchas enormes
— Bonitas, né? — disse ele.
Eu só fiz que sim com a cabeça, sem tirar os olhos das conchas.
_ Ouve só o som! — e encostou uma das conchas no meu ouvido.
Incrível, mas parecia que o mar estava dentro dela. Aquele mar sim era
legal. Não me metia medo.
_ Como que o mar tá aí dentro? — perguntei. O Marcos pensou antes de
responder e soltou:
_ Porque estas são as conchas da sorte.
_ Conchas da sorte?!
_ Isso. Quem tiver estas conchas terá sorte pra resto da vida.
Não sei se porque eu olhava fixo para as conchas, se porque o Marcos
teve pena de ter tanta sorte nas mãos e eu não ter nenhuma, que acabou me dando
duas das conchas.
_ Toma, leva pra você. Pra sorte te acompanhar, que nem faz comigo.
Fiquei muito tempo ouvindo o som do mar com a
concha no ouvido. Naquele dia, até ignorei nossos navios de toco de pau.
Na hora do almoço, pensei em mostrar
meu presente para
a família. Mas meus pais estavam ocupados em recordar as cambalhotas que o Cadu
tinha dado na areia e as ondas que ele pegara. Fiquei na minha. Nada daquilo me importava mais. Eu é que tinha as
conchas da sorte. Eu era o maior sortudo da casa.
Depois do almoço, arranjei uma caixa
para guardar meu
tesouro.
Fiz menção de sair para brincar na
obra, mas minha mãe
pediu para eu ficar brincando um pouco com o Cadu. Então, tive vontade de contar tudo
pra ele, sobre as conchas, sobre a sorte. Que o Cadu, agora, era irmão do maior sortudo da face da terra. Mas virei,
mexi e não contei nada.
A tarde passou e quando a noite
chegou, meu irmão
começou a tossir. Tossiu tanto que perdeu o fôlego. E a cena que eu tinha visto
tantas vezes se repetiu: papai e mamãe enfiando o Cadu no carro e indo procurar um pronto-socorro.
Me deixaram com a ajudante da casa.
Sozinho no quarto,
fiquei pensando que eu nunca iria parar em um hospital. Agora, como se não bastasse
uma, era proprietário de duas conchas da sorte. Teria saúde para a vida toda. Escondi a caixa das conchas debaixo
da cama e tentei dormir. Mas não consegui.
Será que era justo um irmão ter tanta
sorte e outro tanto
azar? Era justo eu ter duas conchas e o Cadu nenhuma? Tudo bem que ele tinha olhos
verdes, cabelos lisos, não tinha medo do mar e meus pais se orgulhavam tanto dele. Só que, coitado, era alérgico.
Estava, sabia-se lá onde, no hospital da cidade, em plenas férias. Mas, se o filho
do pedreiro tinha
dado as conchas da sorte para mim, é porque eu é que merecia. Ponto-final.
Virei pro outro lado e... não dormi. Aquilo ficou remoendo na minha cabeça.
Comecei a chorar. Sabia
que o certo era eu dar uma concha pro meu irmão ter sorte também e não ficar
mais doente.
Por outro lado, não queria dar.
Tarde da noite, meus
pais voltaram com o Cadu. Estava tudo bem. Minha mãe percebeu meus olhos vermelhos.
— O que foi, Manequinho? Estava preocupado com seu irmão? Ele já
melhorou. — e me pegou no colo.
Fiquei abraçado com
minha mãe. E minha cabeça ainda martelava: dou ou não dou?
Aquele perfume de flor que exalava da minha mãe me fez decidir. Pulei
do colo dela, peguei a caixa e tirei a concha maior e mais bonita. Fui até
a cama do meu irmão e a dei para ele. Meu coração batia disparado, de
tristeza e de felicidade juntas.
Meus pais e meu irmão
me olharam sem entender. Então contei a história das conchas da sorte.
— Não é justo eu ter tanta sorte e você nenhuma, Cadu. Não me custa
repartir.
Aquela foi a noite em
que ganhei mais beijos em toda minha vida. E meu pai tirou uma foto, minha e do
Cadu, abraçados
e segurando cada um a sua concha da sorte.
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2. Quais são as personagens da história?
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3. Quem está contando a história?
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4. Que idade o Cadu tinha?
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5. Qual idade o narrador tinha na época?
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6. Quais as características físicas de Cadu?
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7. Que objeto aparece no início da história e no final como comprovação do acontecido?
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8. Qual era o problema de saúde da Cadu?
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9. Qual a profissão do pai de Marcos
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10. Quando aconteceu a história?
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11. Em que lugar aconteceu a história?
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12. Qual era o apelido do narrador?
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13. Por que o narrador preferia brincar no monte de areia?
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14. Que sentimento o narrator tinha em relaçao ao irmão? Justifique sua resposta.
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15. As conchas da sorte trouxe algum tipo de sorte para o narrador? Justifique.
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16. Complete os espaços com uma das letra entre parenteses.
a) E___ALAVA (z,x)
b) ME___I (x, ch)
c) CAI___A (x, ch)
d) PU___ANDO (x,ch)
e) DEBAI___O (x, ch)
f) A VIA___EM (g, j)
g) PRO___EGUIR (s, ss)
h) IMEN___A (ç, ss, s)
i) SU___ERIU (g,j)
j) CERTE__A (s,z)
17. Acentue as palavras se necessário.
a) ESCANDALO
b) SORTE
c) INFANCIA
d) HOSPITAL
e) HISTORIA
f) HORROR
g) ALERGICO
h) HUMOR
I) FAMILIA
J) FOLEGO
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