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segunda-feira, 18 de março de 2024

PEGA LADRÃO – CONTO - ELIANA MARTINS

 PEGA LADRÃO – ELIANA MARTINS

          Neinha estava tão linda naquela noite que fez o coração de Jurandir bater mais forte que de costume.

          Já era bem tarde quando a deixou na porta do bar­raco duplex onde ela morava e seguiu para o seu.

          Tinha nascido ali, na comunidade do Babado Novo. Conhecia todo mundo. Era benquisto. Garoto sangue bom, diziam.

          Quinze anos tinha aquele menino cheio de sonhos e paixão por Neinha, que tinha catorze.

          Jurandir entrou em casa. A mãe e os dois irmãos me­nores dormiam a sono solto, em um colchão de casal, esti­cado no chão do único cômodo do barraco.

          Dentro de um armário, dois ovos fritos. A mãe sem­pre deixava alguma coisa para ele quando sabia que ia chegar tarde. Jurandir comeu, escovou os dentes, trocou a bermuda jeans por uma calça de moletom surrada e se jogou em outro colchão de solteiro, ao lado do da mãe.

          Viver na comunidade era bom, ele gostava. Mas acontecia de tudo. De repente, no silêncio da noite, um tiro, um pedido de socorro. Ninguém abria as portas, pe­rigando ser atingido por uma bala perdida. Mas não na­quela noite. Ela era especial.

          Jura, como todo mundo o conhecia, fechou os olhos e recordou os momentos com Neinha. Tinham os mesmos sonhos, amavam-se. Ele queria ser dentista. Ela, professo­ra. Gostava de crianças, ensinava toda a garotada da co­munidade que ia mal na escola.

          — Matemática não é difícil, não. Vem cá que eu te ensino. — Ele parecia ouvir a voz dela, macia, repetindo isso para alguma criança babado-novense.

Iam virar adultos e sair dali. Estudar, trabalhar, com­prar uma casa espaçosa em que coubesse todo mundo: a família dele e a dela.

          A mãe roncava, coitada! Às quatro da manhã tinha que levantar para deixar comida pronta para os filhos e descer o morro, rumo ao ponto do ônibus.

         O sono foi batendo nos olhos de Jura.

          — Jura, cê jura que nunca vai me deixar? — Pareceu, de novo, ouvir a voz de Neinha.

          _ Juro!

          _ Então pega bem forte na minha mão.

          _ Pega! Pega! Pega!

          Jurandir abriu os olhos. Aquele "pega" não fazia parte do seu devaneio.

          _ Pega ladrão! — alguém gritou lá fora, perturban­do o sono da comunidade. A mãe acordou, mas os dois pequenos continuaram dormindo.

          Que que tu tá fazendo de pé, Jura?

          _ Acordei com o grito. Vou ver o que é.

          _ Vai nada! — Agarrou o braço do filho, que, mes­mo assim, disparou para a ruela, ainda a tempo de ver um homem correndo e outros dois perseguindo.

          _ Pega! Pega!

          _ Ajuda aí, cara! — pediram pra ele.

          Uma janela de barraco foi aberta, de soslaio, e uma pessoa disse:

          _ Ele foi por ali. — E apontou uma esquina.

          Depois de umas três ruas, Jurandir percebeu que já havia muita gente correndo atrás deles, que nem bloco de carnaval.

          _ O que que foi, hein? — perguntava um.

          _ Sei lá! Ouvi o pega-pega e entrei na dança. Apareceu um policial.

          _ PRRRRRRRRRR... — apitou para se identificar. — O que foi?

          _ Um ladrão, seu guarda — alguém disse.

          _ Ladrão? Mas roubou o quê?

          Ninguém sabia.

          _ Parece que entrou naquele barraco duplex. Jurandir se arrepiou. Era a casa de Neinha. O pai era pedreiro fino, jeitoso. Tinha construído dois andares

Escada de alvenaria e tudo.

          A luz da casa foi acesa. O pai de Neinha apareceu na janela.

          _ Que que foi?

           Aquela não era a janela em que Jurandir sonhava es­tar com Neinha no futuro. Iriam ter janelas com floreiras, e, caso ele acordasse de madrugada, não seria por causa de um ladrão, e sim para dizer que a amava.

          Mas a realidade, agora, era aquela.

          _ Que é que foi que houve, meu Deus? — o pai de Neinha voltou a perguntar.

            Ninguém sabe ao certo, mas parece que um ladrão se escondeu aí na sua casa — explicou o policial.

          _ Ai, minha Nossa Senhora! — berrou a mãe, apa­recendo na janela, toda desgrenhada. O policial pediu li­cença e, sem mais nem menos, deu um pontapé na porta do barraco.

           _ Não podemos perder tempo — disse, já embara­fustando dentro da casa.

         A irmãzinha menor de Neinha, garota de uns seis anos, agarrou-se à mãe e começou a dar gritos histéricos, como porco em dia de matança.

         O pessoal que se manteve na rua, assustado com os berros da menina e supondo que o ladrão estava mesmo lá dentro, se enfiou no barraco feito sardinha em lata, en­tupindo o pequeno cômodo que servia de sala.

          _ Ói lá! Na laje — alguém gritou.

          O policial subiu a escada de dois em dois degraus.

          Cadê o excomungado?

          Mas só Neinha dormia lá em cima.

          Jurandir também subiu correndo, encontrando a na­morada pálida e tremendo de medo.

          Abraçou-a.

                    Calma, Neinha, que isso um dia acaba.

                    Não pode ter pulado da laje, que é alta pra chuchu — gritou um, lá pelos degraus de baixo.

                    Tão procurando o quê, Jura? — Neinha perguntou. A irmãzinha recomeçou seu grunhido de porco.

                    Cala a boca, Gildileia! — berrou a mãe, tentando abaixar o cabelo com uma escova. — Vê se pegam logo o ladrão e deixem a gente dormir em paz.

                    Quem contou que é ladrão? — perguntou uma velhinha que chegava, sem nenhum dente na boca.

                    Vamos varar todas as casas vizinhas — decidiu o policial.

          Não encontraram nada nas casas e todos foram saindo para a calçada outra vez.

          Com toda aquela balbúrdia, seu Tonico da venda, é claro, também tinha perdido o sono. Pegou no cavaquinho e mandou bala: "Ói que foi só pegar no cavaquinho...".

         A turma de menos de vinte anos não gostou da música e pediu pagode, funk, reggae. E lá foi seu Tonico, que amarrava o burro onde o freguês queria.

         Lá pelas quatro da manhã, a turma se dispersou. Afinal, tinham perseguido quem? Era o que todos se perguntavam.

          A comunidade do Babado Novo ficou morta de novo. Jurandir, tendo deixado Neinha bem mais calma, subiu a ruela de casa. A mãe o esperava à porta.

                    Ai, graças a Deus que tu tá vivo, filho!

                    Não tinha motivo pra morrer, não, mãe. Ninguém sabia nem quem tava procurando. Tudo maluco.

          _           Jurandir se espichou de novo em seu colchão.

          A casa ampla com floreiras. Um quarto para cada família. Ele, dentista; Neinha, professora. A casa ampla...A casa... A Ca...

           O sono chegou, o sonho voltou. Nem sombra da realidade.

 

Fonte: Ana Bola e Outras Histórias Corajosas

 

RESPONDA

1. Qual o título do conto?

_________________________________________________________

 

2. Qual a autora do conto?

__________________________________________________________

 

3. Quais são os personagens?

___________________________________________________________

 

4. Qual o espaço da narrativa, ou seja, onde acontece a história?

____________________________________________________________

 

5. Quanto tempo aproximadamente dura a história?

____________________________________________________________

 

6. Qual a situação social de Jurandir? Justifique sua resposta com uma frase do texto.

_______________________________________________________________________

 

7. Qual era o sonho de Jurandir?

_______________________________________________________________

 

8. Qual o significado das expressões presentes no texto:

a) sardinha em lata

________________________________________________________________

b) amarrava o burro onde o freguês queria

______________________________________________________________

c) grunhido de porco

______________________________________________________________

 

9. Qual o significado das palavras abaixo de acordo com o texto?

a) desgrenhada

___________________________________________________________

b) balburdia

____________________________________________________________

c) soslaio

___________________________________________________________

 

10. Acentue as palavras abaixo se necessário.

a) ARMARIO

b) ALGUEM

c) ARMARINHO

d) NINGUEM

e) MATEMATICA

f) DIFICIL

g) HISTERICO

h) PONTAPE

i) PALIDA

j) POLIDO

 

11. Complete os espaços em branco com uma das letras entre parênteses.

a) ___U___U    (X, CH)

b) ESPI____OU (X,CH)

c) VI____INHA (S,Z)

d) ____EITOSO (J,G)

e) E____COMUNGADO (S,X)

f) DEI___ADO  (X, CH)

g) MATAN____A (SS, Ç)

h) A____USTADO (S,SS)

i) A___GUÉM (U,L)

j) JEITO___O (S,Z)

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