CONTRA TODOS – CONTO – ELIANE MARTINS
Uma vez por semana, aquela garota, cabelos encaracolados, descia o morro em direção à zona sul. Passava pelas ruelas da favela
despertando o ciúme de Munga.
—
Vai aonde, rebolando desse jeito?
Ela,
sem dar ouvidos, seguia em frente.
O dr. Laguna, advogado especialista em heranças, havia recebido um palacete antigo como pagamento de honorários frente a um complicado inventário.
A
familia Laguna, composta apenas do advogado, sua esposa Carla e o filho
Fernando, perdia-se no meio daquele lugar
enorme.
A
única preocupação do dr. Laguna era aumentar seu patrimônio. Para isso não media esforços.
Já
Carla, mulher atraente, não dava importância a coisa alguma que não fosse seu bem-estar, amigos,
compras, viagens.
Fernando,
bonito, alto e ruivo, adolescia entre o pai atarefado e ausente e as futilidades da mãe.
Interessado em cinema, estressava o dr. Laguna, que
o queria na faculdade de Direito.
Sempre que a garota vinha entregar a roupa que sua mãe passava, havia anos, para a família, Carla
Laguna admirava sua beleza.
—
Você não
tem medo de descer o morro sozinha, Lucimar?
A garota sorriu com o elogio, deixando à mostra os dentes branquinhos.
Por um motivo ou outro, Fernando nunca estava em casa quando Lucimar aparecia. Naquele dia, porém,
ao sair, cruzou com ela. Parou
para admirar aquela garota cor de
jabuticaba e dentes de marfim.
Lucimar tinha exatamente a idade dele e parecia saída de um filme.
—
Será que
é quem eu tô pensando? — perguntou ele, reconhecendo
a companheira de brincadeiras de infância, quando a mãe da garota era mensalista em sua casa. —
Lucimar?!
—
Eu mesma,
Nando. — Ela o chamou pelo apelido.
—
Puxa vida!
Que linda você ficou!
Lucimar
deu risada.
—
Você
também não fica atrás.
Fernando até esqueceu para onde ia. Ficou ali, ao lado dela, batendo papo e recordando a infância.
Já era quase noite quando a garota mais bonita da comunidade subiu o morro trazendo um novo pacote de
roupa lavada dos Laguna para a
mãe passar.
—
Rebola,
morena, mas rebola pra mim — Munga disse
e, levantando-se rapidamente, enlaçou a cintura de Lucimar.
O
pacote de roupa caiu no chão.
—
Me larga,
Munga!
—
Você me
deixa louco, morena!
—
Me solta!
Só
o dono do bar se dispôs a socorrer a garota, sob os protestos de Munga.
—
Se toca, ô
malandro! Se mete com a tua vida. —Largou a garota e saiu, sem pagar a conta.
Fernando
não pensava em mais nada a não ser em Lucimar.
A mãe reparou.
—
O que deu
em você, Nandinho? Anda mais no mundo
da lua que antes.
—
Mãe, onde
mora agora a Regina, nossa ex-empregada?
—
Que eu
saiba, no mesmo lugar de sempre: o Morro do
Bumba. Mas por que foi se lembrar dela?
Fernando
não sabia se contava ou não o porquê. Mas acabou dizendo:
—
É que vi a
Lucimar aqui em casa outro dia. Carla
lembrou-se da beleza da garota.
— Era unia pirralha magricela, mas virou uma linda garota. Porém_ não é para você, viu, Nandinho?!
Foram amiguinhos de infância e basta.
Pare por aí, entendeu?
Fernando
nem ouviu o comentário da mãe. Pegou a mochila
e foi saindo.
—
Aonde
vai?
—
Fazer
trabalho na casa de um amigo.
Quando
saía, cruzou com o pai.
—
Ouvi mal
ou você disse que ia estudar?
—
Ouviu
bem.
—
Que
maravilha! Esse é o caminho para a faculdade de Direito: estudar.
Lucimar também não se esquecia daqueles olhos castanhos e cabelos ruivos de Fernando. Como podia ter
ficado longe dele durante tantos
anos?
A semana custava a passar, tanto ela ansiava pelo dia de voltar à casa dos Laguna.
Fernando, agora, esperava por ela todas as vezes. Em
uma delas, beijou-a. Ela
retribuiu. Uma amizade de infância,
aos poucos, se transformava em amor.
Carla surpreendeu os dois nesse beijo. Alertou Lucimar para que não misturasse amizade com outra
coisa. Fernando e ela pertenciam a
mundos diferentes. Melhor que não
voltasse mais àquela casa. Falaria com Regina.
Fernando se revoltou. Saía de casa como se fosse ao colégio, mas ficava perambulando pelos lados do
Morro do Bumba, sem coragem de subir.
Lucimar
perdeu a alegria.
Regina
foi dispensada do trabalho da família Laguna.
Munga continuava seguindo Lucimar quando ela ia e voltava da escola. Naquela dia, atacou de novo.
Escondido, abordou-a no pé do morro.
A garota, ao tentar se desvencilhar, derrubou a mochila mal fechada. Cadernos e outras coisas rolaram no chão, inclusive uma foto
de Fernando. Munga pegou.
—
Ah, agora
descobri o culpado dessa tristeza toda! E
pode crer, já vi esse enferrujado rondando o morro. Ele que me aguarde.
Lucimar
se desesperou.
—
Não,
Munga! Não faz mal pra ele, pelo amor de Deus!
—
Vai ver só
o que vou fazer com garota minha ninguém mexe.
Lucimar
não disse nada. Recolheu suas coisas e saiu correndo, coração aos saltos, morro acima.
Em
vão Fernando esperou por ela junto ao pé do morro. Tinha se atrasado. Queria ver Lucimar
chegando da escola, fazer uma surpresa.
Mas quem ele encontrou foi Munga,
olhos injetados de ódio.
—
Quer
encrenca, ferrugem? Pois encontrou.
Foi
quando um carro de polícia, que fazia a ronda noturna nas proximidades do Morro do Bumba, encontrou Fernando desacordado.
Enquanto
isso, um carro de bombeiros subia o morro para salvar o que pudesse da casa de Regina e
Lucimar...
A
primeira palavra que Fernando disse, quando acordou no hospital, foi "Lucimar".
O
pai e a mãe, na iminência de perdê-lo, deixaram de lado o orgulho e mandaram buscar a garota; então
souberam do incêndio da casa,
provocado por Munga.
Semanas
depois, com Fernando já recuperado, Regina
e Lucimar chegaram à residência dos Laguna para ficar. Haviam perdido
tudo e, afinal, aquela casa era muito grande só para os Laguna. Regina voltaria
a trabalhar para Carla. A menina continuaria os estudos e ajudaria a mãe.
Munga, sentindo-se vingado, esqueceu da
existência de Lucimar e dele ninguém mais ouviu falar.
O que o futuro reservava
para Fernando e Lucimar era uma incógnita. Mas de uma coisa não se podia
duvidar: aquele amor juvenil, mas tão intenso, tinha vencido todos os
preconceitos.
1. A narrativa ocorre em dois espaços. Quais são eles?
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2. Quais as personagens da narrativa?
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3. Regina trabalhava para a família Laguna. Como era o trabalho de Regina
quando Lucimar era mais nova? E depois que trabalho Regina passou a fazer?
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4. Fernando, bonito, alto e ruivo, adolescia entre o pai atarefado e
ausente e as futilidades da mãe. De acordo com o texto as futilidades da
mãe era o quê?
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5. O que Munga era de Lucimar?
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6. O que o pai de Fernando queria que ele fosse?
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7. A mãe de Fernando gostou de ver o filho beijando a menina? Por quê?
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8. Por que a mãe passou a apoiar o namoro de Fernando e Lucimar?
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9. O que Munga fez para se vingar?
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10. “Mas de uma coisa não se podia duvidar: aquele amor juvenil, mas tão
intenso, tinha vencido todos os preconceitos.” A quais preconceitos presente no
texto esse fragmento se refere?
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11.As palavras abaixo foram retiradas do texto. Complete os espaços com a letra certa.
a) JAB___TICABA (U,O)
b) MO___ILA (X,CH)
c) INTEN__O (Ç,S,SS)
d) SURPRE__A (S,Z)
e) TRISTE___(S,Z)
12. Acentue as palavras se necessário.
a) INVENTARIO
b) DICIONARIO
c) RESIDENCIA
d) ADOLESCENCIA
e) CIUME
f) SAUDE
13. Correlacione as colunas:
(1) Inventário
( ) soltar
(2) Honorário ( ) residência grande
(3) Incógnita (
) pagamento
(4) Desvencilhar ( )
desconhecido
(5) Palacete ( ) relação bens deixado por pessoa falecida
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