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domingo, 24 de março de 2024

CONTRA TODOS – CONTO – ELIANA MARTINS

 

CONTRA TODOS – CONTO – ELIANE MARTINS

Uma vez por semana, aquela garota, cabelos encaracolados, descia o morro em direção à zona sul. Passava pelas ruelas da favela despertando o ciúme de Munga.

— Vai aonde, rebolando desse jeito?

Ela, sem dar ouvidos, seguia em frente.

O dr. Laguna, advogado especialista em heranças, havia recebido um palacete antigo como pagamento de honorários frente a um complicado inventário.

A familia Laguna, composta apenas do advogado, sua esposa Carla e o filho Fernando, perdia-se no meio daquele lugar enorme.

A única preocupação do dr. Laguna era aumentar seu patrimônio. Para isso não media esforços.

Já Carla, mulher atraente, não dava importância a coi­sa alguma que não fosse seu bem-estar, amigos, compras, viagens.

Fernando, bonito, alto e ruivo, adolescia entre o pai atarefado e ausente e as futilidades da mãe.

Interessado em cinema, estressava o dr. Laguna, que o queria na faculdade de Direito.

Sempre que a garota vinha entregar a roupa que sua mãe passava, havia anos, para a família, Carla Laguna ad­mirava sua beleza.

   Você não tem medo de descer o morro sozinha, Lucimar?

A garota sorriu com o elogio, deixando à mostra os dentes branquinhos.

Por um motivo ou outro, Fernando nunca estava em casa quando Lucimar aparecia. Naquele dia, porém, ao sair, cruzou com ela. Parou para admirar aquela garota cor de jabuticaba e dentes de marfim.

Lucimar tinha exatamente a idade dele e parecia saí­da de um filme.

   Será que é quem eu tô pensando? — perguntou ele, reconhecendo a companheira de brincadeiras de infância, quando a mãe da garota era mensalista em sua casa. — Lu­cimar?!

   Eu mesma, Nando. — Ela o chamou pelo apelido.

   Puxa vida! Que linda você ficou!

Lucimar deu risada.

   Você também não fica atrás.

Fernando até esqueceu para onde ia. Ficou ali, ao lado dela, batendo papo e recordando a infância.

Já era quase noite quando a garota mais bonita da comunidade subiu o morro trazendo um novo pacote de roupa lavada dos Laguna para a mãe passar.


Munga e sua turma jogavam conversa fora no barzi­nho improvisado na frente de uma casa.

    Rebola, morena, mas rebola pra mim — Munga disse e, levantando-se rapidamente, enlaçou a cintura de Lucimar.

O pacote de roupa caiu no chão.

   Me larga, Munga!

   Você me deixa louco, morena!

   Me solta!

Só o dono do bar se dispôs a socorrer a garota, sob os protestos de Munga.

   Se toca, ô malandro! Se mete com a tua vida. —Largou a garota e saiu, sem pagar a conta.

Fernando não pensava em mais nada a não ser em Lu­cimar. A mãe reparou.

    O que deu em você, Nandinho? Anda mais no mundo da lua que antes.

   Mãe, onde mora agora a Regina, nossa ex-empre­gada?

   Que eu saiba, no mesmo lugar de sempre: o Morro do Bumba. Mas por que foi se lembrar dela?

Fernando não sabia se contava ou não o porquê. Mas acabou dizendo:

   É que vi a Lucimar aqui em casa outro dia. Carla lembrou-se da beleza da garota.

   Era unia pirralha magricela, mas virou uma linda garota. Porém_ não é para você, viu, Nandinho?! Foram amiguinhos de infância e basta. Pare por aí, entendeu?

Fernando nem ouviu o comentário da mãe. Pegou a mochila e foi saindo.

  Aonde vai?

  Fazer trabalho na casa de um amigo.

Quando saía, cruzou com o pai.

  Ouvi mal ou você disse que ia estudar?

  Ouviu bem.

  Que maravilha! Esse é o caminho para a faculdade de Direito: estudar.

Lucimar também não se esquecia daqueles olhos cas­tanhos e cabelos ruivos de Fernando. Como podia ter fica­do longe dele durante tantos anos?

A semana custava a passar, tanto ela ansiava pelo dia de voltar à casa dos Laguna.

Fernando, agora, esperava por ela todas as vezes. Em uma delas, beijou-a. Ela retribuiu. Uma amizade de infân­cia, aos poucos, se transformava em amor.

Carla surpreendeu os dois nesse beijo. Alertou Lu­cimar para que não misturasse amizade com outra coisa. Fernando e ela pertenciam a mundos diferentes. Melhor que não voltasse mais àquela casa. Falaria com Regina.

Fernando se revoltou. Saía de casa como se fosse ao colégio, mas ficava perambulando pelos lados do Morro do Bumba, sem coragem de subir.

Lucimar perdeu a alegria.

Regina foi dispensada do trabalho da família Laguna.

Munga continuava seguindo Lucimar quando ela ia e voltava da escola. Naquela dia, atacou de novo. Escon­dido, abordou-a no pé do morro. A garota, ao tentar se desvencilhar, derrubou a mochila mal fechada. Cadernos e outras coisas rolaram no chão, inclusive uma foto de Fer­nando. Munga pegou.

   Ah, agora descobri o culpado dessa tristeza toda! E pode crer, já vi esse enferrujado rondando o morro. Ele que me aguarde.

Lucimar se desesperou.

   Não, Munga! Não faz mal pra ele, pelo amor de Deus!

   Vai ver só o que vou fazer com garota minha nin­guém mexe.

Lucimar não disse nada. Recolheu suas coisas e saiu correndo, coração aos saltos, morro acima.

Em vão Fernando esperou por ela junto ao pé do morro. Tinha se atrasado. Queria ver Lucimar chegando da escola, fazer uma surpresa. Mas quem ele encontrou foi Munga, olhos injetados de ódio.

   Quer encrenca, ferrugem? Pois encontrou.

Foi quando um carro de polícia, que fazia a ronda noturna nas proximidades do Morro do Bumba, encon­trou Fernando desacordado.

Enquanto isso, um carro de bombeiros subia o morro para salvar o que pudesse da casa de Regina e Lucimar...

A primeira palavra que Fernando disse, quando acordou no hospital, foi "Lucimar".

O pai e a mãe, na iminência de perdê-lo, deixaram de lado o orgulho e mandaram buscar a garota; então soube­ram do incêndio da casa, provocado por Munga.

Semanas depois, com Fernando já recuperado, Re­gina e Lucimar chegaram à residência dos Laguna para ficar. Haviam perdido tudo e, afinal, aquela casa era muito grande só para os Laguna. Regina voltaria a trabalhar para Carla. A menina continuaria os estudos e ajudaria a mãe.

 Munga, sentindo-se vingado, esqueceu da existência de Lucimar e dele ninguém mais ouviu falar.

O que o futuro reservava para Fernando e Lucimar era uma incógnita. Mas de uma coisa não se podia duvidar: aquele amor juvenil, mas tão intenso, tinha vencido todos os preconceitos.

 

1. A narrativa ocorre em dois espaços. Quais são eles?

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2. Quais as personagens da narrativa?

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3. Regina trabalhava para a família Laguna. Como era o trabalho de Regina quando Lucimar era mais nova? E depois que trabalho Regina passou a fazer?

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4. Fernando, bonito, alto e ruivo, adolescia entre o pai atarefado e ausente e as futilidades da mãe. De acordo com o texto as futilidades da mãe era o quê?

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5. O que Munga era de Lucimar?

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6. O que o pai de Fernando queria que ele fosse?

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7. A mãe de Fernando gostou de ver o filho beijando a menina? Por quê?

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8. Por que a mãe passou a apoiar o namoro de Fernando e Lucimar?

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9. O que Munga fez para se vingar?

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10. “Mas de uma coisa não se podia duvidar: aquele amor juvenil, mas tão intenso, tinha vencido todos os preconceitos.” A quais preconceitos presente no texto esse fragmento se refere?

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11.As palavras abaixo foram retiradas do texto.  Complete os espaços com a letra certa.

a) JAB___TICABA (U,O)

b) MO___ILA (X,CH)

c) INTEN__O (Ç,S,SS)

d) SURPRE__A (S,Z)

e) TRISTE___(S,Z)

 

12. Acentue as palavras se necessário.

a) INVENTARIO

b) DICIONARIO

c) RESIDENCIA

d) ADOLESCENCIA

e) CIUME

f) SAUDE

 

13. Correlacione as colunas:

(1) Inventário                    (   ) soltar

(2) Honorário                    (   ) residência grande

(3) Incógnita                     (   ) pagamento

(4) Desvencilhar               (   ) desconhecido

(5) Palacete                      (   ) relação bens deixado por pessoa falecida

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