A menina dos
fósforos
Lídia Rosenberg
Aratangy
Era véspera de
Ano-Novo, e a menina (tão pequena, coitadinha!) que vendia fósforos estava com
muito frio e com muita fome. Seu estoque de fósforos coloridos estava intacto,
ninguém tinha comprado nada. Ainda por cima, ela tinha perdido seus chinelos na
neve e seus pezinhos estavam enregelados.
Ela sabia que não
podia voltar para casa, pois tinha certeza de que iria levar a maior surra do
pai, com quem vivia sozinha, desde a morte da mãe. Ele batia nela
constantemente e contava com o dinheiro da venda dos fósforos para comprar
comida e bebida. A menina não podia chegar de mãos vazias.
O frio aumentou e
ela resolveu acender um só dos fósforos coloridos, para se aquecer um
pouco.
A pequena chama
azulada trouxe mais do que um pouco de calor. Na luz bruxuleante do fósforo,
seus olhinhos chorosos vislumbraram um fogareiro de ferro, onde a lenha
crepitava e esquentava tanto, tanto, que ela estendeu também os seus pezinhos,
para que se aquecessem.
Mas, muito
depressa, a chama se extinguiu, o fogareiro desapareceu, e a menina se viu
sentada no mesmo lugar, no chão gelado, tendo nas mãos o resto apagado do
fósforo.
A noite, no
entanto, parecia agora mais escura, mais fria, mais assustadora do que antes,
quando ela ainda não tinha visto a luz mágica da pequena chama colorida.
Riscou rapidamente
um segundo fósforo. Desta vez, seus olhos se depararam com a visão de uma sala
de jantar, com a mesa posta, tendo ao centro uma enorme travessa com um peru
assado, rodeado de ameixas, uvas e maçãs.
Apagou-se o
fósforo. De novo, a menina se viu no frio da noite, enregelada e faminta,
diante de uma parede escura e triste, que agora lhe parecia ainda mais escura,
ainda mais triste.
Mais que depressa,
a menina acendeu um terceiro fósforo. Desta vez, ela se viu diante da figura carinhosa
de sua mãezinha, morta há tanto tempo.
Com medo de que a
imagem querida também se desvanecesse no ar, como o fogareiro, como a comida,
ela se põe apressadamente a acender um fósforo atrás de outro, até queimar todo
o pacote. A luz assim produzida tinha uma claridade mais brilhante do que o
dia, seu calor parecia mais quente do que o Sol.
E a um aceno
sorridente de sua mãe, a menina deixou-se conduzir, segurando com suas
mãozinhas frias as mãos quentes e macias que sua mãezinha lhe estendia. Seguiu-a,
em direção às mais brilhantes estrelas do firmamento.
Quando clareou a
fria manhã do Ano-Novo, os passantes encontraram a menina sentada no chão,
cercada pelos restos de fósforos queimados. Com as faces arroxeadas, ainda com
um sorriso nos lábios. Morta de frio.
— Quis
aquecer-se, coitadinha! Disse alguém, ao passar.
1. A autora reconta
uma história infantil sobre uma vendedora de fósforos. Podem-se delimitar os
seguintes elementos da narrativa:
(1º) situação
inicial ou orientação: apresentação da personagem, do lugar e da época da
história. Quais parágrafos do texto correspondem a cada um destes
elementos?
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(2º) complicação
ou ações e fatos que acontecem e que realmente compõem a história.
________________________________________________
(3º) resolução
________________________________________________
(4º) resultado ou
estado final
________________________________________________
2.
a) Faça uma
pequena descrição da menina dos fósforos; depois indique expressões do texto
que comprovem sua descrição.
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b) Em que época
do ano este conto ocorre? Como você sabe?
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c) Esta história
se passa aqui no Brasil? Por quê?
______________________________________________________________
3.
a) Neste conto,
narrado por Lídia Rosenberg Aratangy, a menina acende inicialmente três
fósforos. O que ela vê após acender cada um destes fósforos? Qual a relação
destas visões com o que ela está sentindo naquele momento?
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b) Por que ela resolve
continuar acendendo fósforos, antes que o terceiro se apague?
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c) O que a garotinha
vê, ao acender os fósforos, é real? Por que ela continua a acender
fósforos?
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4. Em que trecho
da história está registrado o momento da morte da menina?
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5. A história da
menina dos fósforos é a primeira parte de um capítulo do livro "Doces
venenos: conversas e desconversas sobre drogas". Leia a seguir a
segunda parte do capítulo e veja como a autora relaciona este conto com
o uso de drogas.
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Texto 3 - continuação
Muitas vezes, a
realidade em que a gente vive é tão ruim, tão feia e tão triste, que dá vontade
de escapar dela, mesmo a qualquer preço.
O problema é que,
em geral, as drogas fazem com que as pessoas acabem se esquecendo de que havia
uma realidade da qual queriam fugir - e as pessoas passam a acreditar que não
foram elas que fugiram, mas que foi a realidade que mudou. Isto é, acabam
acreditando que conseguiram provocar alguma mudança no mundo e resolver algum
problema, quando o que conseguiram foi apenas colocar uma espécie de lente para
mudar o seu jeito de ver um mundo que continua tão ruim, tão feito e tão triste
como antes. Só que mais perigoso.
Essa espécie de
sinal de realidade, essa capacidade de distinguir entre o real e o imaginário -
que se perde com a droga - é um dos mecanismos responsáveis pela sobrevivência
humana.
Quando um bebê
recém-nascido está com fome, é provável que ele crie, em sua fantasia, visões
do seio da mãe, farto de leite. Esse fenômeno ajuda o bebê a tolerar a privação
por algum tempo: permite que ele se acalme e não caia no maior desespero,
enquanto a mãe não vem atendê-lo.
No entanto, se não
houvesse algum sinal que identificasse aquilo como irreal, se o bebê
acreditasse mesmo que estava sendo alimentado por aquele seio fantasma e se
sentisse saciado com isso, acabaria por morrer de fome.
Como a Pequena
Vendedora de Fósforos.
ARATANGY, Lídia
Rosenberg. Doces venenos: conversas e desconversas sobre drogas.
São Paulo: Editora
Olho d'Água, 1991, p. 173-175.
6. Procure
relacionar este último trecho do texto de Lídia Aratangy com a história da
vendedora de fósforos.
a) Qual era a
realidade da vendedora de fósforos da qual ela procurou fugir?
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b) Ao acender os
fósforos, a garota conseguiu mudar sua realidade? Por que ela continuou
acendendo fósforos?
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c) Como este
comportamento retrata também o comportamento de uma pessoa que se envolve com
drogas? Como você justifica isso?
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d) De acordo com os
textos lidos, quem poderia ter ajudado a vendedora de fósforos?
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7. O texto" A
menina dos fósforos" é formado por duas partes: primeiro, a autora
apresenta um conto; depois, uma exposição sobre o uso de drogas.
a) Qual a função do
conto de fadas neste texto?
___________________________________________________________________
b) Qual a função
da segunda parte do texto?
_____________________________________________________________________
Gabarito:
1.
(1º) parágrafos 1 e
2
(2º) parágrafos 3 a
10
(3º) parágrafo 11
(4º) parágrafo 12 e
13
2.
a) Resposta pessoal. A
descrição do aluno deve ser comprovada com fatos da história, mesmo
que não estejam explicitados. Por exemplo: "a garotinha sofria
muito" pode ser comprovado por: estava com fome e frio, o
pai batia nela constantemente, a mãe havia morrido.
b) No fim do
ano, pois o texto começa dizendo que "era véspera de Ano-Novo" e,
no final, fala da "fria manhã do Ano-Novo".
c) Não, pois no fim do
ano não costuma fazer frio aqui no Brasil, embora em algumas
regiões chova. A história deve se passar em lugares em que o
inverno ocorre nesta época, como na Europa ou na América do
Norte.
3.
a) Após acender o
primeiro fósforo, ela viu um fogareiro que a esquentava do frio que sentia;
após acender o segundo, ela viu uma mesa cheia de comida, pois estava com muita
fome, e após acender o terceiro fósforo, ela viu sua mãe, que já morrera, de
quem sentia falta.
b) Para que a
imagem de sua mãe não desapareça, como as outras aparições.
c) Não, o que ela via
eram miragens, coisas que ela queria muito, que a deixariam feliz, sem
sofrimentos. Ela continuou acendendo fósforos, na esperança de que as miragens
se tornassem realidade.
4. Seguiu-a, em
direção às mais brilhantes estrelas do firmamento.
5. Professor(a):
sugerimos que esta questão seja discutida oralmente, no grande grupo, após a
leitura individual da segunda parte do texto. Discuta com os alunos as
diferentes interpretações que deverão surgir, mas assegure-se sempre de que
estas diferentes respostas sejam autorizadas pelo texto.
6.
a) Ela
sentia fome, frio e falta de amor. Ela não podia contar com seu pai, que queria
apenas o dinheiro que arrecadava com a venda dos fósforos, nem com outras
pessoas, pois ninguém comprou fósforos ou se interessou por ela.
b) Não; nas chamas dos
fósforos, ela só via miragens que mostravam tudo aquilo de que ela precisava,
mas não tinha. Ela continuou acendendo os fósforos, porque cada vez que
um fósforo se apagava a miragem desaparecia, e ela voltava para seu mundo ruim:
então ela tentou manter a chama acesa para que a ilusão não
desaparecesse.
c) A droga dá a ela a
ilusão de uma realidade diferente daquela ruim, feia e triste em que vive.
Assim, cada vez que o efeito da droga passa, ela volta a procurar a droga, na
ilusão de estar provocando uma mudança em sua própria realidade.
d) Poderiam
ter ajudado a vendedora de fósforos: as pessoas que comprassem seus fósforos
para que ela pudesse voltar para casa e, principalmente, seu pai, dando-lhe
carinho, atenção e cuidando dela.
7.
a) Apresentar
uma história que serve para mostrar de forma mais clara o modo como as drogas
fazem as pessoas fugirem da realidade.
b) Apresentar as
ideias da autora sobre a incapacidade de o usuário de drogas distinguir
realidade de imaginação.
Referência: A
aventura da linguagem (Editora Dimensão)
Imagem: Google
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