CONTO OS DOIS PAPUDOS
Ruth
Guimarães
Vivia numa povoação um
alegre papudo, estimado de todos, muito folgazão e boêmio. Não o impedia o papo
de soltar grandes risadas. Pouco se lhe dava que o achassem feio, ou o
chamassem de papudo. A verdade é que o tal papo o incomodava, mas o que não tem
remédio remediado está, filosofava ele. E vamos tocar viola, e vamos amanhecer
nos fandangos, viva a alegria, minha gente, que se vive uma vez só.
Certo dia, foi ao
povoado vizinho, a uma festa de casamento, levando embaixo do braço a
inseparável viola. Demorou mais que de costume, bebeu uns tragos a mais, porém
não deixou de voltar para casa, pois era tão trabalhador quanto festeiro, e
tinha que pegar no serviço no outro dia bem cedo.
Havia luar. Num grande estirão
avistava a estrada larga, as touceiras de mato. Passava o gambá por perto dele,
e o tatu, roncando, e voava baixo, silenciosamente, a corujinha campeira. O
papudo não sentia medo. Andava em paz com Deus e com os Homens. Os animais, que
adivinham nele um homem de coração compassivo, também não tinham medo dele.
De repente, ao virar numa
curva, viu embaixo da figueira brava, ramalhuda, uma roda de anões cantando.
Todos com capuzes vermelhos, cachimbo com a brasa luzindo, a barba branca
comprida, descendo até a altura do peito.
-- O que será aquilo?
Por um instante teve algum
temor. Mas era tarde para fugir. Os foliões já o tinham visto. E, se se tratava
de festa, isto era com ele. Saltou decidido para o meio da roda, empunhando a
viola.
-- Eu também sei cantar.
Enquanto pinicava as cordas,
prestava atenção às palavras dos dançarinos. Eles entoavam:
Segunda, terça
Quarta, quinta...
E tornavam ao começo:
Segunda, terça
Quarta, quinta...
E assim sempre, numa musiquinha
muito cacete. Acostumado aos desafios, a improvisar, o papudo esperou a sua
deixa. Assim que os anões começaram:
Segunda, terça
Quarta, quinta...
Ele emendou:
Sexta, sábado
Domundo também.
A roda pegou fogo. Os pequenos
duendes barbudos gostaram da novidade. Rodopiavam cantando numa animação
delirante, e foi assim a noite toda. E o papudo tocando e dançando.
De madrugada, ao primeiro cantar do
galo, a roda se desfez. O mais velho deles, e que parecia o chefe,
perguntou-lhe:
-- Que é que você quer, em
paga de ter tocado para nós?
-- Eu até que me diverti com
esta festa - replicou o papudo.
-- Mas peça qualquer coisa.
-- Posso pedir seja o que for?
-- Pode.
-- Eu queria - disse ele, meio
hesitante - queria me ver livre deste papo, que me incomoda muito.
Um anãozinho agarrou o papo com as
duas mãos, subiu pelo peito do papudo, firmou bem os pés, deu um arrancão.
O papudo fechou os olhos.
-- Agora eles me matam.
De repente sentiu o pescoço leve.
Abriu os olhos. Os anõezinhos tinham sumido. Não ouviu mais nada. Meio
cinzento, despontava o dia.
"Sonhei", pensou
ele. "Bebi demais naquele casamento."
Passou a mão pelo pescoço,
estava liso, sem excrescência nenhuma.
"Agora fiquei mais
bonito", pensou também, muito satisfeito.
E aí deu com o papo jogado em
cima do cupim.
Agarrou a viola e foi para
casa.
Imagine-se a sensação que não
foi, o papudo amanhecer, sem mais nem menos, sem o papo.
-- Que milagre foi esse? -
perguntavam.
Papudo ria, papudo cantava,
continuava folgazão como sempre, mas não contava a aventura, de medo que o
chamassem de louco, e não acreditassem.
Esse moço tinha um compadre, que
também era papudo.
E tanto apertou o amigo, e tanto
falou:
-- Eu também quero me ver livre
desse aleijão. Quero ficar bonito, e arranjar uma namorada. Você não é amigo.
Foi assim, até que o moço lhe contou
tudo.
O outro encarou, incrédulo.
-- Verdade?
-- Verdade.
-- O anão falou que você podia pedir
o que quisesse?
-- Falou.
-- E você em vez de pedir riquezas,
pediu para ficar sem o papo?
-- Ora, pobreza não me incomoda, mas
o papo incomodava.
-- Mas você é louco. Você é um
burro. Pedisse riqueza. Quem é rico, que é que tem o papo? Quem se incomoda com
papo? Eu, se fosse rico, me casaria com uma mulher bonita, do mesmo
jeito. Você é bobo. Onde é esse lugar, onde você
encontrou os fantasmas?
O outro preveniu:
-- Compadre, você vai lá com
esganação, vai ofender os anõezinhos, e ainda se arrepende.
-- Nada disso. Você o que é, é um
egoísta. Está formoso, que se danem os outros.
Aí o moço encolheu os ombros e
falou:
-- Sua alma, sua palma. Vá lá,
depois não se queixe.
Ensinou onde era, o compadre
invejoso agarrou a viola e foi, noite alta, direitinho como o outro tinha
feito. Também era noite de luar. Também dançou a noite inteira, cantando. Ao
primeiro cantar do galo a roda se desfez.
-- Que é que você quer, em paga de
ter tocado para nós?
O papudo deu uma piscadela maliciosa
para o anão e falou, esfregando o indicador e o polegar, no gesto clássico, que
significa dinheiro:
-- Eu quero aquilo que o
meu compadre não quis.
Um anãozinho foi ao cupim, tirou o
papo do outro que estava lá, e grudou em cima do papo do invejoso.
E assim, por sua louca ambição, ele
ficou com dois papos.
GUIMARÃES, Ruth (org.). Lendas e fábulas do Brasil, 4. ed. São Paulo:
Cultrix, 1972.
Fonte: Livro - Para Viver Juntos - Português - 6º
ano - Ensino Fundamental- Anos Finais - Edições SM - p.50 a 53..
TEXTO
EM ESTUDO
1. Sua hipótese sobre como eram as
personagens se confirmou? Justifique.
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2. O conto tem como personagens dois
homens com uma característica peculiar.
a) Que característica
é essa? Os dois homens se sentem satisfeitos com ela?
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b)Como as pessoas da
história reagem a essa característica das personagens?
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c) Ao longo do conto,
há uma oposição entre as duas personagens principais. Qual é a diferença entre
elas?
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3. Releia o sexto parágrafo do texto.
a)Por que os foliões
provocam medo no homem?
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b) Que estratégia a
personagem usa para enfrentar a situação?
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c) Como se
caracteriza, no texto, o ambiente onde se passa a ação?
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4. Por que os anões transformaram
os homens?
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5. No fim do conto, as duas
personagens principais foram modificadas.
a) Que mudanças
ocorrem com cada personagem?
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b) Por que elas
aconteceram?
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ANOTE AÍ
Os contos populares são narrativas da tradição oral que expressam costumes, ideias, valores e tradições de um
povo ou de determinada cultura. Uma característica frequente nos contos populares é
a presença de seres com poderes
sobrenaturais, que pronunciam palavras
mágicas e lançam feitiços ou encantos.
OTEMPO
NARRATIVO
6. Observe as expressões iniciais
do primeiro e do segundo parágrafos: "Vivia numa povoação" e "Certo dia".
a) Qual delas indica
que ocorrerá uma mudança na história?
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b) Qual delas marca
quando acontece a narrativa?
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7. Que expressões indicam quando
terminam os encontros com os anões?
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8. Se as expressões apontadas nas
questões 6 e 7 não fossem utilizadas, que efeito isso causaria no conto?
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9. Em quanto tempo se desenvolveram
as ações narradas na
história?
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ANOTE AÍ
Nos contos populares não é especificado o momento histórico em que o fato acontece. Para indicar o tempo nessas narrativas, costuma-se usar expressões que
sinalizam um passado distante e impreciso, como nos contos de fadas. Essas
expressões temporais remetem a um tempo imaginário, e não a um tempo
real.
Nos contos também são usados marcadores de tempo, expressões que indicam
o tempo narrativo, dando
ideia do momento em que determinadas ações acontecem e da I ordem em que os fatos se
desenvolvem na história.
Em geral, o tempo narrativo segue uma ordem linear ou cronológica (passado - presente - futuro). No entanto, nem toda história segue essa ordem, ou
seja, os fatos também podem ser apresentados de modo não linear
O CONTEXTO DE PRODUÇÃO
10. Leia uma fala de Ruth Guimarães sobre como recolher
boas narrativas.
[...]
"Não chegue pedindo para que te contem uma história'', dizia, "Conte uma primeiro. Os que pensarem que
você é louco, irão embora. Os que têm histórias para contar, vão se aproximar e dividi-las
com você."
a) Como Ruth Guimarães descobria as
histórias que registrava em livros?
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b) É possível saber, por esse
trecho, se as pessoas que reagiam contando outras histórias eram necessariamente as
produtoras da narrativa que contavam?
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11. Releia este trecho do conto:
“Certo dia, foi ao povoado
vizinho, a urna festa de casamento, levando embaixo do braço a inseparável viola. [...] tinha que pegar no
serviço no outro dia bem cedo.”
a) Por esse trecho, o que podemos
perceber sobre a vida da personagem?
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b)
Em
que ambiente é comum a viola ter destaque?
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A LINGUAGEM DO TEXTO
12. Reescreva esta frase
substituindo os termos destacados conforme indicado. Compadre, você
vai lá com esganação, vai ofender os
anõezinhos {...j.
a) Use termos com sentido parecido,
considerando que a frase seria dita pela própria personagem do conto, mas de forma diferente.
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b) Use termos com sentido parecido,
considerando que a frase seria dita por você para um colega.
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c) Nas respostas aos itens a e b, você utilizou as mesmas palavras? Por quê?
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13. Observe o trecho a seguir: "O papudo deu uma
piscadela maliciosa para o anão [...]". Ao utilizar a palavra em destaque, o
narrador parece revelar que ideia sobre a personagem?
ANOTE AÍ
Os
contos populares relacionam-se à memória
e à cultura de uma comunidade.
São contados oralmente em situações
informais. Por serem criações
coletivas, não há como determinar
como surgiram e quem os criou. Quem os reconta pode introduzir mudanças e também costuma manter o modo de falar das regiões e
comunidades nas quais as histórias se originam, bem como as marcas da época em
que as narrativas foram recolhidas.
Manda a resposta professor
ResponderExcluirManda a respostas
ResponderExcluirmanda as respostaaaassss
ResponderExcluirQue expressões indicam quando terminam os encontros com os anões?
ExcluirManda respostaaaaaaa por favor
ResponderExcluirOnde tá as respostas
ResponderExcluir