OS NAMORADOS DA FILHA
Quando a filha adolescente anunciou que ia dormir com o
namorado, o pai não disse nada. Não a recriminou, não lembrou os rígidos
padrões morais de sua juventude. Homem avançado, esperava que aquilo acontecesse um dia. Só
não esperava que acontecesse tão cedo.
Mas tinha uma exigência, além das clássicas recomendações. A
moça podia dormir com o namorado:
─ Mas aqui em casa.
Ela, por sua vez, não protestou. Até ficou contente. Aquilo
resultava em inesperada comodidade. Vida amorosa em domicílio, o que mais podia
desejar? Perfeito.
O namorado não se mostrou menos satisfeito. Entre outras
razões, porque passaria a partilhar o abundante café da manhã da família.
Aliás, seu apetite era espantoso: diante do olhar assombrado e melancólico do
dono da casa, devorava toneladas do melhor requeijão, do mais fino presunto,
tudo regado a litros de suco de laranja.
Um dia, o namorado sumiu. Brigamos, disse a filha, mas já
estou saindo com outro. O pai pediu que ela trouxesse o rapaz. Veio, e era
muito parecido com o anterior: magro, cabeludo, com apetite descomunal.
Breve, o homem descobriria que constância não era uma
característica fundamental de sua filha. Os namorados começaram a se suceder em
ritmo acelerado. Cada manhã de domingo, era uma nova surpresa: este é o Rodrigo,
este é o James, este é o Tato, este é o Cabeça. Lá pelas tantas, ele desistiu
de memorizar nomes ou mesmo fisionomias. Se estava na mesa do café da manhã,
era namorado. Às vezes, também acontecia ─ ah, essa próstata, essa próstata ─
que ele levantava à noite para ir ao banheiro e cruzava com um dos galãs no
corredor. Encontro insólito, mas os cumprimentos eram sempre gentis.
Uma noite, acordou, como de costume, e, no corredor, deu de
cara com um rapaz que o olhou apavorado. Tranquilizou-o:
─ Eu sou o
pai da Melissa. Não se preocupe, fique à vontade. Faça de conta que a casa é
sua.
E foi deitar.
Na manhã seguinte, a filha desceu para tomar café. Sozinha.
─ E o rapaz? ─ perguntou o pai.
─ Que rapaz? ─ disse ela.
Algo lhe ocorreu, e ele, nervoso, pôs-se de imediato a
checar a casa. Faltava o CD player, faltava a máquina fotográfica, faltava a
impressora do computador. O namorado não era namorado. Paixão poderia nutrir,
mas era pela propriedade alheia.
Um único consolo restou ao perplexo pai: aquele, pelo menos,
não fizera estrago no café da manhã.
Moacyr Scliar (Crônica extraída da Revista Zero Hora,
26/4/1998, e contida no livro Boa Companhia: crônicas, organizado por Humberto
Werneck, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, 2. reimpressão, pp. 205-6.)
1 - No texto, procure
uma palavra que possa substituir os termos grifados nas frases abaixo sem
alterar o sentido.
a) “Não a
censurou, não lembrou os rígidos padrões morais de sua juventude.”
________________________
b) “Encontro
inusitado, mas os cumprimentos eram sempre gentis.”
________________________________
2 - Qual é o tipo de
crônica escrita por Moacyr Scliar?
(a) narrativa
(b) reflexiva
(c) lírica (d) crônica-ensaio
3 - Essa crônica contém
elementos predominantemente narrativos. Agora localize no texto cada um desses
elementos.
a) Situação inicial
__________________________________
b) Conflito
________________________________________
c) Clímax
_________________________________________
d) Desfecho
_______________________________________
4 - Quais são os
personagens desse texto?
5 - Qual o cenário
onde a história acontece?
6 - Como podemos classificar o tempo? Cronológico ou
psicológico?
7 - Como se apresenta o narrador e o foco narrativo nessa crônica?
8 - Por que o pai da jovem era realmente um homem avançado?
9 - Qual é o tema retratado nessa crônica?
10 - Como podemos
classificar o tipo de discurso?
11 - Qual o objetivo desse texto?
12 - Qual é sua
opinião a respeito do comportamento da adolescente do texto?
O gabarito séria o que ?
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