crônica
Varanda gourmet
De vez em quando a gente
vê nos comerciais, empreendimentos anunciando a tal da varanda gourmet. Esta é
uma sacada (permitam-me o trocadilho) da indústria imobiliária para sanar um
problema antigo, uma velha dor de cabeça que atormentava os moradores de
condomínios verticais; a incerteza de um lugar para o churrasquinho de domingo.
Pode até ser que a
invenção tenha vindo de um dos nossos gênios na concepção do ambiente. Mas
minha amiga Cristal Tobias, que é ambientalista defensora das areias de
Algodoal e uma alma simpaticíssima, tem uma versão para a origem das atuais
varandas fumegantes.
Ela nos conta que tinha
uma amiga que esquentava muito a moringa toda vez que ia fazer uma programação
na área de lazer dos conjuntos em que morava. Nunca conseguia uma vaga. Mudava
de condomínio, recebia promessas de mil maravilhas, mas quando a coisa cambava
para o salão de festas, era a mesma explicação enfastiada. E ela, sem agenda,
sem esperança, sem saco. Passou, passou e aquela reunião com churrasquinho,
aquele aniversário com língua de sogra, sempre eram desviados para a casa da
própria sogra. Era ralado!
Até que um dia compraram
um apartamento com sacada. Saíram do aluguel. Não podiam mudar mais. Era um
investimento alto. As soluções teriam que vir dali. Na primeira investida:
Lista. Tinham que entrar na lista de espera. Foi aí, que ela teve uma ideia.
Deu um rolé pelos
empórios do Ver-o-Peso, juntou três ou quatro peças, chamou um cunhado que
entende dessas coisas e montou uma churrasqueira num cantinho da sacada.
Decidiu: não ia mais se submeter às listonas de espera. A satisfação daquele
desejo atávico, incontrolável e já quase doentio, haveria de ser ali mesmo
naquela quina.
Tudo pronto para a
redenção, para a libertação total daqueles constrangimentos. Chamou a mãe, a
sogra (era a forra), Pôs as latinhas pra gelar, salgou a carne, cortou umas
calabresinhas pros meninos, umas asinhas de frango pro maridão, arrumou a
mesinha com toalha nova. As coisas, ‘tudinho’, no jeito. Só que apareceu o
desmancha prazer do cunhado com a má notícia. Iriam ter problemas com a fumaça.
O vizinho do andar de cima com certeza não iria gostar daquela fumaça
empestando a sala dele. Ela quase que tem um piripaque. Mas mulher, a gente
sabe, não desiste fácil (‘as soluções teriam que vir dali’). Não contou
conversa. Dois minutos depois, estava na porta do vizinho convidando toda a
turma ali de cima para uma reuniãozinha de congraçamento, um momento de
descontração. Sim, poderiam levar os meninos, a empregada, o cunhado. Todos
estavam convidados. Se isso lhe garantia o churrasco, a quantidade de pessoas,
não era problema...Desceu e acendeu o fogo. Não sabe explicar a felicidade
daquele momento. Casa cheia, carne ardendo, marido chupando ossinhos de frango,
molecada tuitando e melecando as teclas do computador com as mãos engorduradas.
Emoção e êxtase. Vizinho porre dormindo no sofá.
A confraternização virou
rotina. Domingo, feriado...salgava a carne, cortava a calabresinha, as
asinhas...apertava a campainha e convidava o vizinho de cima...
E a invencionice ganhou
simpatizantes. O vizinho de baixo montou também uma churrasqueira no cantinho.
E, nesse caso, ela e toda a tropa eram os convidados.
1)
Raimundo Sodré faz uso do parêntese , no primeiro parágrafo , para:
a)
mostrar a valorização imobiliária que um cômodo produz.
b)
esclarecer a mudança de sentido da palavra
c)
explicar que varanda e sacada têm o mesmo significado.
d)
alertar sobre os males da propaganda.
2)
A expressão coloquial “esquentar a moringa” empregada em “esquentava muito a
moringa”, no terceiro parágrafo significa.
a)
aquecer os cômodos do apartamento.
b)
isentar-se de problemas.
c)
beber sem exagero.
d)
preocupar-se com algo.
3)
No texto, percebe-se que há uma relação pouco amistosa entre a “amiga de
Cristal”( protagonista da crônica) e a família de seu cônjuge pelos fragmentos:
a)
“era a forra” “ desmancha prazer do cunhado”
b)
“a satisfação daquele desejo atávico”
c)
“era um investimento alto”, “ não contou conversa”
d)
“ pôs as latinhas para gelar”, “todos estavam convidados”
4)
assinale a alternativa em que a pontuação do fragmento: “ De vez em quando a
gente vê nos comerciais, empreendimentos anunciando a tal varanda gournet.”
Ficará adequada à norma culta:
a)
de vez em quando, a gente, vê nos comerciais, empreendimentos anunciando a tal
varanda gournet.
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