Fernando Sabino
E como ontem estivesse chovendo, tive a infeliz idéia, ao sair à rua, de calçar
um velho par de galochas. Já me desacostumara delas, e me sentia a carregar nos
pés algo pesado, viscoso e desagradável, dando patadas no chão como um
escafandrista de asfalto. Ainda assim, não deixaram de ser, em tempos de
chuvas, a única proteção efetiva para o sapato.
Mas quem disse que chovia? No centro da cidade um sol radioso varava as nuvens
e caía sobre a rua, enchendo tudo de luz, fazendo evaporar as últimas poças de
água que ainda pudessem justificar minhas galochas. E elas de súbito se
tornaram para mim tão anacrônicas, como se eu estivesse de fraque, cartola e
gravata plastrom.
“É que não se usa galocha há mais de vinte anos”, advertia-me uma irônica voz
interior. Desconsolado, parei e olhei em volta. Naquela festa de sol, em plena
Esplanada do Castelo, quem é que iria estar de galocha, além de mim? Vi passar
a meu lado os sapatos brancos de um homem pernosticamente vestido de branco.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, pensei. Saíra depois da chuva, certamente.
Veio-me a desagradável impressão de que todo mundo reparava nas minhas
galochas.
Galochas – mas que coisa antiga, meu Deus do céu! – descobri de súbito: como
não pensar nisso ao calçá-las? Artefatos de borracha – e concluí idiotamente:
hoje em dia tudo é de matéria plástica, ninguém fala mais em capa de borracha –
existirão galochas de plástico? Como fazem os pelintras de hoje para não molhar
os pés nos dias de chuva?
No restaurante, onde entrei arrastando os cascos como um
dromedário, resolvi- me ver livre das galochas. Depois de acomodar-me,
descalcei-as, procurando não chamar a atenção dos outros fregueses, deixei-as
debaixo da mesa.
Ao sair, porém, o garçom, solícito, me advertiu em voz alta, lá do fundo:
— O senhor está esquecendo suas galochas!
Humilhado, voltei para apanhá-las, e sem ligar mais para nada, saí com elas na
mão.
Agora estão lá, abandonadas numa das gavetas de minha mesa de trabalho,
despojos de um mundo extinto. Um dia me serão úteis, quando eu for, como diz o
poeta, suficientemente velho para merecê-las.
Fonte:
Quadrante 2. Rio de
Janeiro: Editora do Autor, 1963, p. 236-238.
Após a leitura do texto, explore oralmente com a turma, o que
compreendeu do texto a partir da palavra “galocha”. Procure com a turma o
significado desta palavra no dicionário e dialogue com os alunos sobre o seu
uso em nosso dia a dia. Os alunos perceberão que galocha é uma espécie de
calçado de borracha e que atualmente esta palavra não é tão utilizada.
Agora, organize os alunos em duplas e solicite que façam
um registro no caderno de Língua Portuguesa, como o sugerido abaixo:
Hoje
lemos a crônica “Galocha” de Fernando Sabino.
Agora
responda:
1 – A crônica mostra que a ideia de sair de galocha pelas ruas
foi infeliz por duas razões. Quais são elas?
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2 – Explique com suas palavras o provérbio que o homem de
galochas pensou:
"Nem
tanto ao mar, nem tanto à terra".
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3 – Por que o homem de galochas se sentiu desconsolado?
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4 – Por que o homem de galochas se sentiu humilhado?
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