O Assalto, de Luís Fernando Veríssimo
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Quando a empregada entrou no elevador, o garoto entrou
atrás. Devia ter uns dezesseis anos, dezessete anos. Preto. Desceram no mesmo
andar. A empregada com o coração batendo. O corredor estava escuro e a
empregada sentiu que o garoto a seguia. Botou a chave na fechadura da porta de
serviço, já em pânico. Com a porta aberta virou-se de repente e gritou para o
garoto:
– Não me bate!
– Senhora?
– Faça o que quiser, mas não me bate!
– Não senhora, eu… A dona da casa veio ver o que estava
havendo. Viu o garoto na porta e o rosto apavorado da empregada e recuou, até
pressionar as costas na geladeira.
– Você está armado?
– Eu? Não.
A empregada, que ainda não largara o pacote de compras,
aconselhou a patroa sem tirar os olhos do garoto:
– É melhor não fazer nada, madame. O melhor é não gritar.
– Eu não vou fazer nada, juro! – disse a patroa, quase aos
prantos. – Você pode entrar. Pode fazer o que quiser. Não precisa usar de
violência.
O garoto olhou de uma mulher para a outra. Apalermado.
Perguntou:
– Aqui é o 712?
– O que você quiser. Entre. Ninguém vai reagir.
O garoto hesitou, depois deu um passo para dentro da
cozinha. A empregada e a patroa recuaram ainda mais. A patroa esgueirou-se pela
parede até chegar à porta que dava para a saleta de almoço. Disse:
– Eu não tenho dinheiro, mas meu marido deve ter. Ele está
em casa. Vou chamá-lo. Ele lhe dará tudo.
O garoto também estava com os olhos arregalados. Perguntou
de novo:
– Este é o 712? Me disseram que era para pegar umas garrafas
no 712.
A mulher chamou com voz trêmula:
– Henrique!
O marido apareceu na porta do gabinete. Viu o rosto da
mulher, o rosto da empregada e o garoto e entendeu tudo. Chegou à hora, pensou.
Sempre me indaguei como me comportaria no caso de um assalto. Chegou a hora de
tirar a prova.
– O que você quer? – perguntou, dando-se conta em seguida do
ridículo da pergunta. Mas sua voz estava firme.
– Eu disse que você tinha dinheiro – falou a mulher.
– Faço um trato com
você – disse o marido ao garoto – dou tudo de valor que tenho em casa, contanto
que você não toque em ninguém.
E se as crianças chegarem de repente? Pensou a mulher. Meu
Deus, o que esse bandido vai fazer com as minhas crianças? O garoto gaguejou:
– Eu… eu… é aqui que tem umas garrafas para pegar? (...)
– Não é para agradar, mas eu compreendo você. Você é uma
vítima do sistema. Deve estar pensando: “Esse burguês cheio da nota está
querendo me conversar”, mas não é isso não. Sempre me senti culpado por viver
bem no meio de tanta miséria. Pode perguntar para minha mulher. Eu não vivo
dizendo que tenho casa. Não somos ricos. Somos, com alguma boa vontade, da
classe média alta. Você tem razão. Qualquer dia também começamos a assaltar
para poder comer. Tem que mudar o sistema. Tome.
O garoto pegou o dinheiro meio sem jeito.
– Olhe, eu só vim pegar as garrafas…
– Sônia, busque as suas joias. Ou melhor, vamos todos buscar
as joias. Os quatros foram para a suíte do casal. O garoto atrás. No caminho
ele sussurrou para a empregada:
– Aqui é o 712? Me disseram para pegar umas garrafas…
– Nós não temos mais nada, confie em mim. Também somos
vítimas do sistema. Estamos do seu lado. Por favor, vá embora! (O analista de
Bagé. Porto Alegre, L& PM, 1981.)
Explorando o texto
1. Por que a empregada entrou em pânico?
2. Por que a palavra “preta” aparece isolada no período?
3. Sem que ninguém dissesse nada, a patroa concluiu que era
um assalto. Por quê?
4. “O marido apareceu na porta do gabinete. Viu o rosto da
mulher, o rosto da empregada e o garoto e entendeu tudo.” Com base em que o
marido poderia “entender tudo”?
5. Você acha que as pessoas têm motivos para viver assim
assustadas atualmente? Por quê?
6. Em sua opinião, de quem foi a Maior falha em toda essa
história? Por quê?
7. Que crítica social se depreende do texto? Explique-a.
8. Quanto ao gênero literário, como você classifica esse
texto? Explique.
9. Por que,
sobretudo, nas grandes cidades, as pessoas são tão precipitadas
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