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terça-feira, 23 de junho de 2020

CONTO: UMA IDEIA TODA AZUL 6º E 9º ANOS


CONTO: UMA IDEIA TODA AZUL - MARINA COLASANTI


                                           Marina Colasanti

        Um dia o rei teve uma ideia. Era a primeira da vida toda e, tão maravilhado ficou com aquela ideia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com alegria, linda ideia dele toda azul.
        Brincaram até o rei adormecer encostado numa árvore.
        Foi acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a ideia poderia ter chamado a atenção de alguém. Bastaria esse alguém pegá-la e levá-la. É tão fácil roubar uma ideia! Quem jamais saberia que já tinha dono?
        Com a ideia escondida debaixo do manto, o rei voltou para o castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, ele saiu dos seus aposentos, atravessou salões, desceu escadas, subiu degraus, até chegar ao corredor das salas do tempo. Portas fechadas e o silêncio. Que sala escolher?
        Diante de cada porta o rei parava, pensava e seguia adiante. Até chegar à sala do sono. Abriu. Na sala acolchoada, os pés do rei afundavam até o tornozelo, o olhar se embaraçava em gases, cortinas e véus pendurados como teias. Sala de quase escuro, sempre igual. O rei deitou a ideia adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta.
        A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.
        O tempo correu seus anos. Ideias o rei não teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais que mentiam a verdade. Apenas sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.
        Só os ministros viam a velhice do rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.
        Posta a coroa sobre a almofada, o rei logo levou a mão à corrente.
        Ninguém mais se ocupa de mim – dizia, atravessando salões, descendo escadas a caminho da sala do tempo. Ninguém mais me olha – dizia. Agora, posso buscar minha linda ideia e guardá-la só para mim.
        Abriu a porta, levantou o cortinado.
        Na cama de marfim, a ideia dormia azul como naquele dia.
        Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma ideia menina. E linda. Mas o rei não era mais o rei daquele dia. Entre ele e a ideia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo todo parado na sala do sono. Seus olhos não viam na ideia a mesma graça. Brincar não queria, nem rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como naquele dia.
        Sentado na beira da cama o rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha guardado para a maior tristeza.
        Depois, baixou o cortinado e, deixando a ideia adormecida, fechou para sempre a porta.
        Moral: ideia não é para ficar adormecida, mas para ser realizada, sob pena de se perder.

                            Extraído da obra de mesmo nome, Editora Global.

Entendendo o conto: 6º ano
01 – Quais fatos no texto permitem classifica-lo como um conto?
      Os fatos são imaginários.

02 – No texto, o narrador conta a história do rei que um dia passou a não ter mais ideias. Por que é importante que as pessoas tenham ideias?
      Para tomar decisões e procurar soluções para os problemas.

03 – O rei sentiu-se feliz porque finalmente teve sua primeira ideia. Temeroso, o rei preferiu esconder sua ideia para que ninguém a roubasse. De que modo se pode roubar uma ideia de outra pessoa?
      Utilizando como se fosse sua, para benefícios ou se promover.

04 – O rei parecia não confiar em ninguém e imaginou que, por ser tão especial, sua ideia atrairia o interesse de qualquer um. O rei agiu bem ao ocultar a sua ideia?
      O rei deveria ter utilizado a ideia azul para ter uma vida mais feliz.

05 – Já envelhecido, o rei finalmente pensou na ideia toda azul que se encontrava adormecida. Por que ele só foi pensar na ideia nesse momento?
      Porque agora tinha tempo para pensar em si mesmo.

9º ano
1 – O texto fala de um acontecimento único: uma ideia. Acontecimento único é
comum, faz parte do cotidiano ou é incomum?
Durante nossa vida (ou mesmo nosso dia) muitos são os acontecimentos. Em se tratando de ideias também. Muitas são as que permeiam nosso dia-a-dia, porém nem todas são colocadas em prática. Com o Rei, no entanto, foi um grande acontecimento, o único de sua vida toda.

2 – Quantos momentos possui a narrativa de Marina Colassanti e qual a contradição entre eles?
No primeiro momento, o rei tem uma idéia, mas não tem tempo de dar tratamento a ela. No segundo momento, o objeto (ideia) continua lá, mas o ser (rei) em relação a ela não, pois agora que tem tempo, não tem mais ânimo (idade) para dela tratar.

3 – As afirmações e as ações são categóricas?
Não, elas são atenuadas por adjetivos. Exemplos: “Brincaram até o Rei adormecer encostado numa árvore” ; “O Rei deitou a ideia adormecida na cama de marfim...” ; “A chave prendeu no pescoço em grossa corrente” ; “...diante dos educados espelhos reais...” ; “Agora posso buscar minha linda idéia...” ; “...a idéia dormia azul como naquele dia.” ; “uma idéia menina”.

4 – As ações se repetem ou são únicas?
As ações são únicas, num crescente e leve evoluir. A história toda se passa rapidamente através da leitura, mas lentamente através do tempo (o Rei é jovem e chega à velhice).

5 – O tempo e o lugar são mutáveis ou a ação ocorre em tempo e lugar únicos?
O lugar da ação é o castelo (é um espaço mítico), seus arredores (jardins, gramados, árvore) e aposentos (salões, escadas, corredor, salas).

6 – Qual(is) é(são) a(s) figura(s) de linguagem presente(s) neste texto?

Sinestesia (mistura de sentidos – tato, visão, audição); Personificação (a idéia toma forma, pode ser tocada, o Rei a deita na cama); Comparação (cortinas e véus pendurados como teias).

7 – Observe que a autora utiliza muitos substantivos acompanhados de adjetivos, apresentando assim afetividade em relação aos elementos. Faça uma lista de, pelo menos, cinco casos em que esse recurso aparece:
Ideia azul; linda ideia; ideia escondida; ideia adormecida; portas fechadas; sala acolchoada; véus pendurados; cama de marfim; grossa corrente; educados espelhos reais.
8 – Os verbos empregados no texto são seguidos de complemento ou apenas marcam a ação?
A maioria dos verbos são seguidos de complemento. Ex.: Um dia o Rei teve uma idéia; não quis saber de contar aos ministros; foi acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o perigo.

9 – Há momentos em que a autora intercala ações com pensamentos. Transcreva situações do texto que comprovem esta afirmação:
No quarto e no antepenúltimo parágrafos, a autora busca transmitir de forma indireta o pensamento da personagem.


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