CRÔNICA O HOMEM DESPERDIÇADO 7º ANO P. 108
O homem desperdiçado
Roma já entrou
em horário de verão, minha filha que mora lá esqueceu o fuso do Rio e me
telefona com uma hora de antecedência. Acordo mais cedo, os jornais nem
chegaram ainda, a empregada me serve o café e vou à varanda olhar o dia que
nasce sobre a Lagoa.
Quando havia
Mila e Títi, era uma festa sair com elas, o ar gostoso ainda molhado pela noite
entrando em nossos focinhos. Os olhinhos delas brilhavam, eu era feliz e sabia.
Meu mundo
ficou menor. E acordando com o fuso de Roma ficou uma hora mais comprido. Vejo
o sol batendo, oblíqua, mas não dissimulado, na formidável nudez da pedra que
sustenta o Cristo Redentor, este nem está aí para mais (ou menos) uma hora na
eternidade de seus braços estendidos.
O problema é
meu — aliás, como todos os problemas, que só são problemas porque são meus. Sem
nada o que fazer, não tenho sequer o discutível consolo daquelas revistas
atrasadas que os consultórios colocam à disposição dos que esperam. Melhor
mesmo olhar a Lagoa, que começa a ficar mais bonita nessa época do ano, os
barcos de regata, com a cor dos violinos, cortando as águas iluminadas. Quando
os remos sobem, gosto de ver o sol batendo nas pás encharcadas.
Há um dia pela
frente, mas é como se não houvesse. Tenho essa coisa espantosa que é uma hora a
mais, hora que não pedi, tempo de que não chego a precisar. Um condenado à
forca gostaria de uma hora a mais? Se fosse esse o meu caso, certamente pediria
que apressassem tudo, apreciaria até uma hora a menos.
A ideia da
forca não combina com o dia que nasce, com a Lagoa que parece toda minha e só
não é minha exclusivamente porque tenho de reparti-la com o sol, com os barcos
na cor dos violinos.
Deixo a
varanda e me sinto inútil e desperdiçado. Nem Mila nem Títi me esperam para
passear ao sol. Pelo contrário: chegaram os jornais — como tudo fica feio de
repente.
Rio de janeiro, 19 de abril de 1997.
Carlos Heitor Cony. O homem desperdiçado. Em: Rogério Ramos (Org.).
Histórias brasileiras de cães. Curitiba: Positivo, 2014. p. 34.
1.Indique qual das alternativas abaixo melhor descreve os
temas abordados na crônica "O homem desperdiçado".
I. Perda da religiosidade, pena de morte e solidão.
II. Solidão, saudade e falta de sentido para a vida.
III. Passagem do tempo, saudade e espiritualidade.
2. No segundo parágrafo, o cronista faz referência a Mila e
Títi.
a) Quem são elas? Justifique sua resposta.
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b) Que tempos verbais o cronista utiliza para descrever o
período vivido na companhia de Mila e Títi? Por que esse tempo foi usado?
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c) Relacione o uso do diminutivo olhinhos com a afirmação
"eu era feliz e sabia".
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d) O que,
provavelmente, aconteceu para que o mundo do cronista ficasse
"menor"? Que tempo verbal ele usa para fazer essa afirmação e por
quê?
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3.No quinto parágrafo, para reforçar a sensação de falta de
sentido para a vida, o cronista faz uma comparação e levanta uma hipótese.
a) A quem ele se compara?
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b)Que hipótese ele levanta? Que tempo e modo verbal ele usa
para anunciá-la?
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c) Que advérbio de afirmação ele utiliza, nesse trecho, para
expressar sua convicção quanto ao modo como reagiria nessa situação hipotética?
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4. Releia, a seguir, o terceiro parágrafo da crônica.
Meu mundo ficou menor.
E acordando com o fuso de Roma ficou uma hora mais comprido. Vejo o sol batendo, oblíquo, mas não
dissimulado, na formidável nudez da pedra que sustenta o Cristo Redentor,
este nem está aí para mais (ou menos) uma hora na eternidade de seus braços
estendidos.
a)Reescreva o trecho destacado substituindo o adjetivo
oblíquo por uma locução adverbial sem prejuízo de sentido.
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b) Como a locução adverbial que substituiu o adjetivo no
item a pode ser classificada?
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c) Na expressão "este nem está aí", o advérbio aí
se refere a um lugar físico? Explique.
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5.O que poderia ocorrer, no final da crônica, para que ela
ganhasse um tom de esperança? Releia o último parágrafo e, em seguida, escreva
uma continuação, como se fosse o cronista, apresentando um fato ou uma reflexão
que amenize a sensação de ser um "homem desperdiçado". Fique atento
para não fugir às características do gênero.
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