CONTO CONTEMPORÂNEO
Bilhete com foguetão
(Ondajaki. Escritor angolano)
Com um beijinho para a Petra
Foi no tempo
da terceira classe.
Quando a
Petra entrou na sala já deviam ser umas três da tarde. Lembro-me disso porque
nós sabíamos mais ou menos as horas pelo modo como as sombras invadiam a sala
de aulas.
A Petra tinha o tom de pele escuro, bem
bronzeado, e vinha com umas roupas bem bonitas que se fosse a minha mãe não me
deixava vestir assim num dia normal de aulas. Uma mochila toda colorida como
quase ninguém tinha naquela época. Então eu acho que tudo aconteceu em poucos
minutos, assim muito de repente.
Já não consegui prestar atenção à aula e a
Marisa, que sentava na carteira ao lado, reparou que eu estava toda a hora a
olhar. A delegada de turma também viu. E a Petra também. [...] Fiquei todo
intervalo na sala, na minha carteira, a rasgar as folhas onde eu tentava
escrever um bilhete para a Petra.
Depois do
intervalo todos regressaram com respiração depressada e o suor do corpo a
molhar as roupas, alegres também porque a camarada professora Berta disse que
ainda ia demorar. Deu ordens à delegada para sentar todo mundo e apontar numa
lista o nome dos indisciplinados.
Primeiro houve
aquele silêncio assim de cinco minutos que todos têm medo de ficar na lista e
ninguém quase se mexe. Depois começaram a desenhar, jogar batalha naval e
tentar pedir com licença à delegada para falar com alguém. O meu bilhete estava
pronto, dobrado, mas eu não sabia na minha cabeça se devia ou não dar o bilhete
à Petra.
A Marisa olhava
para mim como quem perguntava alguma coisa. E essa resposta que ela queria com
palavras ou um olhar, eu também não tinha para mim. Mesmo sem ter ido jogar
futebol, eu suava na testa e nas mãos.
Fiz sinal à
delegada que queria falar com ela, mas ela disse que não. A Marisa disse-me
então que ela podia ir.
- Entrego a quem?
- À Petra.
A Marisa nem
esperou eu ter acabado bem de decidir, tirou-me o bilhete da mão e foi a
correr. O meu olhar acompanhou a Marisa na corrida em direção à Petra e de
repente me deu uma tristeza enorme quando a vi passar além da Petra e entregar
o papel já meio aberto à delegada de turma.
A delegada
mandou todos fazerem um silêncio que eu não conseguia engolir na minha garganta
dura. Era o meu fim. Como é que eu ia enfrentar os rapazes depois daquele
bilhete para a Petra a dizer que ela tinha «um estojo bonito com cores de
Carnaval da Vitória e a mochila também, pelo tipo mousse de chocolate e uns
olhos que, de longe, pareciam duas borboletas quietas e brilhantes»?
Cruzei os
braços na carteira, escondi a cabeça, fechei os olhos, e pelos risos eu ia
entendendo o que se passava ali. Quando ela acabou de ler, houve um silêncio e
eu sabia que a delegada devia estar a olhar para o desenho. Como eu não sabia
desenhar quase nada, tinha feito um pequeno foguetão desajeitado porque achei
que fazer flores também já era de mais. A delegada riu uma gargalhada só dela,
bem alto. A Marisa quis saber o que era. Ela amarrotou o bilhete e guardou no
estojo.
- Ele
desenhou um «fojetão».
- Um «fojetão»?!
Aí eu confirmei
na minha cabeça que aquela menina não podia ser nossa delegada porque ela não
sabia ler o «gue», e eu tinha a certeza absoluta de ter escrito «foguetão». A
camarada professora Berta entrou e eu estremeci, pensei que fossem me queixar
do bilhete, mas nada, todos estavam parados, como borboletas!, isso mesmo,
borboletas quietas.
No fim da tarde,
a Petra foi logo embora sem falar com ninguém, e os rapazes da minha turma
foram bem simpáticos, ninguém me estigou e até o Filomeno, que era tão calado,
deu-me uma pancada leve nas costas que eu entendi tudo sem ele ter dito nada
com a boca.
Cheguei a casa
muito confuso e um pouco triste, mas já não queria falar mais do bilhete.
- Correu bem o
dia? – a minha mãe me deu um beijinho.
- Sim foi bom
– tirei a mochila das costas. – Mãe, foguetão não é com «gue», como na palavra
guerra?
- Claro que
sim, filho. Olhei devagar para ela. Fiquei a sorrir. A minha mãe também tem uns
olhos assim enormes bem bonitos de olhar.
Ondjaki, Os da Minha Rua – estórias, Lisboa, Editorial Caminho, 2007.
LEITURA
1. Em que tempo e
espaço se passa a história vivida
pelo protagonista?
TEMPO (Quando
aconteceu?).....................................................................
TEMPO(Duração da
história?)......................................................................
ESPAÇO(Onde
aconteceu?)........................................................................
2. Quais palavras no texto indicam o espaço?
................................................................................................................................................................................................................................................
3. Qual é o foco
narrativo do conto? (1ª pessoa ou 3ª
pessoa) Justifique com trechos do texto.
.............................................................................................................................
4. Resuma cada um dos elementos do conto:
Situação inicial (começo
da narrativa)
..............................................................................................................................................................................................................................................................
Conflito (problema que
surgiu na narrativa)
.............................................................................................................................
Clímax (ponto mais alto,
de maior tensão para a personagem)
...........................................................................................................................
Desfecho( fim, solução do
conflito)
..............................................................................................................................
5. Após o clímax, o protagonista muda sua visão a respeito
da delegada da turma. Que acontecimento marca essa mudança?
..............................................................................................................................................................................................................................................................
6. Releia essa frase do conto: “A delegada mandou todos
fazerem um silencio que eu não conseguia engolir na minha garganta dura”.
a) Marque a relação de sentido que a palavra destacada estabelece
entre as palavras que liga?
I. causa
II. consequência
III. lugar
IV. tempo
b) Que palavra ajuda a determinar
ou modificar o sentido do substantivo garganta?
..............................................................................................................................
c) Que significado a expressão “na minha garganta dura”
indica sobre a personagem ?
...............................................................................................................................
7. Quem é o autor do conto? Qual o seu país de origem?
.............................................................................................................................
8.De acordo com o contexto, qual o significado da palavra
delegada presente no conto. (Se não souber pesquise no livro p. 45)
...........................................................................................................................
9. Mesmo sem ter ido jogar futebol, eu suava na testa e nas mãos. De acordo com o texto, por que a
personagem suava?
...............................................................................................................................
10. - Sim foi
bom – tirei a mochila das costas. – Mãe, foguetão não é com «gue», como na
palavra guerra?
- Claro que
sim, filho. Olhei devagar para ela. Fiquei
a sorrir. Que sentimento os
verbos destacados indicam que a personagem estava sentindo?
.............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................
ADAPTADO
DE: COSTA, Cibele Lopresti, Geração Alpha Língua portuguesa: ensino
fundamental: anos finais: 7ºano-2ª ed. - São Paulo: Edições SM, 2018.
UNIDADE ESCOLAR C.M. BOTAFOGO
Elaborado pelo professor Diorges Ferranti Gonçalves
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