CRÔNICA 9º ANO QUANDO O RIO NÃO ERA RIO RIO18
Quando o Rio não era Rio
Naquele
tempo o Rio não era o Rio. Eu me lembro muito bem quando começou essa moda de
dizer: vou ao Rio, cheguei do Rio. Até então nós todos dizíamos solenemente:
Rio de Janeiro. E nos debruçávamos sonhadoramente sobre os cartões-postais que
as pessoas que iam ao Rio de Janeiro mandavam: o bondinho do Pão de Açúcar (que
era de Assucar) e o Corcovado, ainda sem o Cristo.
Mas havia
dois palácios de maravilha para a nossa imaginação; seus nomes soavam
belíssimos: a Galeria Cruzeiro e o Pavilhão Mourisco. Não consigo refazer a
ideia que eu tinha da Galeria Cruzeiro, creio que era uma ideia que variava
muito. Um grande recinto sem plateia mas com muitas galerias, ou um palácio em
forma de túnel com um Cruzeiro do Sul aceso na fachada, algo de estranho e
imenso, pois toda gente encontrava toda gente na Galeria Cruzeiro. O Pavilhão
Mourisco, este para nós era feérico, cheio de minaretes, odaliscas, bandeiras e
punhais, talvez camelos, pelo menos grandes camelos pintados entre oásis.
As pessoas
grandes que chegavam do Rio traziam malas fabulosas, cheias de presentes para
todos, além de dezenas de encomendas, todas escritas cuidadosamente em uma
lista com letra feminina. Nós juntávamos todos para assistir à abertura das
malas.
“Isto é para
você”! Era fascinante receber um embrulho de presente com o nome da loja
impresso na fita que o amarrava.
Mas o que
mais me impressionou foi a sopa juliana. Eu nunca tinha ouvido falar de sopa
juliana, não era prato que se usasse em minha casa. E não gostei da sopa: era
de verduras e legumes. Mas o espantoso é que vinha seca, em um envelope, e
quando se punha n’água crescia, tomava cores. As coisas do Rio de Janeiro eram
assim, cheias de milagres e de astúcias. E à noite, quando vinham visitas, os
viajantes contavam as últimas anedotas do Rio de Janeiro, pois naquele tempo
não havia rádio.
Lembro-me
que, apesar de sentir esse fascínio do Rio de Janeiro, eu não pensava nunca em
vir aqui. Isso simplesmente não me passava pela cabeça; o Rio era um lugar
maravilhoso, onde vinham pessoas grandes e até eu pensava vagamente que no Rio
de Janeiro só devia haver pessoas grandes. Era verdade que havia, por exemplo,
um menino, o Zezé, filho de seu Osvaldo, que vinha ao Rio de Janeiro; ele usava
sapatos, quando nós todos usávamos botinas. Mas, mesmo pelo fato de usar
sapatos e vir ao Rio era como se ele fosse uma pessoa de outra raça, não uma
criança como nós. Eu não chegava sequer a invejá-lo, tão diferente de nós eu o
achava. Zezé tinha até um sapato de duas cores, branco e vermelho; e nós com
nossas botinas pretas, sempre de bico esbranquiçado de tanto chutar pedra na
rua, sempre com os cadarços meio arrebentados, difíceis de enfiar.
Fiquei muito
espantado quando minha irmã, que vinha ao Rio com o marido, me convidou para
vir também. Ela disse que era um prêmio porque eu tinha tirado boas notas nos
exames. Lembro-me de que minhas notas tinham sido apenas regulares, de maneira
que achei aquele convite uma honra, uma distinção que eu mesmo sabia que não
merecia muito. Eu tinha nove anos, e essa irmã era minha madrinha.
[...]
BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro: Record, 1987.
1 – Na crônica de Rubem Braga que você acabou de ler, o
cronista relata fatos de sua infância. Transcreva a
expressão indicadora de tempo passado que aparece no texto:
_____________________________________________________________________________________________
2 – Que aspecto da paisagem do Rio Janeiro do passado está
presente no primeiro parágrafo?
_____________________________________________________________________________________________
3 – Ainda no primeiro parágrafo, que trecho revela a paixão
pelo Rio de Janeiro?
______________________________________________________________________________________________
4 – Que palavras do texto pertencem ao campo semântico de
MOURISCO?
_____________________________________________________________________________________________
5 – Com relação à culinária, o que espantou o cronista
quando era menino?
_____________________________________________________________________________________________
6 – A quem se refere a palavra VIAJANTES, no quinto
parágrafo?
_____________________________________________________________________________________________
7 – Ainda no quinto parágrafo, o que revela um tempo do
passado distante?
_____________________________________________________________________________________________
8 – Que trecho do texto mostra que o cronista morava no Rio
no momento em que escrevia a crônica?
______________________________________________________________________________________________
9 – A que se refere a palavra ISSO, no sexto parágrafo?
______________________________________________________________________________________________
10 – Aos olhos do cronista menino, o que distinguia
Zezé das outras crianças?
______________________________________________________________________________________________
11 – No último parágrafo, por que o cronista menino considerava
uma honra que ele não merecia?
______________________________________________________________________________________________
12 – No último parágrafo, substitua a expressão DE MANEIRA
QUE por outra equivalente, sem mudar o sentido do
trecho:
______________________________________________________________________________________________
Entendendo a crônica
01 – Na crônica de Rubem Braga que você acabou de ler, o
cronista relata fatos de sua infância. Transcreva a expressão indicadora de
tempo passado que aparece no texto.
“Naquele tempo”.
02 – Que aspecto da paisagem do Rio Janeiro do passado está
presente no primeiro parágrafo?
O bondinho do Pão de
Açúcar e o Corcovado, ainda sem o Cristo.
03 – Ainda no primeiro parágrafo, que trecho revela a paixão
pelo Rio de Janeiro?
“E nos debruçávamos
sonhadoramente sobre os cartões-postais que as pessoas que iam ao Rio de
Janeiro mandavam.”
04 – Com relação à culinária, o que espantou o cronista
quando era menino?
A sopa juliana.
05 – A quem se refere a palavra VIAJANTES, no
quinto parágrafo?
Refere-se as pessoas que
vinham do Rio de Janeiro.
06 – Ainda no quinto parágrafo, o que revela um tempo do
passado distante?
“Pois,
naquele tempo não havia rádio”.
07 – Que trecho do texto mostra que o cronista morava no Rio
no momento em que escrevia a crônica?
“Lembro-me que, apesar
de sentir esse fascínio do Rio de Janeiro, eu não pensava nunca em vir aqui.”
08 – A que se refere a palavra ISSO, no sexto
parágrafo?
Refere-se a intenção de
ir ao Rio de Janeiro.
09 – Aos olhos do cronista menino, o que
distinguia Zezé das outras crianças?
O Zezé usava sapato de
duas cores, enquanto as outras crianças usavam botas pretas.
10 – No último parágrafo, por que o cronista menino considerava
uma honra que ele não merecia?
Porque as notas dele
tinham sido regulares.
11 – No último parágrafo, substitua a expressão DE
MANEIRA QUE por outra equivalente, sem mudar o sentido do trecho.
DE MODO QUE achei
aquele convite uma honra.
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